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A aproximação da verdade através da cognição da cena de crime.

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Agenda 10/09/2017 às 13:55

   3. Custódia policial do local de crime:

A preservação e isolamento correto e completo do local é fulcral para a investigação, pois é através do guarnecimento que se propiciam as condições necessárias para o levantamento eficaz e apto à obtenção de elementos probatórios.

Sob este prisma procedimental é possível classificar os locais de crime como (STUMVOLL, 2014, p. 58):

  1. Preservados, idôneos ou não violados – mantidos na integralidade e originalidade como foram deixados pelo agente, após a prática criminosa, até a chegada dos peritos criminais;
  2. Não preservados, inidôneos ou violados – foram devassados após a pratica da infração e antes do comparecimento pericial.

Ante o disposto no Código de Processo Penal, a Autoridade Policial, tão logo tome conhecimento da ocorrência de suposta infração penal, deverá dirigir-se ao local, providenciando para que não sejam alterados o estado e conservação das coisas até a chegada da equipe pericial. Além disso, deverão ser apreendidos todos os objetos que tiverem relação com o fato, após estes serem liberados pelos peritos (vide arts. 6º, I, II e 169 do CPP).

É importante salientar que a negativa de atuação por parte do corpo técnico-pericial ante a alterações de vestígios não poderá ser invocada, pois se houve a alteração de alguns elementos, outros tantos encontram-se presentes no sítio, cuja análise poderá ser, ainda, cabal para a compreensão da dinâmica dos fatos.

O isolamento é o ato de impossibilitar o acesso de pessoa não autorizada à área considerada cena do crime, para que seja garantida a preservação dos vestígios deixados pela ação delituosa. Deste modo, a preservação é uma consequência do isolamento.

No tocante à cadeia de custódia de vestígios, e os procedimentos nela envolvidos, a Secretaria Nacional de Segurança Pública editou a Portaria n.º 82 em 16 de julho de 2014, por meio da qual estabeleceu diretrizes de atuação, tendo em vista sua fundamental função para a garantia da idoneidade e a rastreabilidade dos vestígios, com vistas a preservar a confiabilidade e a transparência da produção da prova pericial até a conclusão do processo judicial.

De acordo com a Portaria em questão, a cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. O seu início se dá com a preservação do local de crime e/ou com procedimentos policiais ou periciais nos quais seja detectada a existência de vestígio e compreende o rastreamento do vestígio nas  etapas externas e internas.

Em relação à fase externa, esta compreende todos os passos entre a preservação do local de crime ou apreensões dos elementos de prova e a chegada do vestígio ao órgão pericial encarregado de processá-lo, compreendendo a preservação do local de crime, bem como a busca, reconhecimento, fixação, coleta, acondicionamento, transporte e recebimento do vestígio.

No que tange a fase interna, depreende todas as etapas entre a entrada do vestígio no órgão pericial até sua devolução juntamente com o laudo pericial, ao órgão requisitante da perícia, ou seja, a  recepção, conferência, classificação, guarda e/ou distribuição do vestígio,  análise pericial propriamente dita, guarda e devolução do vestígio de prova, guarda de vestígios para contraperícia e, por fim, o registro da cadeia de custódia.


4. A atividade policial de preservação de local do crime no Estado de São Paulo: Resolução SSP n.º 382/99

No âmbito do Estado de São Paulo, a Secretaria Estadual de Segurança Pública editou a Resolução n.º 382 em 01 de setembro de 1999, pela qual foram estabelecidas diretrizes a serem seguidas no atendimento de locais de crime, alterando e aprimorando procedimentos anteriores previstos na Resolução n.º 177 de 8 de setembro de 1992 da mesma Secretaria.

O aprimoramento destes procedimentos leva à rápida e efetiva atuação das Polícias Civil, Militar e do Setor de Perícias no atendimento a locais de crimes, propicia o sucesso da investigação criminal e o bom resultado dos exames periciais. Para isso, o conhecimento de conceitos sobre local de crime facilita o entendimento das normas relativas a sua preservação.

Assim, na Seção VI da Resolução foram estabelecidos alguns noções, cujas compreensões são basilares para o fiel cumprimento da tarefa da salvaguarda da área objeto da investigação (arts. 18 “usque” 23):

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  1. Local de Crime - todo o sítio onde tenha ocorrido um evento que necessite de providência da polícia, devendo ser preservado pelo policial que comparecer até sua liberação pela autoridade;
  2. Local de Crime Interno - todo sítio que abrange ambiente fechado;
  3. Local de Crime Externo - todo sítio não coberto;
  4. Locais de Crime Relacionados  - são dois ou mais sítios interligados entre si e que se relacionam com um mesmo crime;
  5. Área imediata ao local de crime  - é aquela onde ocorreu o evento.
  6. Área mediata ao local de crime - é aquela que cobre as adjacências ou cercanias de onde ocorreu o evento.

O Policial que proceder o primeiro atendimento ao local deverá isolar e preservar adequadamente a área imediata e, se possível, a mediada, evitando modificações e o acesso de qualquer pessoa, mesmo familiares da vítima ou, até mesmo, outros policiais que não façam parte da equipe especializada. Enquanto perdurar a necessidade de preservação, o local não poderá ser abandonado em qualquer hipótese, devendo estar guarnecido, no mínimo, por um Policial. Após a efetivação das medidas atinentes à preservação, providenciar-se-á o registro da ocorrência em solo Policial Civil.

O art. 5º da Resolução SSP n.º 382/99 estabelece algumas normas a serem adotadas pelo Policial que efetuar o primeiro atendimento à cena do crime, sob pena de responsabilidade:

  1. se o local for de difícil acesso, acionar o Corpo de Bombeiros;
  2. preservar o local, não lhe alterando a forma em nenhuma hipótese, incluindo-se nisso:
  3. não mexer em absolutamente nada que componha a cena do crime, em especial não retirando, colocando, ou modificando a posição do que quer que seja;
  4. não revirar os bolsos das vestes do cadáver, quando houver;
  5. não recolher pertences;
  6. não mexer nos instrumentos do crime, principalmente armas;
  7. não tocar no cadáver, principalmente não movê-lo de sua posição original;
  8. não tocar nos objetos que estão sob guarda;
  9. não realizar a identificação do cadáver, a qual ficará a cargo da perícia;
  10. não fumar, nem comer ou beber nada na cena do crime;
  11. em locais internos, não usar o telefone, sanitário ou lavatório eventualmente existentes;
  12. em locais internos, manter portas, janelas, mobiliário, eletrodomésticos, utensílios, tais como foram encontrados, não os abrindo ou fechando, não os ligando ou desligando, salvo o estritamente necessário para conter risco eventualmente existente;
  13. tomar o cuidado de afastar animais soltos, principalmente em locais externos e, em especial, onde houver cadáver.

Na esteira das determinações do Código de Processo Penal, a Resolução Secretarial institui o imediato deslocamento da Autoridade Policial ao sítio dos fatos tão logo seja recebida a comunicação da ocorrência no Distrito Policial, devendo, além de proceder fielmente às normas prescritas no art. 5º supra, verificar qual a natureza da ocorrência (homicídio, suicídio, morte natural, morte acidental, acidente de trânsito ou outra). Tratando-se de crime, deve o Delegado de Polícia analisar se é de autoria conhecida ou desconhecida, procedendo, em seguida, as comunicações formais pertinentes.

Por fim, em suas disposições finais, a Resolução, acertadamente, estabelece que a Polícia como um todo e seus integrantes, individualmente, cada um dentro de sua parcela são responsáveis pelo rápido e correto atendimento de local de crime. Sendo que o rápido e correto atendimento do local de crime tem por objetivos contribuir para o sucesso da investigação criminal, minimizando a angústia das partes envolvidas.


5. Recognição visuográfica de local de crime

Ao longo da história da investigação policial inúmeras técnicas investigativas somaram-se para propiciar a mais eficiente apuração de resultados, valendo-se para tanto dos ensinamentos trazidos pela Criminalística, da Criminologia e da Medicina Legal, aliados aos ditames da dogmática penal.

A pesquisa de campo sempre foi uma técnica metodológica relevante nas pesquisas científicas, através da observação de fatos e fenômenos exatamente como ocorrem concretamente, procedendo à coleta, análise e interpretação de dados, com base numa fundamentação teórica consistente, objetivando compreender e explicar o problema pesquisado.

O estudo de caso se insere nesta esfera como uma modalidade de pesquisa amplamente utilizada nas ciências sociais (GIL, 2007, p. 54), caracteriza-se como sendo um estudo de uma entidade bem definida. Possui como fulcro de atuação atingir o profundo conhecimento de uma determinada situação, buscando deslindar sua essência e características. Contudo, “o pesquisador não pretende intervir sobre o objeto a ser estudado, mas revelá-lo tal como ele o percebe” (FONSECA, 2002, p. 33).

Nesta senda, surgiu na Polícia Civil do Estado de São Paulo, pelas mãos do ex-Delegado Geral e Diretor da Academia de Polícia Dr. Marco Antônio Desgualdo, a idéia de que a vivência da Autoridade Policial, enquanto pesquisador da criminalidade, pudesse ser exprimida graficamente em peça documental única, traduzindo o acompanhamento de circunstâncias e fatos, método que ficou conhecido doutrinariamente como “Recognição Visuográfica de Local de Crime”.

Em seu trabalho “Recognição Visuográfica de Local de Crime”, publicado pela Revista Brasileira de Ciências Criminais do IBCCRIM n.º 13º, publicado janeiro de 1996, Desgualdo preleciona que a peça não encontra as limitações inerentes a um laudo pericial, pois o pesquisador “carreia para ele muito de sua experiência e militância profissional e que pode ser complementada, na coincidência de detalhes, pela confissão do criminoso” (1996, p. 246).

O exame do bojo da peça permite a verificação de elementos importantes e necessários à correta compreensão da dinâmica criminosa, tais como: local, hora, dia do fato e da semana, condições climáticas e meteorológicas no momento do crime, subsídios coletados em campo pelo pesquisador, observação do cadáver, identidade, possíveis hábitos, características comportamentais, croqui descritivo e fotografação.

Recomenda-se que o investigador de campo busque descrever, de forma concisa, objetiva e resumida, fatores objetivos de relevância para a indicação da autoria e demais circunstâncias que orbitam o crime.

Buscando amparo nas lições de Desgualdo, Carlos Alberto Marchi de Queroz (2004, p. 289) estabelece que:

A recognição visuográfica do local do crime, no magistério do citado autor, apresenta várias facetas ou fatores objetivos. A primeira delas, em casos de homicídio, é o corpo estirado no local do crime, e seus dados periféricos, que devem ser reproduzidos, com prioridade, na recognição.  Outro fatos objetivo, segundo o estudioso, são as condições meteorológicas, de tempo, de pressão atmosférica, bem como levantamento sobre o dia da semana, hora, local, e se possível, a fase lunar, tudo acompanhado de croqui e fotografação. Constituem, outrossim, fatores objetivos de relevante importância na elaboração da recognição visuográfica o calibre da arma utilizada pelo criminoso; o número de tiros desfechados, a região atingida detalhes que irão revelar o maior ou menor grau de intensidade emocional que conduziu o sujeito ativo à prática da infração penal. Nesse momento, o pesquisador ou investigador de campo, recomenda Desgualdo, irá buscar e, igualmente, descrever, de forma concisa e resumida, junto a familiares, amigos, e até mesmo desafetos do pesquisado, seus hábitos, vícios, virtudes e tudo mais que possa servir para que seja delineado seu perfil psicológico, enquanto vítima, de tal sorte que a investigação possa concluir sobre as probabilidades do fato ter acontecido desta ou daquela forma.

Para a correta interpretação é indispensável que a cognição destes elementos seja feita através da utilização de métodos de raciocínio indutivos, dedutivos, abdutivos e analógicos, capazes de conduzir os investigadores à completa elucidação do fato.

Esclarece Desgualdo (apud QUEIROZ, 2004, p. 289) que “em princípio, a recognição visuográfica busca apoio junto à Estatística e à lei das probalidades, delineando, ademais, o perfil psicológico do criminoso dentro do contexto do princípio da verdade real”. Tendo em vista que, que a compreensão do fato criminoso parte do ponto de convergência entre a conduta e os antecedentes próximos e remotos, inclusive suas causas motivadoras.

Isto posto, o procedimento insere-se no âmbito das investigações conduzidas pela Polícia Judiciária, acrescentando detalhes e certezas acerca do criminoso, perfil psicológico, seu comportamento e motivação. Portanto, corresponde à tentativa de “reconstrução do todo por um fragnmento ou parte conhecida” (QUEIROZ, 2004, p. 293).

Além disso, trata-se de instrumento que tente à evolução através do avanços tecnológicos, conforme o próprio pioneiro dispõe:

O certo é que se está enveredando por um caminho de amplas perspectivas no qual ciências humanas, como o Direito e a Psicologia se confundem com as exatas, estatísticas e probabilidades, para o resultado final que é contribuir para a apuração do fato e o esclarecimento de autoria (DESGUALDO, 1996, p. 246)

A essência da recognição é o próprio cerne do persecução penal, um “instrumento de retrospecção, de reconstrução aproximativa de um determinado fato histórico” (LOPES, 2014, p. 549). Segundo o escólio de Franco Cordeiro (2000, p. 44) é admissível em processo penal tudo aquilo que não for vedado, ou seja, todo signo útil ao juízo histórico, desde que não incorra em violação às garantias do cidadão, são as chamadas provas inominadas e a recognição visuográfica insere-se nesta categoria.

Sobre o autor
Sandro Vergal

Delegado de Polícia Civil do Estado de São Paulo, Professor Universitário e de Cursos Preparatórios, Mestre em Direitos Sociais, Difusos e Coletivos, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, pós-graduando em Balística.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VERGAL, Sandro. A aproximação da verdade através da cognição da cena de crime.: Aspectos investigativos ligados à preservação e verificação do local de crime. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5184, 10 set. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57684. Acesso em: 23 dez. 2024.

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