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A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva

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Agenda 16/07/2017 às 11:20

4. NOVO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE O RECOLHIMENTO À PRISÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

O Poder Legislativo tem deixado a desejar quando se trata de alguns aspectos relacionados à sua atividade típica, o que causa lacunas no sistema de aplicação das normas, além do fenômeno da “lei vaga”, que não estabelece de forma clara as suas finalidades, restando grande liberdade ao intérprete e permitindo, mesmo que de forma indireta (ante a “impotência legislativa” de alcançar especificamente alguns casos concretos), a ocorrência de condutas manifestamente ilícitas.

Na omissão do Legislativo, o Supremo Tribunal Federal se elastece na maior medida possível nos limites de sua competência, modificando entendimentos jurisprudenciais anteriormente consolidados, na tentativa desesperada de frear as práticas descaradamente ilegais que vêm estampando os jornais deste país: corrupção sistêmica e recursos manifestamente protelatórios.

Este é o assunto que será tratado ao longo deste e do próximo Capítulo.

Conforme já exaustivamente exposto neste trabalho, a Constituição Federal estabelece que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

O dispositivo é claro e de seu texto extrai-se que é imprescindível a ocorrência do trânsito em julgado da reprimenda imposta ao agente delituoso, para se concluir, assim, pela sua culpa.

Sabe-se que o acusado, para apelar, não precisa estar recolhido ao cárcere, no entanto, presentes os fundamentos demonstrativos da necessidade da custódia, deve a preventiva ser decretada ou mantida até a decisão final irrecorrível, quando, então, será absolvido ou condenado.

Contudo, em um julgado sobremaneira relevante e com o intuito de evitar a interposição dos recursos meramente protelatórios, o Supremo Tribunal Federal inovou em seu entendimento.

Estabeleceu que um réu já condenado em segunda instância deve ser recolhido à prisão antes de transitar em julgado a sentença penal condenatória.

O fundamento utilizado pela Suprema Corte foi no sentido de que o recurso especial (perante o Superior Tribunal de Justiça) e o recurso extraordinário (perante o Supremo Tribunal Federal) não possuem efeito suspensivo e a interposição deles, portanto, não tem o poder de assegurar ao réu o direito de permanecer em liberdade até que ocorra o trânsito em julgado da sentença.

Nesta decisão inovadora (STF. Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016), que causou enorme repercussão, não só para os estudiosos e aplicadores do Direito, mas também na sociedade como um todo, o Ministro Teori Zavascki defendeu que, até a prolação do acórdão condenatório em 2º grau, deve-se presumir ser o réu inocente.

No entanto, depois deste momento processual, o postulado da não culpabilidade resta exaurido, eis que as medidas recursais aplicáveis à decisão de segunda instância (direcionados ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal) não se prestam à discussão dos fatos e das provas, mas somente da matéria de direito.

Para o mencionado Relator, no curso de todo o processo criminal, já foram observados os direitos e as garantias inerentes ao réu, além de respeitadas as regras probatórias para sua defesa.

Ao final, salientou, também, que, em nenhum país, além do Brasil, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma sanção é suspensa ao aguardo da confirmação da Suprema Corte.

Por outro lado, em Artigo denominado ‘A volta da "execução provisória" da pena’, o Procurador Federal Adel El Tasse demonstra descontentamento perante este novo entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal.27

Afirma, em síntese, que a Constituição da República, em seu texto, é clara ao exigir o trânsito em julgado da condenação, para o recolhimento à prisão, e não admite “ginásticas interpretativas”.

Acrescenta, ainda, que o sistema jurídico brasileiro não pode ser comparado ao de outros países levando em consideração apenas uma questão pontual (prisão condenatória antes do esgotamento dos recursos).

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E isso, segundo o Procurador, não se dá em razão da inferioridade de nosso ordenamento em face dos outros, mas sim porque a análise deve ser feita com a observância do conjunto que forma o sistema de cada um.

Neste contexto, defende que o Brasil, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos e na Alemanha, não possui todos os elementos necessários em seu ordenamento jurídico para que possa suportar o início do cumprimento da reprimenda quando ainda forem cabíveis medidas recursais.

Como exemplo do perigo que este precedente jurisprudencial poderá acarretar, o autor cita diversos casos em que a Corte Suprema, em reforma a decisões condenatórias proferidas em segunda instância, absolveu condenados por furto de abóboras, melancias, chocolates etc., sob o fundamento do princípio da insignificância.

Por fim, uma solução apresentada pelo Procurador, para possíveis problemas que este novo entendimento acarretará, é a admissibilidade da impetração de habeas corpus, mesmo quando cabível recurso específico (writ substitutivo, o qual, segundo o autor, foi retirado do ordenamento pelos tribunais superiores) eis que, por meio do remédio constitucional, seria possível a concessão do pleito liminar de suspensão da pena, para salvaguardar direitos dos cidadãos assegurados pela Magna Carta.

Neste ponto, é preciso destacar aparente lapso em que incorreu o texto, ante a possibilidade de concessão de habeas corpus substitutivo, quando restar caracterizada flagrante ilegalidade.

Abaixo, a título de ilustração, segue o posicionamento que vem sendo adotado pelas Cortes Superiores:

[...] A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja recomendável a concessão da ordem de ofício. [...]28

Diante do julgado destacado, é possível concluir que, atualmente, o condenado em segunda instância, no Brasil, já pode ser recolhido ao cárcere, podendo, contudo, se beneficiar da concessão da ordem de habeas corpus, quando ficar evidente que sofre de flagrante ilegalidade.


5. CASO RECENTE SOBRE A APLICAÇÃO DE PRISÃO CAUTELAR A SENADOR

No dia 25 de novembro de 2015, o Supremo Tribunal Federal decretou a prisão do Senador Delcídio do Amaral.

Para contextualizar, imprescindível é a descrição da conduta imputada ao Parlamentar:

O Senador, em conjunto com os demais investigados, estariam tentando convencer o ex-diretor Internacional da Petrobras, Nestor Cerveró (um dos réus na Lava Jato), a não assinar acordo de colaboração premiada com o Ministério Público Federal. Isso porque Cerveró iria delatar crimes que teriam sido praticados por Delcídio e Esteves.

Em troca de seu silêncio, o Senador e o banqueiro teriam oferecido o pagamento de uma quantia mensal em dinheiro à família de Cerveró. Além disso, o Senador teria também prometido fazer lobby junto aos Ministros do STF para que estes concedessem liberdade a Cerveró e, em seguida, com o réu solto, o parlamentar iria facilitar a fuga do ex-diretor da Petrobras para a Espanha, país do qual também tem cidadania. Foram realizadas pelo menos quatro reuniões para tratar sobre a proposta e o plano de fuga. Nestas reuniões, participavam, além do Senador, o assessor parlamentar, o advogado de Nestor Cerveró e seu filho (Bernardo Cerveró). Ocorre que Nestor Cerveró já estava decidido a fazer o acordo de colaboração premiada e não confiava na proposta do Senador. Por isso, seu filho (Bernardo Cerveró) gravou as conversas e as propostas que foram feitas e as entregou ao Ministério Público. Bernardo entregou também vídeos, conversas trocadas por e-mail e por whatsapp.29

O art. 53, § 2º, da Constituição Federal prevê que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável”.

O mesmo dispositivo ainda acrescenta: “Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

Pela literalidade do texto citado, um Senador somente poderá ser preso, antes da condenação definitiva em caso de flagrante de crime inafiançável.

Isso se dá em razão da imunidade formal que possui o parlamentar em relação à sua prisão.

Conforme bem explicam os doutrinadores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino:

Por força dessa imunidade formal, desde a diplomação, o parlamentar não poderá mais ser vítima de qualquer tipo de prisão penal ou processual – prisão temporária, prisão em flagrante, por crime afiançável, prisão preventiva, prisão por pronúncia ou prisão por sentença condenatória recorrível –, tampouco de prisão civil por dívida nas hipóteses admitidas pelo art. 5º, inciso LXVII, da Constituição – inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e depositário infiel. [...] Alertamos que essa impossibilidade de prisão do parlamentar o protege não só em relação aos crimes praticados após a diplomação, mas, também, em relação aos crimes praticados em data anterior a esta. Assim, se, em data anterior à diplomação, o indivíduo havia cometido certo crime e estava respondendo por ele perante a justiça comum, com possibilidade de ser preso, com a expedição de sua diplomação a prisão não poderá mais ser determinada pelo Poder Judiciário, em respeito ao art. 53, § 2º, da Constituição.30

Conforme visto, por ocasião da imunidade formal, desde a ocorrência da diplomação, o Deputado ou Senador não poderá mais sofrer qualquer tipo de restrição à sua liberdade de locomoção, seja ela de natureza penal ou processual (segregação temporária, recolhimento em flagrante, por crime afiançável, prisão preventiva, custódia por pronúncia ou por sentença condenatória recorrível), nem mesmo prisão civil por dívida, nas situações em que o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal (inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia) autoriza.

Isso leva à conclusão de que o parlamentar não poderia, apenas com base na lei, ser preso preventivamente.

Ainda de acordo com os mesmos autores:

A única situação em que se admite a prisão do parlamentar é a de flagrante de crime inafiançável. Mas, mesmo nesse caso, a manutenção da sua prisão dependerá de autorização da Casa Legislativa, e não da vontade do Poder Judiciário. Com efeito, determina a Constituição que, no caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos deverão ser remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. A manutenção da prisão dependerá, então, de formação de culpa pela Casa Legislativa, pelo voto ostensivo e nominal da maioria de seus membros (maioria absoluta). Se a Casa Legislativa não autorizar a formação de culpa, o parlamentar será posto em liberdade, independentemente da gravidade de sua conduta criminosa.31

Do trecho citado, é possível considerar que a única situação em que se admite a restrição de liberdade de parlamentar é a de flagrante de crime inafiançável. E, mesmo neste caso, a manutenção de sua restrição de liberdade ficará condicionada à autorização da Casa Legislativa, e não à vontade do Poder Judiciário.

Por isso, segundo a Constituição, no caso de prisão em flagrante por crime inafiançável, os autos deverão ser remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

A manutenção da medida dependerá, então, de formação de culpa pela Casa Legislativa, pelo voto da maioria absoluta de seus membros. Se a Casa Legislativa não autorizar a formação de culpa, o parlamentar será posto em liberdade, independentemente da gravidade de sua conduta criminosa

Prerrogativas conferidas pela Carta Magna, as imunidades parlamentares servem para que os beneficiários Deputados e Senadores exerçam o mandato com liberdade e independência.

Na situação em análise, segundo o Ministério Público, o Senador Delcídio do Amaral e as demais pessoas investigadas teriam praticado, em tese, dois crimes: a) integrar organização criminosa (conduta descrita no art. 2º, caput, da Lei n.º 12.850/2013); e b) embaraçar investigação envolvendo organização criminosa (injusto tipificado no art. 2º, § 1º, da Lei n.º 12.850/2013).

O Supremo Tribunal Federal entendeu que estes delitos configuram crimes permanentes e, portanto, estava o Senador em situação de flagrância.

A doutrina confirma o estado de permanência, na medida em que até o momento da constrição estava o parlamentar integrando organização criminosa: “Infração permanente, a sua consumação se protrai enquanto não cessada a permanência. Isso significa que o agente pode ser preso em flagrante delito enquanto não desfeita (ou abandonar) a associação (art. 303. do CPP)”.32

Contudo, para o fim de determinar a prisão em flagrante, ainda era necessário serem estes injustos inafiançáveis, conforme limita a Constituição Federal no artigo mencionado no início deste item.

Por isso, a Corte Suprema declarou que, por estarem presentes elementos que autorizariam a constrição preventiva, não seria possível a concessão de fiança, caracterizando caso de conduta típica inafiançável, portanto.

Baseou-se o Tribunal no art. 324. do Código de Processo Penal, em seu inciso IV, o qual declara que “Não será igualmente concedida a fiança [...] IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312)”.

Portanto, este inciso estabelece que, mesmo o delito não estando previsto no rol de crimes absolutamente inafiançáveis (racismo, tortura, tráfico ilícito de drogas, terrorismo, crimes hediondos, crimes cometidos por ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático), não poderá receber fiança por circunstâncias concretas verificadas no curso do processo, as quais preenchem os requisitos autorizadores da decretação de prisão preventiva.

Mas, como é sabido, o art. 310. do Código de Processo Penal deixa claro que a prisão em flagrante não pode subsistir por muito tempo, devendo o juiz, observados os termos do dispositivo citado, determinar a liberdade provisória, a segregação preventiva, ou relaxamento da prisão em flagrante.

Diante disso, em não sendo caso de soltura do suposto agente, deve a restrição ser convertida em preventiva, desde que, conforme já exposto, estejam presentes os requisitos autorizadores da medida excepcional.

Assim, o Procurador Geral da República representou, na hipótese, pela custódia preventiva, com fundamento no art. 312. do Diploma Processual Penal.

O argumento utilizado foi o de que o art. 53, § 2º, da Constituição da República não poderia ser tomado como absoluto.

A respeito da possibilidade de decretação da prisão preventiva de parlamentar surgiram duas correntes:

1ª) SIM. Para Rogério Sanches e Marcelo Novelino, o STF teria autorizado a prisão preventiva do Senador, relativizando o art. 53, § 2º, da CF/88. 2ª) NÃO. Não é possível a prisão preventiva de Deputado Estadual, Deputado Federal ou Senador porque a única prisão cautelar que o art. 53, § 2º da CF/88 admite é a prisão em flagrante de crime inafiançável. O Ministro Teori Zavascki não decretou a prisão preventiva do Senador Delcídio do Amaral. Digo isso não apenas com base na argumentação por ele utilizada, mas também pela forma como escreveu o comando da decisão. Vejamos: […]"Ante o exposto, presentes situação de flagrância e os requisitos do art. 312. do Código de Processo Penal, decreto a prisão cautelar do Senador Delcídio do Amaral, observadas as especificações apontadas e ad referendum da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal."33

Portanto, embora a existência de discussões doutrinárias, o que não pode ser negado é que houve a decretação de uma “prisão cautelar” pelo Poder Judiciário, seja ela preventiva ou sui generis, na tentativa desesperada de suprir a ineficiência dos outros Poderes (representada pela insuficiência das leis elaboradas pelo Legislativo e onda de corrupção sistêmica no Executivo), com o fim de coibir as manobras realizadas pelos infratores que possuem o intuito de burlar a justiça.

Sobre a autora
Liliana Cechinel

Possui graduação em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná(2011), especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Penal pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus(2017) e especialização em Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus(2017). Atualmente é Técnica Judiciária da Tribunal de justiça do estado do PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CECHINEL, Liliana. A ingerência dos meios de comunicação na prisão preventiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5128, 16 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58882. Acesso em: 19 dez. 2024.

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