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Inclusão educacional/social dos indivíduos com transtorno do espectro autista

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Agenda 26/01/2017 às 09:42

5 ESTUDO DE CASO

5.1 EM CASA

O caso escolhido para este estudo foi do menor A.S.S.J com nove anos de idade completos em 2016. O menor é o filho mais velho da autora deste trabalho.

O menor nasceu em 21/08/2007 de parto cesáreo. O parto aconteceu de forma tranquila, embora a mãe tenha sido sedada logo após a retirada do bebê por estar extremamente nervosa e agitada. Ele nasceu com 4.190 kg e medindo 51 cm. Chorou logo ao nascer e também foi amamentado.

Aos 11 meses, ele recusou ser amamentado em uma das refeições. No próximo horário de mamada, aconteceu o mesmo, e assim, deixou de ser amamentado definitivamente.

Andou com 13 meses, alimentava-se normalmente, relacionava-se bem com o pai, avós e parentes em geral.

Embora a mãe achasse que alguma coisa estava errada, pois ele ainda não falava, ainda não tinha chamado “mãe”, que estava tudo bem, pois como ele era sozinho e vivia com dois adultos, como ele não tinha referência de outras crianças, esse era o motivo de ele ainda não estar falando. E, como todos diziam a ela, seria preguiça e que no tempo dele ele iria começar a falar..., pra ela tudo estava normal.

Aos três anos ele ainda não falava, ainda não chamava “mamãe” ou “papai”. Simplesmente repetia o que ouvia. Por exemplo; quando os pais perguntavam “você quer água?”, ele não respondia, após alguns minutos ele se aproximava e dizia “você quer água?” e daí os pais entendiam que ele estava com sede e queria beber água. E assim se dava com suas demais necessidades: “você quer suco?”, “você quer ver TV?” “o que você quer tá lá em baixo.” – pra se referir a algum brinquedo debaixo do móvel.

Aos três anos e meio, a avó paterna da criança, pedagoga aposentada, desconfiou do fato do menor não responder quando era chamado. Começou a dizer que ele podia ser surdo. Mesmo não concordando, a mãe levou-o ao otorrino. A.S.S.J não respondia quando era chamado, mas quando ouvia algum comercial de TV que ele gostava, saia correndo pra frente da televisão. Nessa idade ele tinha fixação por alguns desenhos animados, chegando ao ponto de assistir o mesmo filme durante um dia inteiro, sem intervalos. E quando era interrompido, chorava constantemente, até a mãe colocar o filme novamente.

Nessa fase, as únicas frases que ele pronunciava eram as falas dos personagens do filme. Nesse período, durante várias noites ela se deparava com o menor acordado de madrugada pedindo para assistir ao filme. Ele dizia “o leão, o leão” para se referir ao filme “O Rei Leão”.

Ao levá-lo ao otorrino e após alguns exames, chegou-se à conclusão de que ele realmente não possuía nenhuma deficiência auditiva. E aí veio a grande questão: “Por que ele ainda não fala?” O otorrino encaminhou então a mãe e a criança ao profissional fonoaudiólogo.

A profissional, logo nas primeiras sessões foi capaz de pré-diagnosticar que A.S.S.J tinha Síndrome de Asperger.

Daí em diante deu-se início a uma nova etapa na vida dessa família. Foi um período muito difícil. Os pais passaram por uma fase conhecida como luto. Esse luto é devido ao fato de que, psicologicamente falando, morre nos pais e familiares a esperança de que a criança possa vir a ter um futuro promissor. A aceitação não vem de imediato. Há muita dor e sofrimento. De repente a criança para a qual você imaginou o melhor dos futuros, passa a não ter futuro algum. E o pior de todos os sentimentos: a culpa. Os pais culpam-se permanentemente pelo fato de não terem percebido antes. E aquela pergunta que não para: “Por quê?”. “Por que eu?”. “Por que nós?”. “Por que nosso filho?”

Mas não havia muita opção, pois embora estivesse em um sofrimento profundo, a mãe tinha que procurar ajuda, respostas, profissionais para tratarem de seu filho. O que não foi uma tarefa fácil.

A família mora em Barra do Garças – MT e embora seja uma cidade de tamanho mediano não possuía, à época do diagnóstico, profissionais especializados. Então procurou com orientação da fonoaudióloga, profissionais na cidade de Goiânia-GO, capital mais próxima. Foi cansativo e dispendioso.

A cidade de Barra do Garças, mesmo tendo recebido alguns profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais, ainda não conta com neuropediatras ou neuropsicólogos.

Após o diagnóstico, que ocorreu apenas em dezembro de 2014, quando o menor já tinha sete anos completos, houve um sentimento de alegria e alívio. Embora pareça paradoxal, a mãe relata que se sentiu feliz sim quando A.S.S.J foi finalmente diagnosticado com Síndrome de Asperger. Embora ele já fosse tratado como autista desde o pré-diagnóstico, sendo acompanhado por fonoaudiólogo e psicólogo, havia uma certa angústia, pois não se podia afirmar qual era o real problema do menor. O diagnóstico, embora tardio, melhorou muito a qualidade de vida da criança e da família de modo geral.

5.2 NA ESCOLA           

O primeiro contato coma comunidade escolar foi aos dois anos e dez meses de idade. A família residia na cidade de Lucas do Rio Verde – MT. Segundo a mãe, o primeiro dia de aula foi como o esperado, a criança não quis ficar na escola, chorou quando ela saiu e também não se envolveu muito como demais coleguinhas. É preciso esclarecer que pra ela foi “como o esperado”, pois A.S.S.J não tinha o hábito de conviver com outras crianças rotineiramente, então quando a professora relatou que ele não se envolveu com as demais alunos e preferiu ficar na frente da TV, para a mãe tudo estava dentro da normalidade.

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Ocorre que mesmo com o passar dos dias, esse comportamento não se alterou. Após uma semana, a mãe foi chamada até a escola, pois A.S.S.J estava muito nervoso e agitado. A coordenadora então relatou que ele havia mordido uma criança quando o puxou para brincar e empurrou a porta no rosto de outra, pelo mesmo motivo.

Também foi relatado o comportamento triste e isolado do menor. Não se envolvia de maneira nenhuma com as outras crianças. Quando a turma ia brincar no parquinho, A.S.S.J ficava olhando de longe e assim que as crianças desocupavam o local, ele se levantava e ia brincar sozinho. O mesmo acontecia nas demais atividades em grupo. Ao ser questionada pela coordenadora sobre esse comportamento, a mãe apenas disse que ele não tinha o hábito de conviver com outras crianças, pois em casa ele convivia apenas com o pai e a mãe e talvez esse fosse o motivo de seu comportamento arredio.

Por outro lado, a coordenadora não discordou da mãe e nem emitiu nenhum tipo de opinião diferente, talvez por receio da reação da mãe, ou por falta de conhecimento sobre a real situação do menor. Segundo a mãe, a coordenadora não percebeu, ou preferiu não perceber, o que acontecia com ele.

Cabe aqui dizer que a escola é o primeiro ambiente social da criança depois da família. Mesmo não podendo imputar-lhe o ônus de diagnosticar a síndrome, é na escola que teoricamente deveria haver profissionais habilitados e preparados pra lidar com esse tipo de situação.

Ele não concluiu o ano letivo nessa escola, pois a família enfrentou um grave problema de saúde. A.S.S.J foi retirado da escola e a família retornou para Barra do Garças – MT.

Em Barra do Garças, A.S.S.J passou por uma creche municipal e uma escola particular antes de permanecer na escola onde está. Segundo a mãe, a dificuldade sempre foi a mesma, a professora, tinha dificuldades de trabalhar com ele em sala de aula, com algumas raras exceções, a escola preferia deixá-lo “de lado”, do que tentar se aproximar.

Duas professoras que perceberam a dificuldade do aluno e tentaram trabalhar com ele de maneira diferenciada, não obtiveram o apoio da direção da escola, e então o trabalho restou infrutífero. A mãe não teve alternativa senão buscar uma segunda escola, a escola atual do menor.

Quando essa mudança ocorreu, a criança já vinha sendo acompanhada pelo profissional fonoaudiólogo e a família já sabia da peculiaridade de A.S.S.J. A conversa com a nova escola foi mais franca. A escola, a princípio pareceu meio receosa com a novidade, contudo não se opôs em recebê-lo. Afinal, no Brasil, esse tipo de atitude por parte de qualquer estabelecimento de ensino é crime previsto no Estatuto da Pessoa com Deficiência. Dispõe o inciso I do artigo 8º da Lei 13.146 de 06 de julho de 2015.

Art. 8º - Constitui crime punível com reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa: 

I - recusar, cobrar valores adicionais, suspender, procrastinar, cancelar ou fazer cessar inscrição de aluno em estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado, em razão de sua deficiência.(BRASIL, 2015).

     Essa nova etapa na vida do menor e da família foi muito cheia de desafios. Em conjunto, família e escola vêm desenvolvendo um bom trabalho. Há dias bons e dias ruins para ambos. Hoje a criança está matriculada no terceiro ano do ensino fundamental e consegue acompanhar, dentro de suas limitações o rendimento normal da turma. As atividades são apresentadas de maneira diferenciada, as avaliações são adaptadas e há uma imensa dedicação de todos. A.S.S.J sabe ler e escrever desde o segundo ano do ensino fundamental e vem progredindo.

Há um questionamento sobre como seria seu aprendizado nos dias atuais se, tanto a família como a primeira escola, tivessem notado sua dificuldade. Como e por que profissionais que deveriam estar preparados para reconhecer esse tipo de deficiência não o fizeram?

Para a psicopedagoga clínica Simaia Sampaio:

“(...) Na verdade o professor em sala de aula é bastante capaz de perceber estas diferenças de desenvolvimento, pois trabalha com crianças de mesma idade e pode constatar diariamente a produção individual de cada um. No entanto, o professor é limitado, ele não tem acesso às informações familiares para que possa entender o contexto, e não é sua função realizar esta investigação mais aprofundada, já que a ele cabe a mediação do conhecimento mais sistemático. (...).O autismo é uma síndrome difícil de ser diagnosticada quando não é a forma mais grave da doença. Ela afeta as crianças em diferentes níveis, do mais brando ao mais severo, mas é possível perceber alguns traços do espectro do autismo neste ambiente lúdico da psicopedagogia.(...). (SAMPAIO, [20-?]).

A.S.S.J é aspie[6]. Ele tem Sindrome de Asperger que é uma forma mais branda de autismo, mas que também apresenta comprometimento na fala, interação social e estereotipia de comportamento. Por esse motivo, é mais difícil de identificar e diagnosticar. Geralmente, um diagnóstico mais preciso só ocorre por volta dos seis anos de idade.


6 LEGISLAÇÃO

A Lei nº 13.146/15: Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) em seu Artigo 1º dispõe:

É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando a sua inclusão social e cidadania. (BRASIL,2015).

Antes mesmo da existência dessa norma, a garantia de igualdade entre os indivíduos, brasileiros natos ou não, já estava prevista na Constituição Federal (CF). A CF estabelece que “todos são iguais perante a lei”, sem distinção de qualquer natureza. Assim, é norma constitucional a inclusão desses indivíduos.As normas existem, contudo não se sabe o alcance de sua eficácia, ou se elas são realmente eficazes.

Não é uma questão apenas de ter leis que garantam isso ou aquilo, mas promover meios de que essas mesmas leis sejam aplicadas devidamente a quem de direito depende delas para que seus direitos sejam realmente respeitados.

No Brasil ainda existe um preconceito muito forte em relação aos indivíduos com alguma deficiência. Na verdade, existe mesmo é uma resistência muito grande em entender que as pessoas que necessitam de tratamento preferencial têm esse direito, pois são menos favorecidas. Não se trata aqui dos sentimentos de dó, pena ou piedade. Mas como o próprio princípio constitucional diz: “tratar os iguais como iguais e o desiguais nos limites de sua desigualdade.”

As leis existem, contudo elas não têm o alcance que os indivíduos com deficiência e suas famílias gostariam. Está tudo muito no papel. A população, em sua grande maioria, nem imagina do que se trata. As normas são colocadas de cima pra baixo e por isso não tem a eficácia esperada. Como respeitar e aceitar algo que não se conhece? Esse é o grande desafio.

Quando se alguém com algum tipo de deficiência física ou mental é fácil perceber que aquela pessoa necessita de ajuda e tratamento diferenciado.

Para os indivíduos com TEA houve um grande avanço. Em 2012 foi sancionada a Lei 12.764 (Lei Berenice Piana). Berenice Piana é mãe de um garoto autista e que lutou bravamente, enfrentando diversas barreiras para que a lei fosse aprovada, com o objetivo de conseguir melhor qualidade de vida não apenas para seu filho, mas também pra os filhos de outras famílias que enfrentavam o mesmo tipo de batalha e mesmo tipo de sofrimento diariamente.

A nova lei, que dispõe sobre a política nacional de proteção dos direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, foi sancionada em dia 27 de dezembro de 2012 e já se encontra em vigor desde a data de sua publicação.

Sem sombras de dúvida, a lei traz muitos benefícios e o principal deles, é o de reconhecer os indivíduos com TEA como pessoa com deficiência. De acordo com Art. 1°, §2°: “A pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais.”

A lei Berenice Piana nivelou os indivíduos que possuem o espectro com os demais indivíduos que possuem algum tipo de deficiência com objetivo de facilitar o acesso deles às garantias constitucionais e legais do ordenamento jurídico brasileiro.

Na cidade de Barra do Garças-MT, foi sancionada a Lei 3.682 de 23 de outubro de 2015 que reconhece o direito dos indivíduos autistas em serem atendidos preferencialmente em filas de atendimento em geral. A lei é redundante, pois é sabido que a Lei Brasileira de Inclusão já dispõe sobre isso. No entanto, é motivo de felicidade para os familiares, uma vez que demonstra que há uma motivação, pelo menos aparente, do poder público, em contribuir e melhorar a vida dos indivíduos com TEA. São ações como essa que aos poucos vão modificando a situação dessas pessoas e de seus familiares.

A lei é fruto do trabalho de um grupo de pais de crianças autistas denominado “Mundo Azul”. Funciona como um grupo de apoio às famílias dos indivíduos com TEA, Síndrome de Down e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Sobre a autora
Edith Marta Ferreira dos Santos

Acadêmica do 10º semestre do Curso de Direito da Faculdade Cathedral (FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS APLICADAS DO ARAGUAIA). Amante do direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Edith Marta Ferreira. Inclusão educacional/social dos indivíduos com transtorno do espectro autista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4957, 26 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55399. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Este artigo foi elaborado como Trabalho de Conclusão de Curso do Curso de Direito da FACULDADE DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS APLICADAS DO ARAGUAIA - FACISA (Faculdade Cathedral) de Barra do Garças - MT

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