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Personalidade psicopática: implicação no âmbito do direito penal

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Agenda 04/11/2017 às 20:40

3 DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA AO PSICOPATA

Sendo o psicopata uma pessoa incapaz de se autodeterminar e, consequentemente, ser impulsivo, são considerados semi-imputáveis e, portanto, são suscetíveis ao tratamento disposto pela medida de segurança. Por essa razão, Heitor Piedade Júnior alega que este instrumento é a melhor sanção para esses indivíduos:

Postulamos uma profunda reflexão em torno da não punibilidade dos indivíduos portadores de personalidade psicopáticas, desde que “em virtude de perturbação de saúde mental”, tenham esses indivíduos sério comprometimento das faculdades intelectivas e volitivas.

Se postulamos, por um lado, a não punibilidade para esses anômalos psíquicos, por outro lado, em nome da defesa nacional, postulamos que eles sejam submetidos, se perigosos, a um eficaz sistema de Medida de Segurança, em moldes científicos, ditados pelas novas conquistas das ciências penais, criminológicas e sociais, dentre elas, as medidas adotadas pela moderna psiquiatria (JÚNIOR, 1982, p. 228).

No entanto, conforme anteriormente mencionado, as medidas de segurança têm como fim precípuo a cura do indivíduo submetido a esse instituo, ou seja, possuem uma natureza preventiva, de forma a evitar que o criminoso venha a reiterar seus delitos (JESUS, 2003).

Portanto, pode-se afirmar que a medida de segurança é uma forma de sanção penal voltada para criminosos com alta periculosidade, de forma que analisa a probabilidade que este delinquente possui para reiterar suas práticas criminosas, devendo este ser submetido ao tratamento enquanto não for averiguada sua cura ou caso seja atingido o limite máximo da pena que corresponde ao crime cometido (FERRARI, 2001).

Além disso, a Lei de Reforma Psiquiátrica – Lei nº 10.216/2001 – estabelece em seu art. 4º, § 1º, que uma das finalidades deste instrumento é determinar o retorno do paciente à sociedade. Nesse sentido, pode-se concluir que o Estado, ao criar este instituto, teve como objetivo evitar a ocorrência de crimes futuros daquele criminoso que tenha demonstrado alto grau de periculosidade, bem como curar a enfermidade, de forma a contribuir para sua reinserção social. Com isso, entende-se que, para a reinserção do agente na sociedade novamente, é preciso que haja a cessação de sua enfermidade, ou, pelo menos, controlado em parte a sua patologia (GRECO, 2010).

No entanto, apesar da medida de segurança ser cabível para indivíduos com transtorno de personalidade, verifica-se, ao analisar os pormenores da psicopatia, alguns empecilhos ao empregar este instituto para esses criminosos. Primeiramente, no que tange à cura ou ao controle da patologia do enfermo, cabe recordar que a psicopatia não é conceituada como uma doença, mas meramente um transtorno de personalidade, isto é, distúrbios de caráter afetivo e sensitivo, não possuindo qualquer chance de cura (SHINE, 2000).

Desta forma, sendo feito exame de cessação de periculosidade e restar comprovada a cura da pessoa submetida à medida de segurança, a desinternação ou liberação deverá ser concedida após o prazo mínimo de três anos fixado pelo juiz (NUCCI, 2008).

No entanto, devido à facilidade que o psicopata tem de ludibriar as pessoas por ser extremamente envolvente e inteligente, bem como utilizar meios ardilosos para enganar e obter vantagens, ele pode simplesmente adulterar o resultado desse exame, de forma a confundir o profissional que realizar a avaliação (BANHA, 2008). Partindo desse entendimento, estudiosos vêm afirmando que as chances desses criminosos voltarem a delinquir é bastante provável:

Quando a se discutir eventual liberação pela suspensão da medida de segurança, quase há um consenso, com poucas discórdias em torno dele, no sentido de que tais formas extremas de psicopatia que se manifestam através da violência são intratáveis e que seus portadores devem ser confinados. Deve-se a propósito deste pensamento, considerar que os portadores de personalidade psicopática são aproximadamente de três a quatro vezes mais propensos a apresentar recidivas de seu quadro do que os não psicopatas (EÇA, 2010, p. 328).

Corroborando com esse entendimento, o procurador do Banco Central, Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar, afirma que é preciso criar uma política específica para o tratamento desses criminosos, visando a necessidade de combater os efeitos que este transtorno de personalidade traz à sociedade, conforme aduz no trecho abaixo:

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Pode-se dizer que o psicopata exerce uma “função social negativa” com seu comportamento ousado, em claro desrespeito às normas jurídicas e éticas. Trata-se de fenômeno bastante visível no Brasil, onde os cidadãos são frequentemente instigados a abandonarem parâmetros de honestidade, bondade, compaixão e substituí-los por um simples cálculo de custo/benefício, bem ao estilo dos criminosos. Daí a necessidade de se aprofundar no assunto relativamente à psicopatia, visando combater os seus efeitos em todos os segmentos da sociedade (AGUIAR, 2009, p. 10).

O outro problema encontra-se no fato de que o cumprimento da medida de segurança denota um tempo máximo, conforme mencionado anteriormente. Apesar do parágrafo 1º do art. 97 do Código Penal estipular que a internação e o tratamento ambulatorial será por tempo indeterminado, adverte-se a inconstitucionalidade desse dispositivo legal por contrariar a proibição das penas perpétuas, ocasionando uma afronta ao art. 5º, inciso XLVII, alínea b, da CF/1988 (PRADO, 2002).

Posto isto, devido às características inerentes aos indivíduos portadores de personalidade psicopática, a prisão não seria útil para criminosos dessa natureza, tampouco lhes servirá como punição a medida de segurança, demonstrando-se inócua, já que os psicopatas não possuem qualquer chance de cura (ALBERGARIA, 1999).

Desta forma, pode-se afirmar que ainda permanece certa fragilidade acerca deste assunto, concluindo-se que este novo problema dificulta a ação dos juízes e demais profissionais do Direito. Portanto se faz necessária a realização de mais estudos sobre o tema para que sejam criadas normas reguladoras e eficientes que ampare esses indivíduos, bem como assegure um menor risco à sociedade (OLIVEIRA, 2011).

3.1 QUAL A SOLUÇÃO PARA ESSA PROBLEMÁTICA?

Conforme exposto acima, percebe-se que a aplicação da medida de segurança aos portadores de transtorno de personalidade se mostra ineficaz em razão dos elementos que envolvem esse distúrbio. Desta forma, o Estado tem criado uma solução viável para sanar o caso em comento.

Tendo por base esse raciocínio, Alexandre Magno Fernandes Moreira Aguiar afirma que o Estado não deve analisar o psicopata como uma pessoa comum, devendo, pois, propiciar um tratamento diferenciado, bem como estabelecer uma política criminal diferenciada, conforme aduz no trecho abaixo:

No Brasil, os condenados pela prática de crime são vistos pelo Estado da mesma forma que o passageiro de um avião enxerga a floresta abaixo, ou seja, de modo absolutamente homogêneo. O princípio da individualização da pena é frequentemente ignorado na execução penal, sendo comum o tratamento igualitário de pessoas com personalidades absolutamente díspares. Raros são os “biólogos” que se dão ao trabalho de analisar as diferenças entre cada um dos habitantes dessa “floresta”. Dessa crença na “bondade humana”, tem-se por parte de nossa intelectualidade uma defesa intransigente da função ressocializante da pena. Assim, a penalidade aplicável a qualquer espécie de criminoso, por mais cruel que tenha sido o delito, não serviria como punição, mas apenas como oportunidade para que ele se “descontamine” das más influências sociais. Como essa lógica “torta” não combina com a realidade do sistema prisional, a finalidade da pena, de tal ponto de vista, seria reprimir a “classe protelatória”. Nesse contexto, chegam a negar a própria existência de distúrbios psiquiátricos (AGUIAR, 2009, p. 10).

Desta forma, por serem os psicopatas incapazes de obter cura ou melhora, o Estado traz à baila como solução cabível a aplicação da medida de segurança até o tempo máximo para o cumprimento de uma pena, isto é, 30 anos, com a devida avaliação periódica do indivíduo. Persistindo a periculosidade, será decretada interdição do agente.

Corroborando com esse raciocínio, Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli entendem que, se a doença do internado permanecer, a melhor solução é comunicar ao juízo cível para que possa se proceda a internação

Se continuar a doença mental da pessoa submetida à medida de segurança, a solução é comunicar a situação ao juiz do cível ou ao Ministério Público, para que se proceda conforme o art. 1.769 do Código Civil em vigor e efetivar a internação nas condições do art. 1.777 desse mesmo Código (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2004, p. 812).

Desse modo, o Estado tem como coibir a ação desses criminosos de forma a proteger a coletividade, podendo recolher o portador de personalidade psicopática a uma clínica adequada quando interditado, caso não esteja apto a conviver em sociedade (PALOMBA, 2012).

A respeito do assunto, o STF vem aplicando a solução acima descrita no sentido de empregar a interdição civil da pessoa portadora de transtorno de personalidade para que esse indivíduo não traga riscos à sociedade caso venha a ser solto. É o entendimento da decisão abaixo transcrita:

MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual.1ª Turma, 09.11.2004. Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1ª Turma, 14.12.2004. Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1ª Turma, 15.02.2005. Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do Código de Processo Penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do Código Civil, nos termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Unânime. 1ª. Turma, 16.08.2005 (STF – HC: 84219 SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 16/08/2005, 1ª Turma, Data da Publicação: DJ 23-09-2005).

Na mesma esteira, ao julgar o Habeas Corpus nº 130.162, o STJ confirmou o entendimento acima exposto no sentido de que quando a Medida de Segurança é aplicada em substituição à pena corporal sua duração deverá estar adstrita ao tempo que resta para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Todavia, caso a periculosidade não seja sanada, será cabível buscar a interdição do agente perante o juízo cível, conforme aduz o trecho transcrito abaixo:

Não é possível que a medida de segurança, aplicada em razão da superveniência de doença mental no decorrer da execução penal, tenha duração superior à pena privativa de liberdade estabelecida na sentença, pois caberá ao Ministério Público, se entender necessário, em razão da não cessação da periculosidade do agente, desde que estritamente necessário à proteção dele ou da sociedade, buscar a sua interdição perante o juízo cível (STJ – HC: 130162 SP, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 02/08/2012, 6ª Turma, Data da Publicação: DJ 15-08-2012).

Ademais, convém destacar o julgado proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual determina que pessoas portadoras de personalidade psicopática devem continuar internadas em estabelecimento adequado caso sua periculosidade permaneça, devendo a gravidade do agente ser comprovada por meio de laudo psiquiátrico:

Execução penal. Medida de segurança. Internação em hospital de custódia. Laudo atestando a não cessação da periculosidade do agravante. Pedido de realização de nova perícia a fim de que seja verificada a necessidade de manutenção da segregação. Aplicação do disposto na Lei nº 10.216/01. Inadmissibilidade. Periculosidade não cessada. Laudo pericial dando conta apenas do controle da periculosidade durante o tratamento psiquiátrico. Fato comum em psicopatas. Atestado distúrbio de personalidade gravíssimo. Ausência de condições externas e familiares para a continuidade do tratamento. Desinternação não recomendada. Risco social presente. Prorrogação da medida de segurança bem determinada. Agravo não provido (TJ-SP EP: 990091775916 SP, Relator: ALMEIDA TOLEDO, Data de Julgamento: 01/12/2009, 16ª Câmara de Direito Criminal, Data da Publicação: DJ 05-01-2010).

No mesmo sentido, o julgado do STJ:

A possibilidade de interdição de sociopatas que já cometeram crimes violentos deve ser analisada sob o mesmo enfoque que a legislação dá à possibilidade de interdição – ainda que parcial – dos deficientes mentais, ébrios habituais e os viciados em tóxicos (art. 1.767, III, do CC/2002). Em todas essas situações o indivíduo tem sua capacidade civil crispada, de maneira súbita e incontrolável, com riscos para si, que extrapolam o universo da patrimonialidade, e que podem atingir até a sua própria integridade física, sendo também ratio não expressa, desse excerto legal, a segurança do grupo social, mormente na hipótese de reconhecida violência daqueles acometidos por uma das hipóteses anteriormente descritas, tanto assim que, não raras vezes, sucede à interdição, pedido de internação compulsória. Com igual motivação, a medida da capacidade civil, em hipóteses excepcionais, não pode ser ditada apenas pela mediana capacidade de realizar os atos da vida civil, mas, antes disso, deve ela ser aferida pelos riscos existentes nos estados crepusculares de qualquer natureza, do interditando, onde é possível se avaliar, com precisão, o potencial de autolesividade ou de agressão aos valores sociais que o indivíduo pode manifestar, para daí se extrair sua capacidade de gerir a própria vida, isto porque a mente psicopática não pendula entre sanidade e demência, mas há perenidade etiológica nas ações do sociopata (STJ, REsp 1.306.687, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.03.2014).

Apesar da reforma do estatuto da pessoa com deficiência – definida pela Lei nº 13.146/2015 –, afirmar que não há mais possibilidade da pessoa maior e incapaz ser interditada, tal raciocínio não deve ser aplicado nos casos de pessoas com personalidade psicopática, uma vez que seu convívio em sociedade pode acarretar sérios riscos, além de não serem considerados deficientes mentais, posto não ser aplicável tal estatuto a esses indivíduos. No mesmo sentido está o entendimento de Flávio Tartuce:

Aqui, pode ser feita uma crítica em relação ao novo sistema de interdição inaugurado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Isso porque não só o sociopata, como também o psicopata, anteriormente enquadrados como absolutamente incapazes, deveriam continuar a ser interditados. Com a mudança engendrada pela Lei 13.146/2015, somente são absolutamente incapazes os menores de 16 anos, não sendo possível enquadrar tais pessoas no rol dos relativamente incapazes do art. 4.º do CC/2002. Em suma, serão tais pessoas plenamente capazes, para os fins civis, o que não parece fazer sentido. Infelizmente, o legislador pensou apenas na pessoa com deficiência, deixando de lado outras situações concretas (TARTUCE, 2016, p. 1457 e 1458)

Pelo exposto, pode-se asseverar que a solução mais correta para o caso em apreço seria a interdição desses indivíduos após o término do prazo temporal da medida de segurança, seguindo as normas emanadas da Lei da reforma Psiquiátrica – Lei nº 10.216/2001 – em especial o que determina em seu art. 5º, até que os estudos psiquiátricos possam avançar e ter uma resposta mais ajustada às peculiaridades desse distúrbio e, com isso, elaborar ações que melhor se adequem ao caso, sendo imprescindível que haja edição de novas leis nesse sentido.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Gabriella. Personalidade psicopática: implicação no âmbito do direito penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5239, 4 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60784. Acesso em: 5 nov. 2024.

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