RESUMO: Pretende-se neste artigo analisar de que modo o judiciário trabalhista brasileiro vem combatendo a prática do Dumping Social em seu contexto, prática esta de comércio desleal que desrespeita os direitos trabalhistas de modo contumaz e reiterado, afetando a grande classe trabalhadora e a toda a sociedade. Este texto é divido em três partes: na primeira irá expor os conceitos aplicados para fundamentar o dumping social no Brasil. Na segunda, explanará a violação aos direitos sociais, os danos causados com as práticas do dumping pelas empresas que visam principalmente o lucro e a fundamental indignação frente as ofensa aos princípios constitucionais e, na terceira, serão abordados o dumping social na Justiça do Trabalho, a possibilidade de punição das empresas pelos juízes de ofício, o tipo de ação que pode ser postulada a fim de impedir este tipo de comportamento e quem possui legitimidade para tal. Também será feita uma análise das decisões de primeiro grau que envolvem o tema confrontando-os com os acórdãos dos Tribunais Superiores. Para este trabalho foram realizados estudos bibliográficos sobre o tema, resgates das origens históricas do direito do trabalho, leituras de doutrinas, jurisprudências, legislações e revistas eletrônicas dos tribunais. Tal projeto visa colaborar na discussão e enfrentamento deste novo paradigma, bem como demonstrar a atuação do Ministério Público do Trabalho através da Ação Civil Pública, mediante punição adequada ao ofensor, como forma de combater e prevenir novas lesões.
Palavras-chave: Dumping Social. Justiça do Trabalho. Dano Social.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Dumping Social no Brasil. 1.1 Conceitos de Dumping Social. 2 A Violação aos Direitos Sociais. 2.1 A Fundamental Capacidade de Indignação. 3 O Dumping Social na Justiça do Trabalho. 3.1 O Juiz do Trabalho Frente ao Dano Social. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Os presentes escritos consistem em um artigo científico a ser apresentado como exigência parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Seu objeto de estudo é a análise do fenômeno dumping social, sua prática e suas consequências nas relações de Direito do Trabalho no Brasil, visto que o número de ações envolvendo este tema vem crescendo severamente. Dessa forma, busca identificar o modo como judiciário trabalhista brasileiro vem combatendo o referido fenômeno em seu contexto.
Na primeira seção, será discutido o conceito quanto os critérios aplicados no Brasil para caracterizar o dumping social, a princípio imerso em um contexto histórico de transformações no mercado interno e de crescimento da produção industrial brasileira.
A segunda seção, por sua vez, irá explanar a violação aos direitos sociais, regras necessárias ao ordenamento jurídico, e os danos causados aos trabalhadores e à sociedade devido às práticas do dumping social, pelas empresas, com vistas à obtenção de lucro.
Na terceira seção será abordado o dumping social na Justiça do Trabalho, investigando o tipo de ação que pode ser postulada a fim de impedir este tipo de comportamento, e analisar quem possui legitimidade para tal, avaliando a possibilidade de punição das empresas pelos juízes de ofício por provocarem sérios danos pelas práticas reiteradas de descumprimento as legislações trabalhistas.
Para este artigo foram realizados estudos bibliográficos sobre o tema, resgates das origens históricas do direito do trabalho, leituras de doutrinas, jurisprudências, legislações, revistas eletrônicas dos tribunais e decisões de primeiro grau que envolvem o tema confrontando-os com os acórdãos dos Tribunais Superiores, analisando várias correntes de pensamento favoráveis e contrárias a reforma da decisão em instância superior e quais os fundamentos utilizados para atingir suas conclusões.
No mais, por versar sobre tema contemporâneo ainda em expansão, e a falta de normatização única no ordenamento jurídico, a prática do dumping social vem ocasionando discordâncias doutrinárias nas decisões de primeira instância com os acórdãos dos Tribunais Superiores, ao discutir a discricionariedade dos juízes na aplicação de condenações de ofício, a legitimidade e o pedido das partes na propositura da ação.
1 DUMPING SOCIAL NO BRASIL
Com a chegada da Revolução Industrial e o frequente abuso realizado aos trabalhadores, emergiu como medida de proteção dos trabalhadores, o Direito do Trabalho e como condição para a democracia, foi determinada a edição de pactos internacionais de garantia de direitos humanos.
Assim, com o objetivo de promover a paz mundial atrelada a justiça e políticas sociais e econômicas que inspiram a elaboração de legislações relativas a direitos e princípios fundamentais do trabalho, foram criadas a Organização Internacional do Trabalho (OIT)[1], que é uma agência das Nações Unidas, criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes, responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho; o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT)[2], que estabeleceu acordos internacionais de restrição de obstáculos às transações efetuadas pelas nações, até sua substituição pela Organização Mundial do Comércio (OMC)[3], em 1995, que trata exclusivamente das relações de comércio exterior.
Logo, em consequência dos conflitos mundiais, em especial as duas grandes guerras e dos desequilíbrios econômicos, a normatização das relações trabalhistas na jurisprudência no Ocidente – a exemplo do Brasil – modificou-se a partir da segunda metade do século XX.
Além disso, a ampliação do mercado interno no Brasil, multiplicando três vezes e meia a produção industrial brasileira, cresceu notadamente a quantidade de assalariados. O que permitiu a composição e solidificação das leis trabalhistas em texto único – Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[4], incluindo os trabalhadores no alcance de direitos necessários e essenciais para uma subsistência digna.
No que diz respeito ao assunto, o autor Leonor Cordovil destaca que:[5]
A história da legislação antidumping pode ser dividida em três períodos. O primeiro deles começa no início do século XX, com o surgimento de legislações sobre o assunto, e chega à Segunda Guerra Mundial. O segundo chega logo após a guerra, com legislações nacionais enraizadas e países já buscando a negociação das primeiras legislações internacionais, e termina em 1995, com o Acordo Antidumping da OMC. O terceiro período começa com a assinatura do acordo e segue até os dias atuais.
As sociedades foram progredindo com o passar dos séculos, e o avanço por direitos trabalhistas obteve ainda mais reputação, como também o crescimento da atuação brasileira e a vontade das empresas nacionais tornarem-se competitivas.
Contudo, ao tentar conter os custos de produção, os empregadores escolhem desprezar as leis trabalhistas com interesses em diminuir os custos do trabalho e adotar o valor de suas mercadorias mais competitivas. Nota-se, também, que, com a diminuição de custos de mão-de-obra, adquire-se uma propensão do preço e mais concorrência, resultados de situações de trabalho fraudulento e que vão em discordância a dignidade humana.[6]
Comportando-se desta maneira, a empresa não exerce a sua função social que é, além de produzir empregos, a de recolhimento de impostos e circulação de capital. A empresa não deve ter em vista essencialmente o proveito como propósito exclusivo de sua existência, infringindo os direitos e garantias obtidas com grande dificuldade pelos trabalhadores no decorrer da história.
E o constante descumprimento pelas empresas dos direitos trabalhistas, não afeta apenas o âmbito patrimonial e pessoal do empregado, mas envolve a própria ordem econômica ao retirar-lhe a chance de uma vida digna ao sobrepor o lucro do negócio além da condição humana.
Foi nesse contexto que os especialistas brasileiros do Direito do Trabalho se reuniram e validaram o Enunciado nº 4, da 1ª Jornada de Direito Material e Processual da Justiça do Trabalho, regulada pela ANAMATRA e ocorrida entre os dias 21 e 23 de novembro de 2007 no Tribunal Superior do Trabalho em Brasília:[7]
4. “DUMPING SOCIAL”. DANO A SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR.
As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado social e do próprio modelo capitalista com obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido ‘dumping social’, motivando a necessária reação do Judiciário trabalhista para corrigi-la. O dano a sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como aliás, já previam os artigos 652, “d”, e 832, §1º, da CLT.
Em outras palavras, o Enunciado acima certifica que a desobediência às normas trabalhistas realizadas de forma repetitiva e persistente por algumas empresas, com a meta de desestabilizar a concorrência e obter lucros, ocasiona uma ofensa à própria sociedade e ao estado garantidor de direitos individuais e sociais e deve ser confrontado pela Justiça do Trabalho com a finalidade de corrigir esse comportamento.
Como visto, a vontade de obtenção do lucro não deve se justapor à dignidade do trabalhador, pois esta consequência pode abalar toda a sociedade, eis que, ao deixar de obedecer às obrigações trabalhistas, não apenas os trabalhadores, assim como os planejamentos do Estado Social que são financiados pelos recolhimentos previdenciários, como a prestação de saúde pública e o seguro-desemprego são prejudicados.
1.1 Conceitos de dumping social
É significativo esclarecer que a idéia de dumping social nasceu da junção do conceito de comércio, de efetuar a atividade de concorrência desleal em plano internacional, conceituada dumping comercial, com os impactos na área do trabalho, e, do social, realizado através do descumprimento aos direitos humanos do empregado com o intuito de baixar os custos empresariais.
No entanto, o conceito de dumping ganhou elucidação na conjuntura a partir da rodada de negociação do GATT acontecido no Uruguai no ano de 1994, quando foi elaborado o artigo 2º da parte 1 do Acordo sobre a Implementação do artigo VI do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio, com o seguinte teor:[8]
Para as finalidades do presente acordo, considera-se haver prática de dumping, isto é, oferta de um produto no comércio de outro país a preço inferior a seu valor normal, no caso de o preço de exportação do produto ser inferior àquele praticado, no curso normal das atividades comerciais, para o mesmo produto quando destinado ao consumo no país exportador.
Destarte, é possível especificar o dumping como atividade comercial de âmbito internacional, que se respalda na negociação de produto no exterior com o valor abaixo do mercado interno ou de mercadorias de concorrência, com a finalidade de acabar com os concorrentes. Enquanto a sua dimensão teórica, efetivamente, condiz com a deterioração do contrato de emprego em prol do lucro do empregador com o abandono dos compromissos e deveres sociais tutelares do empregado.[9]
Ao deixar de efetuar os pagamentos dos valores indispensáveis em cumprimento aos direitos trabalhistas, o empregador se favorece de maneira injusta das vantagens recebidas pelos créditos não realizados aos trabalhadores e ao Estado.
Este comportamento acaba por impactar empresas de mesma atividade, que, por efetivar suas responsabilidades trabalhistas, não conseguem adotar preços concorrentes, gerando como resultado o encerramento de seus negócios ou de maneira indireta serem submetidos a agirem de modo igual.
Acontece que os resultados acarretados por esta conduta estão relacionados ao crescimento do número de desempregados, a redução de oportunidades de trabalho ou o aumento de descumprimento às normas de direito do trabalho.
Leda Maria Messias da Silva e Milaine Akahoshi Novaes acentuam que o dumping social é uma atividade empregada pelas empresas em virtude da economia globalizada e da sólida disputa, com o intuito de buscar maiores lucros em prejuízo dos trabalhadores, reduzindo-se os custos de produção por meio da desconsideração das normas trabalhistas.[10]
Para Enoque Ribeiro dos Santos o Dumping Social é:[11]
[...] uma prática de gestão empresarial antijurídica, moldada pela concorrência desleal e ausência de boa-fé objetiva, que busca primacialmente a conquista de fatias de mercado para produtos e serviços, seja no mercado nacional ou internacional, provocando prejuízos não apenas aos trabalhadores hipossuficientes contratados em condições irregulares, com sonegação a direitos trabalhistas e previdenciários, bem como às demais empresas do setor.
Por sua vez, Jorge Luiz Souto Maior acrescenta que o dumping social significa rebaixar algo a condição de lixo, sendo aplicada inicialmente, nas relações de comércio internacional, para designar as práticas de concorrência desleal entre países. Aduz ainda ser uma “séria agressão ao Estado Democrático de Direito Social”.[12]
2 A VIOLAÇÃO AOS DIREITOS SOCIAIS
O direito social trata-se de uma regra que impõe a realização de certos atos a sociedade e a todo o ordenamento jurídico, como: a solidariedade, a justiça social e a proteção da dignidade da pessoa humana (de modo a evitar que os interesses econômicos superem a indispensável integridade da pessoa humana).
Configura-se o dumping social no momento em que se tratar de prejuízos dos direitos sociais. E é por intermédio dos direitos sociais que se manifestam os fundamentos de solidariedade e ética, regras estas que necessitam estar evidentes nas relações atuais.[13]
Vale enfatizar que o dumping social não é só um problema comercial, mas também um questão social, eis que o exercício repetido de transgressão pelas empresas da legislação trabalhista como condição de obtenção de vantagem econômica sobre a concorrência, potencializando os lucros e suprimindo a concorrência é uma afronta aos direito sociais que garantem uma chance de dignidade aos trabalhadores.
Pode-se afirmar que o dumping social desrespeita o direito social em três de seus mais significativos elementos na prática atual: o cível, visto que envolve âmbito das obrigações (contratos) e direito empresarial; na área trabalhista, uma vez que manuseia ardilosamente o vínculo individual empregatício; e consumerista, abalando as relações de consumo.
A consciência de que o agressor por uma ofensa que exceda o âmbito das relações privadas, impactando desfavoravelmente a sociedade a que se insere, deve ser de fato reprimido de refazer tal conduta. O desprezo às normas de caráter social provoca no agressor um proveito econômico ante aos seus adversários, conduzindo todos a um enorme ameaça de desequilíbrio social.[14]
Em muitas situações, constata-se a colaboração do próprio Estado nesta vantagem abusiva, valendo-se de estratégias de redução de custo: admissão pessoal sem concurso público, uso da terceirização para fornecimento de tarefas e licitações feitas com o mínimo de custo para a composição de obras.
As terceirizações, subcontratações, falências fraudatórias, as formas de diminuição do trabalhador (ausência de registro, não remuneração de verbas resilitórias, justa causas fabricadas), têm enorme repercussão no custo social, principalmente no que tange à seguridade social, à saúde e a educação.
Com muita frequência, toda a sociedade, e os trabalhadores, sofrem danos pela reiterada violação, por parte de algumas empresas, de normas legais e morais que tutelam os direitos trabalhistas. Um passo importante para a transformação do projeto constitucional é a atuação firme e motivada dos juízes do trabalho, diante de condutas que se revelam socialmente danosas e contrárias à lógica constitucional.
2.1 A fundamental capacidade de indignação
A falta de estranheza e aversão diante do fato de a mesma empresa ter centenas de processos na justiça trabalhista debatendo o mesmo assunto é significativo. Reconhecer a condição do outro como parte do que sou, enquanto ser social, significa querer para todos o que desejamos para nós mesmos.
A utilidade do trabalho encontra-se desprezada em motivo de procura contínua por lucros, de forma que se desconsidera que atrás do trabalho subsiste um ser humano, que fornece o seu bem mais inestimável, sua força de trabalho, ou melhor, notável parcela de sua vida, “o meio ambiente do trabalho é o local onde o trabalhador passa boa parte de sua vida, de maneira que há forte ligação entre a qualidade de vida com a qualidade daquele ambiente”.[15]
A Constituição Federal de 1988[16], em seu artigo 6º, assevera que o trabalho é um direito social e no artigo 7º destaca uma série de direitos aos trabalhadores, por exemplo: proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, proteção do salário, FGTS, irredutibilidade salarial, duração do trabalho não superior a oito horas, repouso semanal remunerado, gozo de férias anuais, proteção à saúde, higiene e segurança no trabalho, aposentadoria, etc.
Ademais, o seu artigo 170 é claro ao estipular que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observados, dentre outros, os princípios da função social da propriedade (inciso III) e da busca do pleno emprego (inciso VIII).
O artigo 37 da Lei 12.529/11[17], por sua vez, elenca possíveis penalizações destinadas às infrações que comprometam a ordem econômica, enquanto ao artigo 45, é claro ao afirmar que levar-se-á “em consideração” no momento de aplicar a penalização determinada: a “gravidade da infração, a vantagem auferida, o grau da lesão ou perigo de lesão a concorrência, a economia nacional, aos consumidores, ou a terceiros, os efeitos econômicos produzidos no mercado, a situação econômica do infrator e a reincidência”.
Já o Código Civil[18], no tocante aos artigos 186 e 187, completa que pratica ilicitude o sujeito que, ao exceder a limitação devida pela finalidade econômica ou social, desencadeia dano ou expressa ao direito de outrem ameaça, ocorrendo infrações ao ordenamento econômico e acarretando por consequência o descumprimento dos direitos dos trabalhadores.
A tão difundida flexibilização trabalhista nada mais é que a comprovação da banalização da desigualdade social e o enterro dos direitos humanos no que se refere às relações de trabalho, visto que, a “dignidade do trabalhador é extremamente aviltada, principalmente porque a corrida pela eficácia e pela competitividade no seio da própria empresa acarreta a desqualificação dos menos aptos”.[19]
Ao analisar o dumping Social, constata-se que esta prática desrespeita os direitos da personalidade do trabalhador, uma vez que as empresas, com o objetivo de restringir os custos, deixam de disponibilizar um meio ambiente de trabalho saudável e protegido, além de retirar outros direitos indispensáveis, que por decorrência geram danos de ordem moral, física e psíquica.
Não é mais viável acostumar-se com o dano social gerado por empresas que ferem cotidianamente enorme número de trabalhadores, com hábitos incessantes de condutas ilegais, que aplicam o tempo do processo e as inúmeras alternativas recursais para se desobrigar de suas obrigações. Os fóruns, todos os dias, escutam testemunhas reclamando sobre a idêntica empresa e julgam como se todo caso demonstrasse uma prática isolada, protegidos ao caos social instigado pela repetida conduta ilícita danosa.