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A ilegalidade da alta programada do auxílio doença para o segurado especial "trabalhador rural", no âmbito administrativo do INSS

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Agenda 04/03/2017 às 10:23

A suspensão da alta programada é medida que contrapõe os ditames constitucionais e seus efeitos são nefastos aos trabalhadores.

Resumo: O presente elaborado monográfico tem por escopo discorrer acerca da ilegalidade da alta programada do auxílio doença para o segurado especial “trabalhador rural”, no âmbito administrativo do INSS. A Previdência Social, no que tange ao trabalhador rural apenas passou a ter um tratamento distinto com a promulgação da Constituição Federal de 1988, pois foi nesse texto constitucional que a preocupação com essa categoria laboral, ficou mais proeminente, sobretudo ao positivar regras favoráveis aos agricultores e outras atividades apreciadas como trabalho rural àqueles que exercem atividades laborais em regime de economia familiar. Assim, por intermédio analítico dos requisitos legais que concedem o benefício, sobretudo pelas modificações procedentes da Lei nº 8.213/91 e pela Lei nº. 11.718/08, levando em consideração as peculiaridades do trabalho no campo. Para tanto utilizou como metodologia a pesquisa bibliográfica, fundamentada na revisão de literatura em fontes primárias e secundárias, tendo como norte doutrinas, Decretos, Jurisprudências, leis constitucionais e infraconstitucionais que forneceram o embasamento necessário à compreensão do fenômeno estudado. As principais informações dessa copiosa busca permitiram dizer que a alta programada é ilegal, pois viola a Lei 8.213/91, e concomitantemente inconstitucional por confrontar as garantias constitucionais, especialmente a classe trabalhadora, incluindo ai os rurícolas. Em suma, a lei em comento é bastante clara em não permitir a alta programada, enquanto a incapacitação motivadora da concessão do benefício persistir trata-se desse modo, de grave violação dos princípios constitucionais predominantes do leal cumprimento da reserva legal em relação à hierarquização das Leis vigentes no País. 

Palavras-chave: Trabalhador Rural. Auxilio Doença. Seguridade Social. Ilegalidade. Inconstitucionalidade.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1 SEGURIDADE SOCIAL: CONTEXTO HISTÓRICO. 1.1 SEGURIDADE SOCIAL: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS. 1.2 SEGURIDADE SOCIAL NA ESFERA RURAL . 1.3 PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. 1.4 PECULIARIDADES DA SEGURIDADE RURAL. 1.4.1 O empregado rural. 1.4.2 O trabalhador contribuinte individual . 1.4.3 O segurado especial. 1.5 GASTOS E CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA RURAL. 2 REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. 2.1 BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS ESPECIAIS. 2.2 CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DOS BENEFÍCIOS . 2.3 BENEFÍCIOS EM ESPÉCIES. 2.3.1 Aposentadoria por Invalidez . 2.3.2 Aposentadoria rural por idade. 2.3.2 Auxílio Acidente .  2.4 AUXÍLIO DOENÇA AO SEGURADO RURAL. 2.5 UNIFORMIDADE / EQUIVALÊNCIA DOS BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS. 3 PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO. 3.1 PROCESSOS INERENTES AO AUXÍLIO DOENÇA. 3.1.1 Processo Administrativo . 3.1.2 Do Processo Judicial . 3.2 PRINCÍPIOS GERAIS E PRINCÍPIOS ESPECÍFICOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO PREVIDENCIÁRIO. 3.3 MEIOS DE PROVAS ADMITIDAS PARA CONFIGURAR A QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL RURAL. 3.4 ESPÉCIES DE PROVA AO TRABALHADOR RURAL . 3.5 ALTA PROGRAMADA DEFINIÇÃO E CARACTERÍSTICAS. 3.5.1 Incompatibilidade da alta programada com o ordenamento jurídico brasileiro e a sua inconstitucionalidade. 3.6 INCONSTITUCIONALIDADE DA ALTA PROGRAMADA. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

Tendo como objetivo discorrer acerca da ilegalidade da alta programada do auxílio doença para o segurado especial “trabalhador rural”, no âmbito administrativo do INSS, em que se busca trazer algumas ponderações acerca desse assunto é que propôs esse elaborado monográfico.

A Constituição Federal de 1988, tendo como fundamento a uniformidade e a equivalência entre as pessoas, sobretudo no âmbito da Seguridade Social, adotou a universalidade como instrumento basilar na concessão de benefícios previdenciários, especialmente ao trabalhador rural que durante muito tempo esteve à margem dos benefícios concedidos aos trabalhadores.

A Carta Maior do País colocou um fim à dualidade de sistemas previdenciários sociais urbanos e rural, conferindo um Regime Geral de Previdência Social (RGPS), disciplinado pela Lei nº 8.213/91 com alterações da Lei nº 11.718/08 e mesmo que existam algumas diferenças relacionadas ao valor dos benefícios, nenhum benefício devidamente conferido pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS), terá um valor inferior ao do salário mínimo. Essa questão se resume a um desdobramento do princípio da igualdade, com o intuito de acabarem as distinções negativas desfavoráveis dos trabalhadores urbanos ou rurais, como acontecia nos sistemas anteriores da Constituição de 1988.

Assim sendo, para entender de forma mais clara o fenômeno estudado adotou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica fundamentada em diversos doutrinadores, tais como: Castro e Lazzari (2015), Farinelli (2012), Godoy (2010), Martinez (2007), Serau Jr. (2007, 2016), Ribeiro (2013), dentre outros, além dos diplomas constitucionais e Decretos que foram suficientes para à compressão ampla do tema dissertado.

Assim, a pesquisa encontra-se sistematizada da seguinte forma: na primeira seção relata a seguridade social dentro de um contexto histórico e as suas caraterísticas, abrangendo logo depois a seguridade social na esfera rural no qual também se enfatiza o instituto após a promulgação da Constituição Federal de 1988, focaliza-se ainda as peculiaridades da seguridade rural com ênfase no empregado rural, o trabalhador contribuinte individual e o segurado especial, finalizando a seção refletindo acerca dos gastos e custeios da previdência rural.

Na segunda seção, descreve o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os benefícios previdenciários especiais, conceito e natureza jurídica desses benefícios e as suas espécies com especial atenção à aposentadoria por invalidez, aposentadoria rural por idade, auxílio acidente e auxílio doença ao segurado rural, relata ainda a uniformidade/equivalência dos benefícios previdenciários.

Na terceira seção, destaca-se o processo administrativo previdenciário com ênfase ao auxílio doença e a sua concepção no campo administrativo e judicial, os  princípios gerais e princípios específicos do processo administrativo previdenciário também são analisados, os meios de provas admitidas para configurar a qualidade de segurado especial rural e as espécies de prova para configurar esse trabalhador, logo depois o realce é no tocante a inconstitucionalidade da alta programada definição e características e a sua incompatibilidade presenciada no ordenamento jurídico brasileiro.

Culmina-se com as considerações finais, que trazem um apanhado do que foi discutido. Os resultados dessa copiosa busca estão disponibilizados, conforme segue.


1 SEGURIDADE SOCIAL: CONTEXTO HISTÓRICO

Pode-se dizer que é extremamente relevante abordar, ainda que de forma sucinta, o contexto histórico da seguridade social, com isso busca-se ilustrar, a sua gênese e desenvolvimento, especialmente na legislação pátria que trará subsídios para um melhor entendido acerca do tema enfocado. A evolução histórica da seguridade social é de extremada relevância, pois o passado pode revelar profundamente quais eram os valores e as intenções daqueles que lutaram bravamente a fim de conquistar uma sociedade mais justa, igualitária e humana.

Michel Neto (2009, p. 27), acerca desse assunto, assim se manifesta:

Pelo desenvolvimento histórico, a compreensão  do presente (e, por que não, o vislumbre do futuro) pode ser muito melhor desenvolvida, pois, bem ajustado na conformação de alguns valores e especialmente na configuração do conceito de seguridade social que se desenvolveu na história, o caminho necessário para trilhar no sentido do bem-estar e da justiça sociais já não será um caminho obscuro e inóspito.

Desse modo, em linhas gerais é possível dizer que, em se tratando de proteção social, esta brotou indubitavelmente no seio familiar, sendo os laços familiares muito mais fortes que na atualidade. Sobre essa questão, outro não é o entendimento destacado por Ibrahim (2011, p. 1): “no passado as pessoas comumente viviam em largos aglomerados familiares. O cuidado aos mais idosos, incapacitados era incumbência dos mais jovens e aptos para o trabalho”.

Observa-se a centralização do poder familiar, como responsável em promover o que se denomina hoje seguridade social no Brasil. Contudo nota-se uma discriminação, uma vez que nem todos tinham esse direito garantido, o que dependia das condições sociais da família. Surgia então a necessidade auxiliar externamente, em que na época dependia da voluntariedade de terceiros, onde a igreja defendia e incentiva essa prática assistencial. Destaca-se que o principio que norteava os valores sociais dessa época era o contexto familiar e humanitário.

A sociedade, então, já tinha uma preocupação efetiva e já formulava uma proposta e conceito a fim de se sentir amparada com futuros infortúnios da vida. Essa preocupação A preocupação com infortúnios da vida tem sido uma constante da humanidade. Desde os primórdios da vida humana, o homem vem se adaptando a isso, no sentido de reduzir os piores efeitos causados pelas adversidades da vida, como fome, doença, velhice dentre outros. Não obstante, Ibrahim (2011, p. 1) realça:

“Não seria exagero rotular este comportamento de algo instintivo, já que até os animais têm o hábito de guardar alimentos para dias mais difíceis. O que talvez nos separe das demais espécies é o grau de complexidade de nosso sistema protetivo”.

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Com os avanços sociais e políticos, a concepção de seguridade social resguardava pela família aos poucos se fragilizam, havendo a necessidade de buscar alternativas mais eficazes que minimizasse o infortúnio social criando mecanismos sociais que pudessem atender desagregação familiar.

Foi então que, paulatinamente o Estado incorporava em seus discursos e ações, ainda que precariamente certa proteção às questões sociais como um dever do Estado. Esses conceitos encontraram nos sociais-democratas a base para implantação do Welfare State[1], que visava justamente atender outras demandas da sociedade, com a previdência social. “A farta oferta de benefícios foi feita, frequentemente, de modo irresponsável e visando unicamente a rivalizar com o Leste Europeu”. (IBRAHIM, 2011, p. 4).

Destarte, foi assim que de acordo com Nolasco (2012), a gênese de cunho legislativo a tratar acerca da Previdência Social no Brasil foi a Constituição de 1824, que se dedicou com exclusividade o inciso XXXI de seu art. 179 a tal finalidade. Esse dispositivo assegurava aos cidadãos o direito aos então designados “socorros públicos”. Essa proteção se dedicava em promover o atendimento das pessoas carentes pelos chamados montepios, casas de socorros públicos e conventos. Embora, houvesse previsão legal ao assunto, a prática de tal dispositivo constitucional foi totalmente inerte.

As Constituições brasileiras advindas depois dessa que foi ainda no Brasil República, todas elas apresentaram previsão legal para garantir os direitos dos cidadãos, porém, sem eficácia na prática, pois o cidadão não dispunha de meios para assegurar os seus direitos.

Contudo, já no século XX, o Brasil, aliado a outros movimentos políticos e sociais que brotavam em outros países, sobretudo pela criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no ano de 1919, começou a ser mais explicito na proteção social, como bem descrito por Michel Neto (2009, p. 29-30). Houve um processo de extensão dos direitos incipientes que nasceram da Ley Eloy Chaves, cuja modificação mais relevante foi a reformulação das Caixas de Aposentadoria e Pensões pelo Decreto n. 20.465, de 1° de Outubro de 1931, em que se modificou a organização daquele sistema inicial, de responsabilidade de cada empresa e serviço envolvido, para fazer com que os benefícios da época fossem divididos por categorias profissionais.

Através dos movimentos populares cada vez mais atuantes a contra gosto do Estado as modificações vão acontecendo e mais uma contribuição é concebida no ano de 1934, acerca do assunto, Michel Neto (2009, p. 30), aduz:

Com o advento da Constituição de 1934, os Institutos receberam o respaldo constitucional, e os benefícios obtidos até então foram legitimados pela Carta Magna, por suas disposições constantes nos artigos 121 e 170, que traziam o direito à assistência médica, a direitos sociais e o direito a benefícios como a aposentadoria dos funcionários públicos.           

Essa Constituição formalizou a ideia da previdência social, quando assim a denominou, inserida no Título V, “Da Ordem Econômica e Social”, nas garantias previstas no artigo 157, que tratava especificamente da legislação trabalhista e da previdência social.

Foi, contudo que no ano de 1960, aconteceu uma importante conquista para a história da Previdência Social conforme expõe Michel Neto (2009, p. 32):

Importante conquista legislativa para a evolução da previdência social fora a instituição da Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), Lei n. 3.807, de 26 de Agosto de 1960, que sistematizava a previdência social, criava e expandia benefícios, estendia o direito à assistência social, a outras categorias de trabalhadores, e compunha a disciplina quase completa de todos os direitos e garantias sobre a previdência social.

A LOPS foi um marco crucial para que Estado reconhecesse o cidadão como único dotado de direitos, no que diz respeito à seguridade social no Brasil sem discriminar as demais categorias trabalhistas.

Foi, portanto com a promulgação da Constituição Federal de 1988 (CF/88), a denominada Constituição Cidadã, que esses direitos foram consolidados plenamente.

Os custos com a seguridade social passou a ser financiado por toda a sociedade, direta e indiretamente, através dos recursos originários das contribuições do governo e das empresas e dos trabalhadores. Não se pode olvidar que, por meio da reforma da Previdência Social Emenda Constitucional (EC) nº 41/2003 e pela Lei nº 10.887, de 18 de junho de 2004 (conversão da MPv nº 167, do mesmo ano), incluiu a contribuição dos aposentados para também financiar o sistema previdenciário (art. 195, CF/88). (ARAÚJO, 2006; RUEDA JR. 2003).

SEGURIDADE SOCIAL: CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS

Ao conceber a terminologia de uma palavra se torna mais fácil o seu entendimento, assim trazer alguns conceitos de seguridade social faz-se necessário conceituar o termo seguridade social, de acordo com alguns autores. Farineli e Maschietto (2013, p. 18) aduzem: “é um instrumento estatal, sendo específico de proteção das necessidades sociais, individuais e coletivas, sejam elas preventivas, reparadoras e recuperadoras, na medida e nas condições dispostas pelas normas”.

A CF/88, no art. 194 dispõe: “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”. Por esse conceito é possível perceber a abrangência do termo e a sua extensão no que tange aos direitos sociais, concebidos por ações integradas do setor público e privado.

A Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, Lei de Organização e Custeio da Seguridade Social, dispõe: “Art. 1º A Seguridade Social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinado a assegurar o direito relativo à saúde, à previdência e à assistência social”.

Michel Neto (2009, p. 36), corrobora com esta afirmação, trazendo também o seguinte entendimento: “a seguridade social nada mais é que um dos aspectos do “Estado Social” no qual se insere como elemento essencial, mediante o pressuposto de uma solidariedade social que permita uma relativa distribuição de renda”. Observa-se que o conceito de seguridade social transcende a segurança jurídica, visto que esse instituto social admitem inúmeras garantias e direitos do indivíduo.

Importante ressaltar que a seguridade social no Brasil também se configura como um dos aspectos que compõem o Estado Social, em que seu fundamento maior, nada mais é que, promover a solidariedade como uma via para o atendimento dos reclames da justiça, da igualdade social e do bem estar. Essa concepção de solidariedade permite que todos os membros da sociedade participem das ações e iniciativas promovidas pelo sistema. Farineli e Maschietto (2013, p. 50, grifo nosso), sobre o assunto esclarecem que:

A solidariedade social consiste na contribuição da maioria em benefício da minoria. A Previdência Social enquanto parte da Seguridade Social atua como instrumento de redistribuição da riqueza nacional utilizado e cumprido pelo legislador ao fixar os riscos e a dimensão da necessidade social básica.

Em que pese a Previdência Social, se faz oportuno destacar quais os órgãos que fazem parte desse sistema, a fim de que se tenha um maior entendimento acerca do assunto em tela. Recorre-se aos ensinamentos de Farineli e Maschietto (2013, p. 50), que assim descrevem:

O Sistema Previdenciário Brasileiro abrange o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), gerido e administrado pela autarquia federal Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), os Regimes Próprios de Previdência (dos servidores públicos federais, dos militares, dos parlamentares, dos membros do Poder Judiciário, dos servidores dos Estados e Municípios) e a Previdência Complementar (aberta e fechada).

Verifica-se quão abrangente é o Sistema Previdenciário Brasileiro, pois conforme o elencado pode-se dizer que o enquadramento dos beneficiários vai desde aqueles trabalhadores com remuneração do salário mínimo até os que estão na qualidade de segurados obrigatório com altos salários, desde que preencham os requisitos legais exigidos. 

Nesta concepção, a CF/88 exerce um papel preponderante para estabelecer o espirito programático aos legisladores, magistrados, os operadores e aplicadores do Direito, visto que para cada um deles os preceitos legais deve servir de base para interpretar o fundamento normativo apontando o horizonte legislativo, direcionando a todos o caminho a ser seguido, em busca e na consecução dos seus valores mais fundamentais.  

SEGURIDADE SOCIAL NA ESFERA RURAL

Guimarães (2008), aponta que embora desde os tempos do Brasil colônia já existisse sinais de previdência social para o trabalhador urbano, somente depois do ano de 1963, que foi criado o Estatuto do Trabalhador Rural pela Lei n.º 4.214, de 2 de março de 1963, a partir de então é pode-se dizer que os trabalhadores rurais foram sagrados com regras normativas direcionadas para o sistema previdenciário.

Contudo, a inserção do trabalhador rural não foi tão fácil assim, ao contrário tiveram que lutar por suas reivindicações, no sentido de requerer junto ao Estado os direitos em específico sobre a seguridade social que começa na década de 60, que segundo Farineli (2012, p. 19):

Desde finais dos anos 1960, o desenvolvimento social sofre uma transformação marcada pela crise do Estado-Previdência que, entre outras, resultou numa inscrição dos trabalhadores à obsessão e às rotinas da produção e do consumo que não deixou espaço para o exercício da autonomia e da criatividade.

Paralelo há isso nota-se a dificuldade ainda maior em relação aos trabalhadores rurais que não tinham como comprovar suas receitas ao Estado, mesmo desempenhando sua funcionalidade laboral, justificando essa ideia Farineli, (2012, p. 26-7) relata que:

Em nossa história, nasceram primeiro os sindicatos nas cidades e depois no campo. O mesmo aconteceu com as leis trabalhistas e também com a Previdência. Os trabalhadores do campo desenvolveram grandes lutas, principalmente entre os anos de 1945 até 1964, em nosso país. Ocorreram muitas greves nas cidades e muitas lutas no campo, exigindo Reforma Agrária.

Após essa eclosão dos movimentos sociais voltados para as questões das garantias trabalhistas e previdenciárias do trabalhador rural timidamente começam a surgir às primeiras legislações, com suas especificidades voltadas para os trabalhadores rurais. Vianna (2001, p. 161), aponta como resultados dessas lutas que:

Em 1971, o Programa de Assistência Rural (PRORURAL), ligado ao Funrural, onde esta instituiu aposentadorias e pensões para os trabalhadores rurais. Inicialmente, a Previdência Social Rural era administrada pelo Funrural, sendo criada para atender apenas os trabalhadores rurais.

De acordo com a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG), o PRORURAL diferenciava do sistema previdenciário urbano em pelo menos três requisitos: 1) seu financiamento era feito pelo meio de um imposto sobre a comercialização dos produtos rurais e, em parte, por tributos que incidiam sobre as empresas urbanas; 2) os trabalhadores rurais não contribuíam diretamente para o fundo previdenciário; 3) não havia uma estratificação ocupacional entre os trabalhadores rurais.

Na verdade no Brasil, a inserção dos trabalhadores rurais no sistema previdenciário foi demorada se comparada às outras categorias profissionais, sem contar que no tocante às mulheres rurais trabalhadoras aconteceu muito depois, especialmente pelo fato do benefício apenas ser restituído depois do reconhecimento enquanto trabalhadoras rurais. Esse reconhecimento continua sendo de difícil comprovação, visto que grande parte do trabalho feito por elas não é visto como trabalho e, sim “ajuda”, às tarefas executadas pelos homens e, frequentemente, tem restrição acerca das atividades domésticas, mesmo que essas estejam vinculadas à produção.

Contudo, uma das políticas públicas que mais se destacou nas últimas décadas foi à universalização da previdência rural. Houve uma surpresa em comparação a previdência internacional, pois segundo aduz Schwarzer (2000, p. 38), “a previdência rural brasileira praticamente universalizou a cobertura no setor nos anos 90. Criou-se o segurado especial, que incorpora à previdência social o amplo universo de agricultores familiares, autônomos e seus auxiliares familiares”.

Pode-se dizer que o programa mais abrangente foi certamente a instituição da aposentadoria rural por idade, que em média beneficia mais de 4 dos mais de 16 milhões de trabalhadores rurais. Assim, passados mais de oitenta anos depois da existência de mão-de-obra remunerada no setor rural. Essa conquista teve a sua consolidação com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL APÓS A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Previdência Social Rural, até então sem nenhum prestigio nas Constituições precedentes, teve um tratamento especial no cerne da CF/88. Sob esse prisma, em primeira mão o artigo 7.º da Carta Magna equiparou os mesmos direitos do trabalhador rural aos direitos do trabalhador urbano e, em seu inciso IV trouxe a seguinte redação:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

O artigo 201 da CF/88, também destacou em seu parágrafo 2º: “nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo[2]”, além de reduzir em cinco anos no limite de idade para a aposentadoria dos trabalhadores rurais de ambos os sexos[3], bem como para àqueles que desempenhem suas atividades em regime de economia familiar, em que se incluíam também o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal[4] (inciso II parágrafo 7º).

Berwanger (2007), ressalta que os trabalhadores rurais que recebiam aposentadorias e pensões com valor inferior a um salário mínimo tiveram que ingressar com ação em juízo para garantir a autoaplicabilidade do disposto no então parágrafo 2º do artigo 201 da CF/88, por força da redação dada pela Emenda Constitucional n.º 20/98. A autora supracitada descreve que uma dessas ações teve o seu destino final na Suprema Corte, cujo acórdão levou, posteriormente, o INSS a pagar administrativamente, os valores referentes à equiparação ao salário mínimo, para os trabalhadores rurais que percebiam, até então, meio salário. Confira o enunciado do trecho do Voto do Ministro Marco Aurélio, conferido pela autora:

[...] tenho que o ora agravante parte da premissa errônea, ou seja, da falta de aplicabilidade imediata das regras insertas nos §§ 5.º e 6.º do artigo 201 da Constituição Federal. Neles não se contém qualquer referência à regulamentação pelo legislador ordinário, valendo ter presente que objetivam, na verdade, ao menos o primeiro, evitar que o benefício previdenciário seja satisfeito em quantitativo inferior ao salário mínimo e, portanto, afastar quadros de absoluta injustiça. (BERWANGER, 2007, p. 78).

Sem dúvida, a partir de então, o trabalhador rural teve equiparação e igualdade com os empregados urbanos; reduziu-se a idade para aposentadoria; os respectivos cônjuges passaram a ter direito à aposentadoria e qualquer não poderia ser inferior ao salário mínimo.

É válido dizer que com a promulgação da CF/88, os trabalhadores rurais passaram a compor de maneira concreta a Previdência Social. Assim, a legislação previdenciária, a partir do Diploma Legal de 1988, confirmou quem incluía como segurados rurais; a forma de custeio da Previdência Social Rural e quais seriam os benefícios previdenciários desses trabalhadores.

Porém, necessitava-se ainda somente de legislação ordinária para contemplar efetivamente o que rezava os preceitos constitucionais mencionados, o que aconteceu com a edição das Leis nºs 8.212/91 e 8.213/91 e outras normas que regularam a matéria.

PECULIARIDADES DA SEGURIDADE RURAL

Qual seria a maneira correta de fazer a identificação do trabalhador rural? Respondendo a esse questionamento a Lei nº 8.213/91, estabeleceu a classificação desses trabalhadores em três classes, quais sejam: o empregado rural; o trabalhador contribuinte individual e o segurado especial. Sucintamente discorre sobre eles:

O empregado rural

Por empregado rural se entende conforme leciona Godoy (2010), pessoa física que, na propriedade rural ou imóvel campesino, presta serviços continuados ao empregador rural, mediante dependência e salário. De acordo com Maus e Triches (2014, p. 185-6):

O segurado da Previdência Social na categoria de empregado goza de presunção de recolhimentos. Nesse sentido, caso o empregador não efetue os recolhimentos devidos e não informe o vínculo aos órgãos estatais envolvidos, o segurado não terá nenhum prejuízo no âmbito previdenciário por falta de informação. Basta, para o INSS, que o segurado prove que o vínculo de emprego realmente existiu, pois quando o empregador não transmite a informação do vínculo aos órgãos competentes pela GFIP, o registro não constará no Extrato CNIS.

Esse tipo de empregado carece atender os mesmos pressupostos do empregado urbano, quais sejam, prestação continuada de serviços em que estão envolvidos a subordinação; pessoalidade com remuneração; com esses requisitos cumpridos terá a cobertura da previdência social.

O trabalhador contribuinte individual

Na esfera rural, o trabalhador que desempenha atividade eventualmente a uma ou mais pessoas sem nenhuma relação empregatícia se enquadra pela lei previdenciária n.º 8.213/91 como contribuinte individual (art. 11, V, g). De acordo o Decreto n° 3.048/99, considera-se empregado individual:

A pessoa física, proprietária ou não, que explora atividade agropecuária, a qualquer título, em caráter permanente ou temporário, em área, contínua ou descontínua, superior a quatro módulos fiscais[5]; ou, quando em área igual ou inferior a quatro módulos fiscais ou atividade pesqueira ou extrativista, com auxílio de empregados ou por intermédio de prepostos; ou ainda nas hipóteses dos §§ 8º e 23 deste artigo; (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008).

A título de v.g.; destacam-se também como contribuintes individuais os diaristas e os boias-frias.  Para fins de contribuição a Lei nº 8213/91, com redação da Lei nº 9.876/99, em seu artigo 21, dispõe que: “A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição”. Existem outras classes que se enquadram nesse regime, mas por não fazer parte desse estudo, focaliza-se apenas os empregados rurais.

O segurado especial

Configura-se uma espécie de contribuinte da Previdência Social, mas com certas peculiaridades diferentes dos demais em relação à sua forma de contribuição e os benefícios a ele inerentes, fazem parte dessa espécie àqueles trabalhadores constantes no art. 195, § 8º, já visto alhures, em que a sua contribuição incide quando há comercialização dos seus produtos devendo o mesmo recolher 2% da sua renda bruta originária da comercialização e 0,1% quando esta derivar de financiamento prestacional em decorrência de acidente de trabalho (Lei nº 9.528/97, art. 25, I, II). 

O art. 12, inciso VII da Lei nº 8.212/91 com alterações, dadas pela Lei nº 11.718/2008, considera segurado especial, a pessoa física que reside em imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, de forma individual ou em regime de economia familiar, mesmo que tenha auxílio eventual de terceiros[6] (grifo nosso) a título de mútua colaboração, além das pessoas mencionadas no artigo em tela, incluem-se pescador artesanal ou àqueles que façam dessa atividade o seu principal meio de vida, além dos cônjuges ou companheiros, filhos menores de 16 anos de idade ou equiparados que laborem conjuntamente com o grupo familiar.

É de extremada importância realçar que embora um dos integrantes da família não exerça atividades em regime de economia familiar, isso não descaracteriza os demais integrantes (Súmula nº 41 TNU; REsp 1.304.479/SP, DJe 19/12/2012). A Instrução Normativa do INSS nº 77 de 21.01.2015 em seu art. 40, além dos trabalhadores citados alhures, também considera como segurado especial:

[...] o proprietário, condômino, usufrutuário, possuidor, assentado, acampado, parceiro, meeiro, comodatário, arrendatário rural, quilombola[7], seringueiro ou extrativista vegetal, que reside em imóvel rural, ou em aglomerado urbano ou rural próximo, e desenvolve atividade agrícola, pastoril ou hortifrutigranjeira, individualmente ou em regime de economia familiar [...].

Nessas condições, conforme prescreve Castro e Lazzari (2015), o INSS reconheceu o índio como pertencente a esse regime, na medida em que esteja reconhecido pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI), não importando onde seja sua residência, desde que faça da sua atividade sua forma de sustento estará abarcado pelo regime. Logo, independente do trabalhador rural enquadrado em qualquer uma das categorias, tem o direito do benefício de aposentadoria por idade, bastando apenas a comprovação do exercício de atividade rural.

GASTOS E CUSTEIO DA PREVIDÊNCIA RURAL

Em que pese o custeio da Previdência Rural, essa questão tem se mostrado um dilema que preocupa os rumos da previdência social brasileira, pois conforme estabelece a Carta Magna de 1988, que a seguridade social conforme reza o artigo 195: “será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais”. Sendo que o parágrafo 8º do artigo em tela traz um preceito adequado de contribuição para os agricultores trabalhadores em face de economia familiar. O parágrafo mencionado dispõe:

§ 8º O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).

A Lei nº 8212/91 brotou para regulamentar acerca do tema, mas é cediço que os valores arrecadados em se tratando da previdência rural não são suficientes para cobrir os benefícios concedidos aos trabalhadores. Isso tanto é verdade que de acordo com informações apontadas por Berwanger (2011, p. 139), os números constituíram: “[...] em 2007 a arrecadação proveniente da área rural foi de R$ 4.347 milhão. [...] em 1998, R$ 9.870 milhões, em 2002 R$ 17.072 milhões. Em 2007 a previdência gastou com benefícios rurais cerca de 37 milhões de reais”.

De acordo com o Canal Rural existe um déficit enorme no que tange à concessão de benefícios, números atuais destacam:

No campo são assegurados benefícios como auxilio doença, auxílio acidente, pensão por morte e salário maternidade. O problema é que a conta não fecha. Em 2014, ela arrecadou R$ 6.7 bilhões e gastou R$ 88.6 bilhões em benefícios. De janeiro a julho desse ano, o rombo dos contribuintes no campo já superou R$ 48 bilhões. (LARA, 2015, p. 2).

Esses números demonstram a necessidade de subsídio pelo governo, proveniente de outras fontes e que evidenciam a real solidariedade do sistema previdenciário, tendo em vista a redistribuição de renda que este modelo representa para toda nação. Porém, algo é preciso ser feito, pois se não houver outras fontes de contribuição não demorará muito tempo para se ter uma previdência social totalmente falida e sem condições de manter os benefícios à população brasileira.

Sobre o autor
José Carlos Sabadini Junior

Advogado, Bacharel em Direito - Faculdades Associadas de Ariquemes/RO (FAAR), Bacharel em Turismo (Centro Universitário de Jales/SP), Mestrando em Direção e Gestão dos Sistemas de Seguridade Social, pela Organização Iberoamericana de Seguridade Social (OISS) e Universidade de Alcalá - Madrid (Espanha). Pós-Graduado em Gestão Ambiental - Faculdades Integradas de Ariquemes/RO (FIAR) e Especialista em Direito Constitucional e Direito e Processo Previdenciário (Faculdade Damásio Ariquemes/RO). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP). Participações no XXVII Simpósio Brasileiro de Direito Previdenciário (2017) - Teresina/PI, IX Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário/Belo Horizonte/BH, X Congresso Brasileiro de Direito Previdenciário e IV Congresso de Direito Previdenciário do Mercosul/Florianópolis/SC. Participação do III Congresso Jurídico Online - Direito do Trabalho e Previdenciário - CERS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SABADINI JR., José Carlos Sabadini Junior. A ilegalidade da alta programada do auxílio doença para o segurado especial "trabalhador rural", no âmbito administrativo do INSS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4994, 4 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55112. Acesso em: 23 dez. 2024.

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