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Possibilidade de substituição de penhora de valores em conta bancária por penhora de percentual sobre o faturamento de empresa

Agenda 05/04/2017 às 16:00

Visando coadunar o interesse do credor com a mínima onerosidade ao devedor - sendo esse binômio executivo um primado do NCPC -, a substituição da penhora de dinheiro por outro tipo de garantia é medida a ser imposta nos processos executivos.

Diuturnamente milhares de empresas sofrem, em processos de execução, penhoras on-line comprometendo, muitas vezes, o próprio funcionamento do negócio, ante o bloqueio de quantias de seu capital de giro e fluxo de caixa, imprescindíveis para a mantença da própria atividade e pagamento de fornecedores e funcionários.

Visando coadunar o interesse do credor com a mínima onerosidade ao devedor - sendo esse binômio executivo um primado do NCPC -, a substituição da penhora de dinheiro por outro tipo de garantia é medida a ser imposta nos processos executivos, sob pena de o bloqueio em contas de empresas ser um tiro certeiro capaz de encerrar uma atividade, o que acaba gerando prejuízos ao empresário, à economia, à sociedade, ao Estado, eis que rendas, empregos e tributos cessam em prol de um credor.

Com valores bloqueados, como uma empresa poderá pagar seus funcionários ou seus fornecedores? Como ela poderá pagar, até mesmo, os empréstimos bancários?

Por outro lado, muitas empresas são sólidas e estáveis, podendo superar tal momento de dificuldade com o apoio do Poder Judiciário e compreensão de seu credor, substituindo-se tal constrição em dinheiro por outro tipo de garantia.

Ocorrendo essa substituição, inconteste que se assegura a continuidade do funcionamento do negócio, mantendo-se empregos e o pagamento de tributos e fornecedores, estimulando-se o devedor a se ajustar para pagar sua dívida, satisfazendo o lídimo interesse do credor em receber o que lhe é devido.

O art. 805 do NCPC[1] garante ao juiz que a execução se faça pelo modo menos gravoso para o executado, cabendo a este alegar e indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.

Nestes termos, a execução não seria útil apenas ao interesse do credor, mas também ao devedor que, em certos casos, necessita de um processo justo que não lhe seja uma sentença de encerramento empresarial.

Também, no mesmo diapasão, ensina Humberto Theodoro Junior:

"(...) Convém ressaltar que a ressalva feita à penhorabilidade do saldo bancário não está restrita às verbas alimentares indicadas pelo inciso IV do art. 649. Também se consideram excluídas da penhora autorizada pelo art. 655-A os depósitos representativos de verbas "revestidas de outra forma de impenhorabilidade", como se acha explicitado no seu § 2º, in fine. É o caso, v.g., das importâncias descontadas na fonte e que se acham em depósito bancário aguardando a oportunidade de recolhimento em favor dos respectivos credores; ou que corresponde ao montante necessário para honrar a folha salarial da empresa; ou que, de maneira geral, represente o capital de giro indispensável à sobrevivência da empresa".(JUNIOR, Humberto Theodoro. “Processo de Execução”, 27ª ed., São Paulo: Leud, 2012, pp. 288/289)

Afinal, como bem disse a ministra Eliana Calmon:

“Permitir-se a penhora dos saldos bancários de uma empresa é o mesmo que decretar a sua asfixia, porque tal determinação não respeita os reais limites que deve ter todo credor: atendimento prioritário aos fornecedores, para possibilitar a continuidade de aquisição de matéria-prima, pagamento aos empregados, prioridade absoluta pelo caráter alimentar dos salários". (REsp 769545 – STJ).

A substituição da penhora, frise-se, nos casos em que houver justa causa, deve ser acatada pelo juízo, até porque o princípio constante no artigo 805 do CPC é de ordem pública e não está sujeita, sequer, à aceitação do credor.

De outro norte, a manutenção do bloqueio de valores viola o princípio da preservação da empresa, segundo ensina Fabio Ulhoa:

"Quando se assenta, juridicamente, o princípio da preservação da empresa, o que se tem em mira é a proteção da atividade econômica, como objetivo de direito cuja existência e desenvolvimento interessam não somente ao empresário, ou aos sócios da sociedade empresária, mas a um conjunto bem maior de sujeitos. [...] O que se busca preservar, na aplicação do princípio da preservação da empresa, é, portanto, a atividade, o empreendimento. O princípio da preservação da empresa reconhece que, em torno do funcionamento regular e desenvolvimento de cada empresa, não gravitam apenas os interesses individuais dos empresários e empreendedores, mas também os metaindividuais de trabalhadores, consumidores e outras pessoas; são estes últimos interesses que devem ser considerados e protegidos, na aplicação de qualquer norma de direito comercial. [...] O princípio da preservação da empresa é legal, geral e implícito." COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial - Direito de Empresa. São Paulo. Editora Saraiva, 2012. Vol. 1. pág. 79 e 80 (grifo nosso).

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Diante desse quadro jurídico, autoriza o art. 866 do CPC[2] que, se o executado não tiver outros bens penhoráveis, ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado, pode ocorrer a penhora de percentual de faturamento de empresa.

É esse entendimento do STJ e dos Tribunais Estaduais:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PATRIMÔNIO OUTRO SUFICIENTE PARA GARANTIR A EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE O FATURAMENTO (10%). POSSIBILIDADE. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência desta corte é assente quanto à possibilidade de a penhora recair, em caráter excepcional, sobre o faturamento da empresa. Desde que observadas, cumulativamente, as condições previstas na legislação processual (arts. 655 - A, § 3º, do CPC) e o percentual fixado não torne inviável o exercício da atividade empresarial. Sem que isso configure violação do princípio exposto no art. 620 do CPC. 2. O STJ, por vários dos seus precedentes, tem mantido penhoras fixadas no percentual de 5% a 10% do faturamento, com vistas a, por um lado, em não existindo patrimônio outro suficiente, disponibilizar forma menos onerosa para o devedor e, por outro lado, garantir forma idônea e eficaz para a satisfação do crédito, atendendo, assim, ao princípio da efetividade da execução, caso dos autos. Precedentes. 3. Na espécie, o tribunal de origem fixou a penhora sobre o faturamento no percentual de 10% (dez por cento), diante da baixa liquidez do bem ofertado à substituição. 4. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg-AREsp 483.558; Proc. 2014/0046722-1; SP; Quarta Turma; Rel. Min. Raul Araújo; DJE 19/12/2014)

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO POR TÍTULO EXTRAJUDICIAL. PENHORA DO FATURAMENTO DA EMPRESA EXECUTADA. ALEGAÇÃO DA EXECUTADA DE CERCEAMENTO DE DEFESA, POR ACOLHIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS PELO EXEQUENTE, QUE NÃO MERECE SER ACOLHIDA. ADMISSIBILIDADE DA CONSTRIÇÃO DETERMINADA. ART. 655 - VII DO CPC. OFENSA AO ART. 655 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ORDEM LEGAL DE PREFERÊNCIA PREVISTA EM CITADO ARTIGO QUE, ADEMAIS, NÃO É DE CARÁTER ABSOLUTO. INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE SUBSTITUIÇÃO DESTA PENHORA QUE DEVE SER MANTIDO. Percentual da constrição do faturamento da empresa executada que deve, porém, ser reduzido para 7% de sua receita líquida mensal para não comprometer ou prejudicar gravemente suas atividades. Alegação de nulidade da citação corretamente afastada. Ato realizado por oficial de justiça na sede da empresa e recebido por advogada desta que se apresentou como sua representante. Incidência, nesta hipótese, da teoria da aparência. Recurso da executada provido em parte. (TJSP; AI 2206159-19.2015.8.26.0000; Ac. 9178329; São Paulo; Décima Quarta Câmara de Direito Privado; Rel. Des. Thiago de Siqueira; Julg. 17/02/2016; DJESP 23/02/2016)

Assim, se uma empresa devedora foi alvo de penhora de valores em contas bancárias, após se constatar que não há bens suficientes para a garantia da execução, pode-se, em atendimento à boa-fé da empresa em quitar a dívida, ao princípio da preservação da empresa e a comprovação de que esse meio é o menos oneroso e não trará prejuízo ao exequente, requerer ao juízo da execução a realização de penhora sobre o faturamento da empresa, desde que se libere o valor bloqueado/penhorado para que o devedor dê continuidade às suas atividades.

Recentemente, o juízo da 3ª Vara Cível da Comarca de Campo Grande, MS[3], determinou a desconstituição de uma penhora de valores em contas bancárias e deferiu o levantamento da quantia em favor da parte executada, a fim de manter a continuidade de suas atividades econômicas, tendo fundamentado da seguinte forma:

(...) Diante do exposto, defiro o pedido de fls. 109-120 para desconstituir a penhora realizada às fls. 81-83 e 108 e autorizar o levantamento dos valores em favor da parte executada, a fim de manter a continuidade de suas atividades econômicas.

Saliento que o levantamento dos valores ocorrerá após o decurso do prazo para interposição de eventual recurso, visto que esta é a maneira mais correta de resguardar os direitos de ambas as partes.

Defiro, ainda, a substituição da penhora pelo faturamento líquido mensal da empresa, no percentual de 2% (dois por cento), devendo os valores serem depositados pelo executado em subconta vinculada ao feito, juntamente com o devido cálculo demonstrado através de manifestação.

No mais, concedo à parte exequente o prazo de dez dias para manifestação, indicando outros bens da executada passíveis de penhora.

Às providências e intimações necessárias. (...)”.

Nesse norte, é importante, para que o pleito de substituição de penhora de valores por penhora sobre o faturamento seja deferido, a juntada dos balancetes mensais da empresa dos últimos meses, aliada a documentos que demonstrem a atual conjuntura econômica do mercado e da condição da empresa.

Com isso, pode-se chegar a um valor que propiciará a satisfação do crédito em tempo razoável e que não tornará inviável o exercício da atividade empresarial.


Notas

[1] Art. 805.  Quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado.

Parágrafo único.  Ao executado que alegar ser a medida executiva mais gravosa incumbe indicar outros meios mais eficazes e menos onerosos, sob pena de manutenção dos atos executivos já determinados.

[2] Art. 866.  Se o executado não tiver outros bens penhoráveis ou se, tendo-os, esses forem de difícil alienação ou insuficientes para saldar o crédito executado, o juiz poderá ordenar a penhora de percentual de faturamento de empresa.

[3] Processo 0825874-87.2013.8.12.0001 Segredo de Justiça - Execução de Título Extrajudicial.

Sobre o autor
Thiago Chianca Oliveira

Especialista em Direito Processual Civil e Direito Público (administrativo, ambiental, constitucional e tributário). Advogado, inscrito na OAB/MS. Sócio do Escritório Godoy & Chianca - Advocacia e Consultoria Jurídica, sediado em Campo Grande, MS, com atuação nos ramos do direito agrário, civil e público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Thiago Chianca. Possibilidade de substituição de penhora de valores em conta bancária por penhora de percentual sobre o faturamento de empresa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5026, 5 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54402. Acesso em: 22 dez. 2024.

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