Conclusão:
Os avanços científicos das técnicas de reprodução humana assistida possibilitam a concepção sem o ato sexual (inseminação artificial), ou ainda, a concepção extra-uterina (fertilização in vitro), o que veio a representar uma realidade nova, totalmente afastada da tradição que fundamentou a codificação civil brasileira.
As inúmeras questões levantadas no decorrer do desenvolvimento deste trabalho, suscitadas por estas técnicas, demonstram a dimensão do problema, que deixou de ser mera especulação teórica.
Afinal, as técnicas de inseminação artificial e de fertilização in vitro já estão ao alcance de muitos casais, que podem fazer a concepção até mesmo post mortem, gerando conflitos com a família do de cujus.
Dentro da Bioética, discute-se até que ponto os cientistas devem buscar satisfazer a vontade do casal ou do indivíduo de realizar o sonho de gerar um filho. Mas no que se refere ao presente trabalho, o que importou foi a atuação do Biodireito, que é o ramo do direito que analisa e aplica as normas vigentes relativas às evoluções científicas biológicas, no caso, relativas à procriação humana.
As regras vigentes preocupam-se principalmente em estabelecer a paternidade da criança gerada pelas técnicas de inseminação artificial e fertilização in vitro, principalmente porque a evolução científica praticamente havia deixado para segundo plano a atuação do juiz na apreciação da prova.
Numa inseminação artificial heteróloga, em que um dos doadores não é o marido ou esposa, a verdade biológica não coincidirá com a verdade jurídica, pois o doador(a) não será genitor(a) da criança, conforme determinação do art. 1.597 do Código Civil.
Neste aspecto, o juiz torna-se novamente a figura central para analisar a validade da autorização concedida pelo cônjuge que não teve participação biológica na geração da criança. Qualquer vício de consentimento comprometerá a paternidade.
Neste sentido, foi essencial a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação de Direta de Inconstitucionalidade 3.510, proposta pelo Procurador Geral da República, na qual, após a oitiva de diversas entidades e representantes da sociedade civil, proferiu entendimento com força vinculativa, adotando a teoria concepcionista, mas no seu viés da nidação.
Segundo entendimento decorrente de maioria de votos do Pleno do Supremo Tribunal Federal na ADIN 3510, a vida inicia-se com a nidação, ou seja, com a implantação eficaz do zigoto (ou ovo) no útero da mulher.
Consequência deste entendimento é deixar de reconhecer qualquer direito ao embrião, inclusive à vida, no que não é possível impor a gestação compulsória de uma grande quantidade de filhos à mulher, sob pena de ofender sua dignidade, vez que tem direito de dispor de seu próprio corpo, como também o direito a uma vida digna dos próprios filhos, que nasceriam num ambiente familiar que os rejeita e que não tem nenhuma condição de lhes proporcionar seus direitos básicos, como acolhimento familiar, sustento e educação.
Além disso, na fertilização in vitro, seja homóloga, seja heteróloga, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, advindo de uma concepção pos-mortem, esta criança não tem capacidade sucessória, pois a vida inicia-se com a implantação eficaz do embrião no colo do útero da mulher.
O Direito, ao estabelecer normas que regulem as procriações artificiais, deve levar em consideração as regras éticas e sociais. Todos os pesquisadores da área jurídica devem estar bem atentos às evoluções da reprodução humana assistida para que o Direito, perante esses progressos, possa dar maior segurança às relações jurídicas, evitando conflitos e abusos que desrespeitem princípios constitucionais, como o direito à vida e a dignidade da pessoa humana.
É notório que o Direito, em relação aos avanços da Medicina, caminha a passos lentos. Todavia, não se pode negar que os conflitos já fazem parte da realidade. Daí ser de suma importância que a nossa Corte Maior tome estas decisões, dando soluções para questões tão polêmicas, pois mesmo uma legislação específica não é suficiente. Somente a tutela jurisdicional é capaz de trazer a paz social e a Justiça.
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Nota
[1] TJSP, 4ª Câm. Ap. nº 166.180-4, Rel. Olavo Silveira, j. 09.11.2000, v. u.
[2] LEITE, Eduardo de Oliveira. Temas de Direito de Família, p. 111.