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A evolução normativa internacional dos refugiados e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro

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Agenda 09/06/2017 às 15:00

Expõe-se como o processo migratório influenciou a regulamentação de normas garantidoras dos direitos humanos no cenário internacional, em prol da figura do refugiado, e as inovações trazidas pelo ordenamento jurídico pátrio.

1 INTRODUÇÃO

O ato de migrar constitui um fenômeno social permanente na História do ser humano com o meio físico e social, isto é, com a natureza e com os outros seres humanos. O homem é um ser que está em constante processo de migração, seja por causas de ordem natural, que motivaram principalmente o ser primitivo, seja pelas causas de ordem econômica e social, hoje preponderantes.

As grandes migrações ocorridas em outras épocas, e as contemporâneas, têm motivos semelhantes para ocorrer: invasões, conflitos, mudanças sazonais, fome, etc. Outro motivo que ocasiona as migrações é a perseguição, que pode ser de ordem étnica, religiosa, cultural, política. É nesse contexto que se inserem os refugiados, que se distinguem dos demais migrantes por serem forçados a deixar seus países. Ademais, outro fator que distingue os refugiados dos demais migrantes é a regulamentação internacional específica, fruto de diversos documentos normativos. 

Farena (2012, p.112), em sua obra, trata do tema, ao aduzir que

No plano internacional existe efetivamente um sistema de proteção ao refugiado, que não encontra similar no caso dos outros migrantes. Eles são reconhecidos como especialmente vulneráveis, merecedores de uma proteção específica reconhecida pelo direito internacional e de responsabilidade da comunidade internacional, através de organismos especializados e normas internacionais e nacionais pertinentes. Pressupostos jurídicos precisos, tanto no plano internacional quanto no ordenamento jurídico interno dos Estados, geram a exigibilidade de acolhida aos refugiados, direito resguardado desde a antiguidade.

O que difere as migrações ocorridas no passado e as hodiernas é a facilidade de deslocamento propiciada pela abertura dos mercados e pela tecnologia, as maiores facilidades para viajar, a difusão de informações e a divulgação em escala planetária sobre opções em outros países, laços étnicos e familiares, em suma: a Globalização, determinada pela interdependência cada vez maior entre os países. Outro fator que difere o deslocamento moderno do deslocamento antigo é a criação de uma estrutura jurídico-política para cuidar da questão no sistema internacional.

Independentemente dos motivos, as migrações ocorridas e as multidões de refugiados gerados têm causado impactos na sociedade. Daí surgiu a necessidade de regulamentação dos direitos humanos, uma vez que os cidadãos, ao entrarem em determinado território, não tinham seus direitos protegidos pelos Estados soberanos, havendo a necessidade de disciplinar todos os aspectos decorrentes desse processo, ou no âmbito jurídico, ou no político ou econômico. A necessidade de proteção internacional surgiu da violação de direitos humanos, em razão dos mais diversos fatores.

O que se objetiva demonstrar aqui é a evolução e o desenvolvimento do instituto do refúgio, perpassando pela noção de direitos humanos e sua influência na criação de normas regulamentadoras, demonstrando-se o contexto em que se inserem as medidas tomadas em âmbito internacional e os reflexos desta política no ordenamento brasileiro, fazendo uma análise cronológica das medidas adotadas pelo Governo brasileiro, desde o final do século XIX até os dias de hoje.


2 DIREITOS HUMANOS

2.1 Definição e características

O filósofo alemão Immanuel Kant criou uma definição que serviu de base para os princípios humanitários, ao estabelecer que o homem, e de uma maneira geral todo ser racional, existe como um fim em si mesmo, e que a essência de todos os seres humanos é igual, independentemente de sua origem cultural ou nacional. Em suas próprias palavras:

O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ter considerado simultaneamente como fim. (KANT apud RIBEIRO, 2012, p.1)

Nas palavras de Comparato (apud RIBEIRO, 2012, p.1), isso significa que

Tratar a humanidade como um fim em si implica do dever de favorecer, tanto quanto possível, o fim de outrem. Pois, sendo o sujeito um fim em si mesmo, é preciso que os fins de outrem sejam por mim considerados também como meus.

A igualdade essencial entre os homens, difundida no pensamento de Kant, forma o núcleo do conceito universal de direitos humanos.

Sendo assim, os direitos humanos se caracterizam por serem fundados sobre o respeito pela dignidade e o valor de cada pessoa, sendo universais, devendo ser aplicados de forma igual e sem discriminação a todas as pessoas, inalienáveis, pois ninguém pode transferir ou ceder seu direito a outrem, inexauríveis, caracterizado pela possibilidade de expansão, de constante mudança.

Apesar de serem até certo ponto, lógicas, tais características só passaram a ser respeitadas, em sua integralidade, após o surgimento de uma regulamentação específica a respeito do tema.

2.2 Internacionalização dos Direitos Humanos

No século XX, sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial, os direitos humanos alcançaram projeção e proteção internacional com a criação da Organização das Nações Unidas – ONU. Entretanto, como se sabe, a ideia de direitos humanos é bem mais antiga, sendo retratada em leis e costumes perdidos no tempo.

O surgimento da regulamentação específica sobre os direitos humanos é incerto mas um dos primeiros e mais remotos antecedentes históricos é o Código de Hammurábi (1700 a.C., aproximadamente), que mencionava leis de proteção aos mais fracos e de contenção da autoridade. Nota-se também, com séculos de distância entre as normas, a presença dos direitos humanos, quando, no ano de 539, a C., Ciro o grande, o primeiro rei da antiga Pérsia, conquistou a cidade de Babilônia e resolveu libertar os escravos, declarando que todas as pessoas tinham o direito de escolher sua própria religião e estabeleceu a igualdade racial.

Também na Grécia, no século V a.C., aos cidadãos era dado o direito de controlar as ações do Estado (Polis), uma vez que o limite do poder é dado pelo direito que exercem os cidadãos ao participar dos assuntos públicos (democracia). Nesse contexto, os gregos firmaram o conceito da liberdade, como expressão máxima da dignidade humana, baseada na ideia da igualdade. Em outra época e contexto, os pensadores iluministas e a burguesia revolucionam as ideias sacras da Idade Média, afirmando-se a dignidade humana e a fé na razão, consagrando a noção de que o homem é detentor de direitos sagrados e inalienáveis.

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Outros vários documentos surgiram em seguida, tendo destaque a Inglaterra que tratou do assunto de maneira vanguardista, criando a Magna Carta (1215), que limitava o poder do soberano; a Petition of Rights de 1628, que fora imposta pelo Parlamento ao monarca; e O Habeas Corpus Act de 1679, que consagrou o amparo à liberdade de locomoção, a qual determinava que a pessoa acusada fosse apresentada para um juiz. Ainda, na Inglaterra, fora outro documento constitucional, o Bill of Rights de 1689, que fortaleceu e definiu as atribuições legislativas do Parlamento em face da Coroa e proclamou a liberdade da eleição dos membros do Parlamento, consagrando algumas garantias individuais.

No século XVIII, ocorreu a criação dos Estados Unidos da América, na qual, em sua Declaração de Independência das 13 colônias britânicas na América, dizia que todos os homens foram criados iguais, garantindo a todos seus direitos fundamentais à vida e à liberdade.

Outro marco importante na esfera de avanços referentes aos direitos humanos foi a Revolução Francesa, que inspirou um direito que serve de elemento nuclear ao constitucionalismo moderno: a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, consagrando os tão famosos dizeres: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Apesar dos avanços demonstrados, percebe-se que a evolução dos direitos humanos foi ocorrendo de maneira gradual e lenta, surgindo como uma medida de abrangência restrita ao âmbito interno do país que regulamentava a matéria e foi evoluindo de forma a alcançar uma sistemática universal de proteção.

A internacionalização, por sua vez, aconteceu principalmente por meio da declaração de direitos em instrumentos específicos, que surgiram em meio a situações extremas, que necessitavam de soluções imediatas, o que deu origem ao estabelecimento de instituições e mecanismos para a garantia da efetivação das medidas advindas de tais instrumentos. A internacionalização da proteção dos direitos humanos é um fenômeno recente.

Uma das primeiras normas de alcance global de direito humanitário surgiu com a convenção de Genebra de 1864, tendo em vista necessidade de regramento de situações de guerra, no intuito de minimizar a dor e o sofrimento de soldados prisioneiros, doentes e feridos em situações de conflito armado. Percebe-se que a aplicação das normas advindas da Convenção não estavam adstritas a um país apenas, mas, sim, àqueles que estivessem vivendo em situações de guerra, ainda que a aplicação se desse apenas em âmbito europeu.

Cumpre destacar que o conceito de guerra, utilizado antigamente, foi sendo substituído gradativamente por “conflito armado”, já que este tem a abrangência muito maior. A guerra é um status jurídico, que foi sendo definido com a evolução da humanidade, diferentemente do conflito armado que tem sua força na noção humanitária, uma vez que este não rompe o status de paz, coexistindo as relações diplomáticas normalmente.

Os conflitos armados limitaram o direito das partes em conflito escolherem livremente o método e os meios utilizados na guerra, ou que protege as pessoas e os bens afetados. Tal distinção se revela de fundamental importância no estudo do assunto dos direitos humanos, uma vez que os conflitos armados representam o fator que mais gera a migração.  

Como já discorrido, a esfera de alcance das normas relativas aos direitos humanos tinha um caráter restritivo, conquanto só atingia o Estado que a legislasse. O contexto em que surgiram as principais normas, regulamentando os direitos humanos, se iniciou no século XX, mais precisamente ao final da Primeira Guerra Mundial, tendo sido propulsionado, também, pela Segunda Guerra Mundial.

2.3 Organizações internacionais

2.3.1 Liga das Nações

O período pós-Primeira Guerra Mundial (1914-1918), marcado pela Conferência de Paz de Versalhes, aprovou a criação da Liga das Nações que tinha como principal missão mediar conflitos internacionais, procurando preservar a paz mundial, além da necessidade de relativização da soberania dos estados, promovendo a cooperação, a paz e a segurança internacionais, condenando agressões externas contra a integridade territorial e independência política de seus membros. A Liga criou comissariados específicos para tratar dos povos que perderam suas nacionalidades ou que não tinham cidadania, vítimas de desnacionalizações em massa e fugindo de conflitos armados.

Até o final da Primeira Guerra Mundial, o processo de trânsito entre países ocorria de maneira muito simples, tendo sido burocratizado ao final desta, de maneira a dificultar a circulação de pessoas, passando a ser um privilégio concedido pelo país receptor, a entrada ou não das pessoas. Depois de 1919, a passividade de grande parte dos Estados em relação aos movimentos migratórios desapareceu. Por toda parte, uma abundante legislação restritiva foi sendo produzida assim como o controle de passaportes, imigração e emigração. Cada estado era totalmente livre para regulamentar a entrada de estrangeiros em seu território.

A Liga das Nações se reuniu em 1920, em Paris, por meio de uma conferência, com o objetivo de ocupar-se de um novo regime internacional de passaportes e recomendações públicas, visando atenuar as restrições colocadas ao movimento migratório de pessoas entre as comunidades políticas.

No ano seguinte, em 1921, Fritdjof Nansen foi nomeado como Alto Comissário da Liga, para resolver principalmente o problema de documentação de viagem dos deslocados russos, inimigos políticos do socialismo, que fugiam da guerra civil vivida à época. No entanto, a atuação da Liga era questionada pelas grandes potências, inclusive pela própria Rússia, que não aceitava a atuação da Liga no âmbito interno do país, razão pela qual tal organismo teve poucos resultados.

Um dos resultados importantes foi a criação do Alto Comissariado para Refugiados Russos, que acabou resultando na criação de documentos de identidade e de viagem para os refugiados, que ficaria conhecido como Passaporte Nansen. Este foi o primeiro documento jurídico internacional a identificar refugiados (depois adotado pelos mais diversos ordenamentos internos, inclusive o ordenamento brasileiro que também tem um passaporte específico para refugiados).

2.3.2 Organismos sucessores da Liga das Nações

O descrédito dado pelas grandes potências mundiais à atuação dos seus organismos, somados à própria extinção da Liga, por conta de seu fracasso em evitar a segunda guerra, além dos próprios resultados da guerra, acontecimento que gerou um dos maiores deslocamentos forçados de pessoas na história, ensejaram, ainda durante a vigência da segunda guerra e antes mesmo da criação da ONU, a criação de um corpo intergovernamental chamado Administração das Nações Unidas para Auxílio e o Restabelecimento (UNRRA), tendo em vista que os refugiados tinham se tornado um problema sistêmico e de responsabilidade internacional.

Tal organização surgiu com o objetivo de prestar auxílio a todas as vítimas de conflitos armados. Ao fim da guerra, teve atuação voltada para a repatriação de quase todos os deslocados que se encontravam em território europeu. No entanto, assim como todas as instituições anteriores destinadas a tratar dos refugiados, tal organismo foi extinto em 1947, em razão de inúmeros fatores.

Nesse meio tempo, ocorreu o fim da Segunda Guerra, motivo que fez o sistema internacional se organizar de maneira mais estruturada, passando a ter como um de seus focos a atuação para resolver o problema do deslocamento forçado de pessoas. Nesse contexto surgiu um novo organismo, chamado de Organização Internacional dos Refugiados (OIR), tendo como objetivo estimular e favorecer o regresso dos refugiados aos países de origem ou às suas moradias habituais, não sendo obrigado a regressar a seu país aquele refugiado que argumentasse razoes validas contra o regresso, como o medo de perseguição ou razoes de saúde, por exemplo.

Percebe-se que a OIR fora pioneira ao tratar de um dos princípios dos direitos humanos, de grande relevância no tema dos refugiados, a princípio da non refolument, princípio a ser tratado mais adiante, que consagrou a hipótese de “não-devolução” do refugiado ao seu país. A OIR dispôs, em seu regulamento, que nenhum refugiado não seria mandado de volta a seu pais, sempre que demonstrasse que havia motivos suficientes para isso. O motivo que fez a OIR ser extinta foi a eficácia restrita de suas regulamentações, uma vez que as vítimas de regimes totalitários eram os destinatários exclusivos das medidas adotadas.

No período entre as duas grandes guerras, com o surgimento na Europa do fenômeno de desnacionalização utilizado como arma de política totalitária dos estados, combinado com a incapacidade das nações europeias de proteger os direitos humanos dos que haviam perdido seus direitos, é que surgiram as multidões de refugiados e, assim, os regimes internacionais começaram a pensar em regular e tentar solucionar esta questão de forma razoável.

2.3.3 ONU

Nesse contexto e em substituição à Liga das Nações, foi criada, em 1945, a Organização das Nações Unidas (ONU).

A introdução da Carta da ONU (2016, p.3) apontava que

Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas.

O primeiro objetivo era “manter a paz e a segurança internacionais”, reprimindo seriam utilizados fins pacíficos em conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, vedando atos de agressão, ou outra qualquer ruptura da paz.

A ONU fora seccionada, no âmbito da própria organização, em cinco estruturas internas: a Assembleia Geral, com a presença de todos os países-membros, ao longo dos anos, inúmeros países passaram a fazer parte da Assembleia; o Conselho de Segurança, formado pelos países que saíram vencedores da guerra e por aqueles que exerciam alguma influência em razão do seu poderio econômico, com a participação de cinco membros permanentes (URSS, EUA, Inglaterra, França e China) e outros 10 provisórios eleitos pela Assembleia Geral; o Secretariado, sendo respondido pelo Secretário-Geral e com a função de administrar e organizar toda a ONU; o Conselho Econômico e Social, atrelado ao UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a OMC (Organização Mundial do Comércio); e a Corte Internacional de Justiça, braço jurídico da ONU sediado em Haia, na Holanda. Com o passar dos anos, e os anseios por solução dos conflitos advindos de outro contexto histórico-social, foram criados outros mecanismos pela ONU, dentre eles, destacou-se, em razão da relevância sobre o tema, o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).

O nascimento da ONU foi, portanto, o verdadeiro marco divisor do processo de internacionalização dos direitos humanos, pois, a partir de seu surgimento, em 1945, e da consequente proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, o direito internacional dos direitos humanos começou a dar ensejo à produção de inúmeros tratados internacionais destinados a proteger os direitos básicos dos indivíduos; pouco mais tarde começaram a surgir tratos internacionais versando sobre direitos humanos mais específicos, como o das pessoas com deficiência, da mulher e dos refugiados.

Por sua vez, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, introduziu a concepção contemporânea de direitos humanos, conquanto consagrou a ideia de que os direitos humanos são universais, inerentes à condição de pessoa e não relativos a particularidades sociais e culturais de determinada sociedade, incluindo em seu elenco não só direitos civis e políticos, mas também direitos sociais, econômicos e culturais. Sendo assim, a declaração também se caracterizou por ser um dos marcos fundamentais da proteção aos direitos humanos a nível internacional.

A declaração estabeleceu alguns direitos universais, que acabaram sendo refletidos em várias outras normas internacionais humanitárias, dentre os quais: o direito à igualdade e à não incriminação; o direito à igualdade perante a lei; o direito à liberdade de pensamento, consciência e de religião.

Outro ponto inovador apresentado pela declaração foi a possibilidade de asilo, disposta no artigo 14, que preceitua isto. In Verbis:

Art. 14: Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 2009, p.8-9)

Em momento oportuno, será feita uma distinção entre o instituto do asilo, aqui mencionado e o refúgio, ainda a ser tratado pormenorizadamente.

2.3.4 ACNUR

Em razão da continuidade do deslocamento forçado, principalmente por conta do final da segunda guerra mundial, surgiu a necessidade de criação de um organismo internacional com atuação irrestrita, tendo como objetivo a proteção do refugiado a nível mundial, não local como os anteriores. Foi assim que começou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR).

O ACNUR foi estabelecido, como referido, em 1950, no âmbito do sistema das Nações Unidas, para efetivar, em nível universal, a proteção aos refugiados. Apesar de ter sido criado no âmbito da ONU, fora concebido como um organismo capaz de atuar independentemente, apesar de seguir as diretrizes da Assembleia Geral e do Conselho Econômico e Social na realização de sua atividade, tendo inclusive capacidade para celebrar tratados internacionais.

De acordo com o seu estatuto, as funções primordiais do ACNUR são providenciar proteção internacional e buscar soluções permanentes para o problema dos refugiados. Trata-se, conforme o § 2.º, de um trabalho puramente humanitário e apolítico.

Quando de seu estabelecimento, a problemática dos refugiados era vista como uma questão a ser resolvida pelo governo que providenciasse o refúgio. Isso pode ser comprovado, inclusive, pelo fato da instituição ter sido criada com o mandato de duração de 3 anos, que foi sendo renovado indistintamente ao longo dos anos. Com o passar do tempo, tal fato foi sendo revisto e, atualmente, cabe ao ACNUR coordenar as atividades de assistência direta às pessoas em seu âmbito de competência. A definição de quais pessoas se encontram sob a égide do ACNUR está prevista em seu estatuto.

No início, as ações do ACNUR limitavam se aos refugiados, mas, com a evolução deste tema, passaram também a ser atendidas as pessoas deslocadas e outras pessoas denominadas “de interesse do ACNUR”, que estão em situações análogas às dos refugiados, como os mencionados deslocados internos e os apátridas, por exemplo.

O ACNUR trabalha com três estratégias de soluções duráveis: a integração local, a repatriação voluntária e o reassentamento. Todas os três institutos serão tratados mais adiantes, quando for tratada a política nacional prestada aos refugiados, já que a lei nacional adota essas estratégias criadas pelo ACNUR.

A atuação do organismo muitas vezes não é ou não foi reconhecida pelos governos nacionais, como, por exemplo, no caso do Brasil, o que será abordado adiante. Em razão disso, o organismo começou a trabalhar em parceria com organizações não-governamentais e com outros órgãos dentro do sistema da ONU, envolvidos direta ou indiretamente com a questão dos refugiados. A parceria com as organizações não-governamentais ocorre, principalmente, nos processos de integração dos refugiados nos países de acolhida e na sua reintegração em seus Estados após a cessação das causas que originaram o refúgio.

2.4 Direitos internacional humanitário e direito internacional dos refugiados

Hodiernamente a expressão “Direitos Humanos” é intrinsicamente ligada ao Direito Internacional Público, que trata da proteção que a ordem internacional guarda sobre direitos.

Lyliana Lira Jubilut (2007, p.60) relaciona os institutos da seguinte forma:

Desse modo, tem-se que o Direito Internacional dos Direitos Humanos e o Direito Internacional dos Refugiados apresentam o mesmo objeto - a proteção da pessoa humana na ordem internacional; o mesmo método - regras internacionais a fim de assegurar essa proteção; os mesmos sujeitos - o ser humano enquanto beneficiário e o Estado enquanto destinatário e obrigado principal das regras; os mesmos princípios e finalidades - a dignidade da pessoa humana [...], a garantia do respeito a esta e, consequentemente, a não-discriminação, diferindo apenas no conteúdo de suas regras, em função de seu âmbito de aplicação. Por essa razão, pode-se defender a tese de que se trata de ramos assemelhados do direito, sendo que o Direito Internacional dos Direitos Humanos, por ter uma maior aplicabilidade e um escopo de proteção mais alargado, engloba as garantias mais específicas do Direito Internacional dos Refugiados.

Os refugiados se encontram no âmbito de proteção dos direitos humanos. Em outras palavras, pode-se dizer que o internacional dos refugiados é espécie do qual o direito internacional humanitário é gênero.

Mais simples de entender a relação entre os dois institutos quando se percebe que os refugiados só se adquirem essa condição quando têm seus direitos humanos violados, ou seja: a violação dos direitos humanos, por meio de perseguição de qualquer ordem, faz com que o indivíduo busque refúgio. Portanto, é necessário entender a problemática dos refugiados sobre o ponto de vista dos direitos humanos, uma vez que há uma relação direta de causa e efeito entre ambos os institutos. O Direito Internacional dos Direitos Humanos é a fonte dos princípios de proteção dos refugiados e ao mesmo tempo complementa tal proteção.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Frederico Costa. A evolução normativa internacional dos refugiados e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5091, 9 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57777. Acesso em: 5 nov. 2024.

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