A luta histórica por justiça da farmacêutica Maria da Penha Fernandes, abraçada por diversos grupos sociais, com impacto internacional, trouxe ao país em setembro de 2006 um conceito jurídico até então desconhecido: a violência de gênero.
Maria da Penha foi vítima durante 23 anos, sem que a justiça tivesse instrumentos adequados para tratar as peculiaridades do caso, deixando-a paraplégica, após uma tentativa de homicídio provocada pelo agressivo marido.
Como espécie de violência de gênero, houve a necessidade em dar especial proteção à violência doméstica e familiar contra a mulher, verdadeira política de discriminação positiva, baseada em contexto histórico-social, buscando conferência da igualdade material.
A Lei Maria da Penha disciplina violência doméstica e familiar contra a mulher como qualquer ação ou omissão, baseada no gênero, que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico. Portanto, o nexo de causalidade com o âmbito doméstico, familiar ou de afeto (atual ou passado) precisa estar presente para que se configure uma real violência de gênero, não bastando que a vítima seja do sexo feminino.
Como exemplos têm-se uma ameaça cometida por um ex-companheiro, por não aceitar o fim do relacionamento, enquadrando-se no conceito de relação de afeto, ou uma agressão praticada em conflito doméstico.
A recente modificação do Código Penal trazida pela Lei 13.104 de 2015 trouxe à baila mais um instrumento de proteção contra a violência de gênero, o denominado “feminicídio”, complementando os ideais da Lei Maria da Penha, desta feita para envolver os assassinatos, qualificando esta forma e considerando delito hediondo, com pena de até 30 anos de reclusão.
Por feminicídio entende-se o homicídio de uma mulher por razões da condição de sexo feminino. Segue-se a mesma coerência conceitual de violência da Lei Maria da Penha, sendo utilizado este parâmetro de interpretação.
A incidência do tipo pressupõe situação de violência praticada contra a mulher, em relação de poder e submissão, praticada por homem ou mulher contra mulher em posição de vulnerabilidade. Caso contrário, tem-se o “femicídio”, que é matar mulher e não o feminicídio que reclama elemento subjetivo específico, baseado na discriminação ou menosprezo ao sexo feminino.
Embora o Direito Penal não deva servir como primeiro instrumento de proteção, uma vez frustrados os demais mecanismos, deve o Estado utilizar sua faceta mais forte para punir os infratores e provocar, ainda que pela via repressiva, uma mudança de cultura.
As mulheres precisam de maior proteção não por serem mais frágeis, pois de fato não são, mas por estarem impostas em contexto de preconceito e ignorância, concretizados nos mais diversos ambientes e classes sociais, dentro dos lares e nas relações de afeto. Os avanços precisam continuar até o ponto onde não mais precisaremos das políticas de afirmação, essencialmente compensatórias e transitórias.