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A evolução normativa internacional dos refugiados e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro

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09/06/2017 às 15:00
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3 DEFINIÇÃO DE REFUGIADO

O critério de definição dos refugiados vem sendo alterado ao longo dos anos, de forma que, quando o tema começou a ser tratado, em meados dos anos 1920, os refugiados eram definidos com base em um critério grupal. O que definia o refugiado era o fato de pertencer a determinados grupos. Isso ocorreu, principalmente, quando grupos de russos fugiram do país à época do governo bolchevique. Os primeiros instrumentos surgidos à época desses fatos levaram em conta esse critério de definição do refugiado. Um ponto de destaque com relação à essa caracterização inicial é o fato de que, para que fosse definido como refugiado, a pessoa deveria estar fora do seu próprio país.

O segundo critério adotado, já no final dos anos 1930, levou em consideração a perspectiva social. A definição passou a ser um pouco mais abrangente, pois estavam englobadas nesta todas as pessoas que, de alguma forma, tinham sido afetadas por um evento político ou social, independentemente de fazer parte de um grupo ou não. O contexto em que essa evolução conceitual está inserida explica o porquê de tal mudança. A Europa atravessava um momento conturbado politicamente, marcado, pincipalmente, pelos governos nazista e fascista, na Alemanha e na Itália, respectivamente, o que acabou por desencadear perseguições massivas, primeiramente baseadas em critérios políticos (comunistas, sociais, democratas, sindicalistas) e logo étnicos, resultando na fuga em massa da população que se sentia perseguida.

Anos mais tarde, já na década de 1950, posteriormente à criação da ONU e ao surgimento do ACNUR, acompanhando os avanços sociais e os anseios por melhores condições de vida, princípios dos direitos humanos, fora realizada a Convenção de Genebra, em 1951, relativa ao estatuto dos refugiados, iniciando-se a proteção moderna dos indivíduos que sofreram deslocamentos durante o período da segunda guerra.

3.1 Convenção de 1951

A Convenção de 1951 configurou um verdadeiro marco histórico na luta dos refugiados, porquanto se caracterizou como o primeiro instrumento de proteção universal, não se restringindo a determinado grupo, como os documentos anteriores.

A Convenção é considerada de vanguarda, em razão do pioneirismo ao tratar diversos aspectos. Foram estabelecidas cláusulas consideradas essenciais, inerentes à condição do ser humano, garantindo condições mínimas de dignidade, às quais nenhuma objeção deve ser feita. Entre essas cláusulas se inclui a impossibilidade de devolução do refugiado ao país de origem, a não ser que as situações que o fizeram sair de sua terra tenham cessado. Essa cláusula diz respeito ao chamado princípio de non-refoulement, o qual define que nenhum país deve expulsar ou “devolver” um refugiado, contra a vontade do mesmo, em quaisquer ocasiões, para um território onde ele ou ela sofra perseguição.

Ainda, estabeleceu providências para a disponibilização de documentos, incluindo documentos de viagem específicos para refugiados na forma de um passaporte. Havia a previsão de “[...] documentos de viagem passados nos termos de acordos internacionais anteriores pelas Partes nesses acordos serão reconhecidos pelos Estados Contratantes” (CONVENÇÃO DE 1951, 1954, p.14). Essa norma é resultado da criação do Passaporte Nansen, já mencionado, criado pelo então alto comissário da Liga das Nações, Fritdjof Nansen. 

Também foram definidos alguns deveres “em especial a obrigação de acatar as leis e regulamentos e, bem assim, as medidas para a manutenção da ordem pública”.

No entanto, quando da sua promulgação, a Convenção restringiu a aplicação do conceito de refugiado àquele que havia sido perseguido ou deslocado “em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa”, criando as chamadas reservas temporal e geográficas. Em seu artigo 1º, está consagrada a definição de refugiado à época, como sendo aquele

Que, em consequência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 e temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país, ou que, se não tem nacionalidade e se encontra fora do país no qual tinha sua residência habitual em consequência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele. (CONVENÇÃO DE 1951, 1954, p.2).

Um ponto que merece destaque é a possibilidade da não concessão do status de refugiado. Tal fato poderá ocorrer nas seguintes circunstâncias: se voluntariamente voltar a pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade; se, tendo perdido a nacionalidade, a tiver recuperado voluntariamente; se adquiriu nova nacionalidade e goza da proteção do país de que adquiriu a nacionalidade; se voltou voluntariamente a instalar-se no país que deixou ou fora do qual ficou com receio de ser perseguido; se, tendo deixado de existirem as circunstâncias em consequência das quais foi considerada o refugiado já não puder continuar a recusar pedir a proteção do país de que tem a nacionalidade; tratando-se de uma pessoa que não tenha nacionalidade, se, tendo deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi considerada refugiada, está em condições de voltar ao país no qual tinha a residência habitual.

3.2 Protocolo de 1967

Com o passar do tempo e com a dinâmica dos eventos sociais que ocorriam nesse contexto histórico, aumentou a necessidade de providências que colocassem os novos fluxos de refugiados sob a proteção das provisões da Convenção, quando em 1967, alguns países signatários da Convenção, de maneira voluntária, ratificaram um Protocolo, onde o conceito aplicado ao refugiado foi ampliado, passando a ser aquele que sofre fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, participação em determinado grupo social ou opiniões políticas, não podendo ou não querendo por isso valer-se da proteção do seu estado de origem.

Já em seu preâmbulo, o protocolo aduz. In Verbis:

Considerando que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 (daqui em diante referida como a Convenção), só se aplica às pessoas que se tornaram refugiados em decorrência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951; Considerando que, desde que a Convenção foi adotada, surgiram novas categorias de refugiados e que os refugiados em causa podem não cair no âmbito da Convenção; Considerando que é desejável que todos os refugiados abrangidos na definição da Convenção, independentemente do prazo de 1 de Janeiro de 1951, possam gozar de igual estatuto. (Protocolo de 1967 relativo ao estatuto dos refugiados

Nota-se a ausência do lapso temporal que caracterizava a norma anterior. 

Com a ratificação do Protocolo, os países foram levados a aplicar as provisões da Convenção de 1951 para todos os refugiados enquadrados na definição da Carta, excluindo-se os limites impostos. Embora relacionado com a Convenção, o Protocolo é um instrumento independente cuja ratificação não é restrita aos Estados signatários da Convenção de 1951. 

3.3 Declaração de Cartagena – 1984

O próximo passo dado na evolução normativa internacional referente aos refugiados, que também teve influência direta na política nacional brasileira para refugiados, foi “A Declaração de Cartagena” de 1984, aplicável aos países da América Latina.

O contexto social em que se insere a Declaração é de suma importância para a compreensão do assunto. O continente latino-americano passava por um período de instabilidade política, resultado dos profundos conflitos sociais gerados por um movimento revolucionário, iniciado com a revolução cubana, que influenciou diversos países da região a criar movimentos socialistas.

A resposta encontrada pelos países, que enfrentavam a situação, foi a instituição de regimes militares, governos de exceção, que tinham como política a imposição da força, razão pela qual a região se tornou um cenário de maciças violações dos direitos humanos. O resultado desse confronto de ideologias foi a saída de milhares de pessoas de seus países de origem, o que acabou gerando fluxos maciços de refugiados.

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Como o intuito de solucionar a questão, da maneira mais rápida possível e de forma que abrangesse todas as pessoas que sofriam com as condições geradas pela questão política, após longos anos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou à Organização dos Estados Americanos (OEA), que fossem tomadas medidas para solucionar o problema da região, que tomava proporções inimagináveis, o que acabou resultando, na Conferência de Cartagena, de 1984.

Essa Conferência se caracteriza como sendo um acordo regional que visava alcançar as pessoas que não se encontravam no âmbito da Convenção de 1951 ou mesmo do Protocolo de 1967. Em outras palavras: o objetivo da Conferência era, precipuamente, alargar o conceito de refugiados.

Foram adotados critérios de definição diferentes, tendo sido adotados, além dos requisitos anteriormente existentes, o de violação maciça dos direitos humanos para caracterizar aqueles buscavam o status. Abrangeu também as pessoas que fugiram de seus países porque sua vida, segurança ou liberdade, foram ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos conflitos internos, pela violação maciça dos direitos humanos, ou por outras circunstâncias que hajam perturbado gravemente a ordem pública.

O principal ponto de destaque da convenção, entretanto, fora outro. Pela primeira vez fora incluído como refugiado o deslocado interno, aquele indivíduo que, ainda dentro do seu país de origem, teria fugido de onde morava, em busca de melhores condições de vida. A esse aumento da esfera de definição do refugiado, abrangendo os deslocamentos internos, deu-se a criação do termo “espírito de Cartagena”, que demonstrou a prevalência das normas humanitárias num Estado Democrático de Direito.

Todos os instrumentos legais aqui citados serviram de base para a política nacional de proteção ao refugiado no Brasil. Serão abordadas, ponto a ponto, quais as influências sofridas pela lei nacional.

O Brasil está comprometido com a normativa de proteção dos refugiados desde os primórdios da fase de universalização deste instituto, no início da década de 50 do século XX, uma vez que ratificou e recepcionou tanto a Convenção de 51 quanto o Protocolo de 67, além de fazer parte do Conselho Executivo do ACNUR desde 1958. Apesar de ter ratificado esses tratados internacionais, tal atitude não passou do campo da teoria. Na prática, poucas atitudes tomadas pelo governo brasileiro acolheram as medidas impostas pelas diretrizes internacionais. Como será demonstrado adiante, durante aproximadamente duas décadas não houve manifestação de uma efetiva política de acolhida a refugiados em nosso território, sendo tal fato alterado somente no final da década de 1970.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Frederico Costa. A evolução normativa internacional dos refugiados e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5091, 9 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57777. Acesso em: 25 abr. 2024.

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