i - DOS FATOS
Fala-se que o Ministério Público Federal está empenhado nos últimos dias em pedir a rescindir o acordo de colaboração premiada firmado com Joesley Batista.
II - A QUESTÃO DAS PROVAS
Não se trata de anulação da delação, mas de rescisão.
A nulidade e a anulabilidade são sanções impostas aos atos jurídicos, como o acordo de colaboração, que afrontam a lei. Seria o caso de uma colaboração tirada a fórceps.
Já a rescisão ocorre quando uma das partes não cumpre a prestação a que se obrigara. Se Joesley Batista, um dos sócios da empresa, não cumpriu o acordado, as provas podem ser utilizadas, inclusive em seu desfavor. Ainda que se entenda que a gravação da conversa é ilícita, as demais provas não o são, pois não há entre elas relação de causa e efeito, não tendo aplicação a teoria dos frutos da árvore envenenada.
Duas ações relatadas pelo ministro Dias Toffoli — e confirmadas por colegiados no tribunal — pregam que, “ainda que o colaborador” perca benefícios, “suas declarações, desde que amparadas por provas idôneas,” poderão ser consideradas.
Assim a ação controlada que permitiu a prisão de alguém que estava com uma pasta com dinheiro destinada a compra de interesses políticos é fonte independente de investigação e, desta forma, assim como outras provas ali colhidas na investigação da J& S, fruto daquela delação, é prova legítima e legal. O ex-deputado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR), que foi flagrado ao receber uma mala de dinheiro de R$ 500 mil da JBS no estacionamento de uma pizzaria, tinha uma reunião marcada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para 19 de maio deste ano, um dia depois da Operação Patmos, deflagrada com base na delação da empresa. A reunião seria com o então superintendente Eduardo Frade. A informação consta de um e-mail encontrado pela Polícia Federal (PF) num HD apreendido no gabinete de Loures durante a operação.
Sem dúvida a imunidade concedida aos sócios majoritários da J&S, pois é caso de denúncia, ação penal contra os delatores, deve ser objeto de revogação, e, se for o caso de aplicação do artigo 312 do Código Penal, prisão preventiva.
III - DA RESCISÃO
Fala-se na rescisão do acordo mencionado.
Tem-se no Código Civil de 2002, o que segue:
Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.
Originário de uma interpolação levada a efeito quando da codificação de Justiniano sobre os textos de duas constituições dos imperadores Diocleciano e Maximiliano, o instituto da lesão tem sido objeto de muitas discussões.
Na lição de De Page (Traité Élementaire, I, n. 67) definiu-se a lesão como o prejuízo eu uma pessoa sofre na conclusão de um ato negocial, resultante da desproporção existente entre as prestações das duas partes.
O instituto da lesão surgiu nas discussões com relação a compra e venda. No direito português a lesão enorme tinha cabimento nos chamados contratos comutativos e importava na sua rescisão quando uma das partes era enganada em mais da metade do justo preço.
O Código Civil de 1916 aboliu a rescisão por lesão, em contrário do pensamento que havia no direito brasileiro pré-codificado. Falava-se numa lesão enorme como defeito objetivo do contrato; o seu fundamento não era nenhum vício presumido do consentimento, mas assentava na injustiça do contrato em si; já lesão enormíssima fundava-se no dolo com que se conduzia aquele que do negócio tirava proveito desarrazoado, porém dolo presumido ou dolo ex re ipsa, que não precisava de ser perquirido na intenção do agente.
A matéria da lesão se fez presente no Decreto-lei n. 859, de 18 de novembro de 1928, modificado pela Lei 1.521, artigo 4º.
A lesão, no formato moderno, desloca-se do enfoque que era dado apenas a compra e venda e generaliza-se a qualquer contrato.
A lesão não é um vício do consentimento, como observado, no formato legal, uma vez que o desfazimento do negócio não tem por fundamento uma desconformidade entre a vontade real e a vontade declarada. Difere a lesão do erro em que o agente, no momento da declaração de vontade tem a consciência da realidade material das circunstâncias, não há nele o emprego de artifícios por parte de alguém que procure induzir o agente a realizar o negócio jurídico; difere, como ensinou Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil, volume I, 14º edição, pág. 377), difere da coação em que falta o processo de intimidação sobre o ânimo do agente para compeli-lo ao negocio jurídico; e distancia-se da simulação e da fraude. A lesão é limítrofe, pois, aos vícios do consentimento por aproveitar-se o beneficiário da distorção volitiva.
A rescindibilidade do negócio jurídico prescinde de qualquer vicio do consentimento ou de incapacidade da pessoa, sendo o seu pressuposto uma lesão.
Por lesão, como ensinou Roberto de Ruggiero (Instituições de direito civil, volume I, 3º edição, tradução de Ary dos Santos, pág. 276) deve entender-se não a violação comum e genérica da esfera jurídica alheia, mas uma tão grave desproporção entre a prestação dada ou prometida e a contraprestação recebida ou prometida que origine um iníquo depauperamento de um e o injustificado e desproporcionado enriquecimento do outro. No sentido técnico, existe a lesão nos chamados contratos comutativos, quando a prestação de uma parte corresponde uma prestação de outra tão gravemente desproporcionada que exceda qualquer limites toleráveis da livre avaliação dessas partes acerca da vantagem ou do ônus que cada uma promete ou espera no contrato.
De lesão, é certo, ainda se fala em outras diversas relações jurídicas, como, por exemplo, na sucessão hereditária dos legitimários, isto é, daqueles que têm direito a uma quota legítima, pois se diz que há lesão da legítima quando o testador tenha, com disposições mortis causa ou com doações, comprometido a quota própria, isto é: ultrapassado a medida da disponível. Ao herdeiro legitimatário é concedida uma actio supplendam legitimam, que tem por fim a redução das doações e das disposições testamentárias.
A lesão é um vicio de formação sendo apreciada no tempo em que o negócio jurídico foi celebrado. Visa ajustar o contrato aos seus devidos termos, afastando a distorção provocada pelo aproveitamento da necessidade e da inexperiência da outra parte. O objetivo principal da lesão é evitar o enriquecimento sem causa, a exploração usuária de um contratante por outro, nos contratos bilaterais, fundado em negócio totalmente desproporcional
A doutrina admite uma ação de rescisão, só quando a lesão for enorme (laesio enormis), fixando assim a sua medida e circunscrevendo tal ação a casos determinados e fixos como sejam: a lesão na venda de imóveis, quando o vendedor tenha alienado por um preço inferior à metade do preço justo e a lesão na divisão quando o comparte tenha recebido bens inferiores a um quarto do que segundo a própria quota, lhe deviam ser adjudicados.
Fala-se assim numa lesão qualificada que ocorre quando o agente, premido pela necessidade, induzido pela inexperiência ou conduzido pela leviandade, realiza um negócio jurídico que proporciona à outra parte um lucro patrimonial desarrazoado ou exorbitante da normalidade.
Há elementos para realizar a análise dessa situação. O primeiro, de cunho objetivo, situa-se na desproporção evidente e anormal das prestações quando uma das partes aufere ou tem possibilidade de auferir do negócio um lucro desabusadamente maior do que a prestação que pagou, ou prometeu, aferida ao tempo mesmo do contrato. Essa desproporção resulta do excesso sobre um lucro maior do que um quinto da contraprestação da outa parte, que, para parte da doutrina, como o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira (obra citada) parece inconveniente. Lembre-se que das legislações modernas que trataram do instituto nenhuma delas se referiu a uma cifra determinada, destinada a ser um paradigma. O segundo requisito, de natureza subjetiva, será o dolo do aproveitamento, que se configura na circunstância de uma das partes aproveitar-se das condições em que se encontra a outra, acentuadamente o estado de espírito premente de necessidade em que se ache, no momento de acordar. Não seria necessário que o agente induza o outro a praticar o ato, levando-o a emissão de vontade por algum processo de convencimento e nem que tenha a intenção de explorá-lo. Basta que se aproveite, de forma consciente, daquela situação de inferioridade, ainda que momentaneamente do agente, e com ele realize negócio de que aufira um lucro considerado anormal.
Anote-se que a doutrina considera que a lesão não é nulidade de pleno direito do negócio jurídico.
Ensinou Caio Mário da Silva Pereira (obra citada, pág. 379) que, com a lesão, busca-se a rescisão ou ainda o restabelecimento do equilíbrio da diferença necessária ao desaparecimento da desproporcionalidade evidente das prestações. Assim poder-se-ia falar, tal como na anulabilidade, no convalescimento do negócio jurídico, por iniciativa espontânea das partes que independeria de pronunciamento judicial, isto porque não existiu qualquer efeito sobre a capacidade ou a validade da vontade emitida, onde se pode falar em nulidade ou anulabilidade, conforme o caso.
Agiram os delatores com reserva mental razão pela qual o acordo torna-se afrontoso aos interesses da sociedade.
Dá-se a reserva mental, como ensinou Roberto de Ruggiero (Instituições de de direito civil, volume I, pág. 225), na linha de Kohler, Parella (La reticenza nei negozi giuridici, in Scritti in onore di A. Ascoli, pág. 373), quando o declarante quer intimamente uma coisa diversa de que se declara e tem a consciência e até o propósito de emitir uma declaração, desconforme, o que frequentemente se faz para induzir em erro aquele a quem tal declaração se dirige, ainda que não para fins desonestos.