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Reforma trabalhista, modernização conservadora e tendências

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3. Algumas tendências após a Reforma Trabalhista

Neste momento, após aprovada a reforma e às vésperas de sua efetiva aplicação, verifica-se certa expectativa do empresariado, dos sindicatos e da população em geral sobre como funcionarão as novas regras impostas pela Reforma Trabalhista.  Por envolver questões muito técnicas, o assunto é dominado apenas por alguns especialistas. Além disso, ao gozar do apoio da grande mídia, predomina uma visão “rósea”, otimista, benéfica ou eufemística da reforma.

Assim, nesta seção, pretendemos, de maneira tópica e tabular, levantar algumas possibilidades mais realistas de repercussão da reforma trabalhista. Tratam-se, ainda assim, de conjecturas, cujo objetivo é ajudar a sistematizar o olhar sobre o futuro.

Variável

Tendência

1

Emprego e massa salarial

Visto no curto e no médio prazo, a tendência é a possibilidade de alguma geração de postos de trabalho com carteira assinada, mas isto NÃO garante:

a) que haverá uma redução expressiva da taxa de desemprego, como alega o governo, posto que o número de empregos de uma economia não depende determinantemente da legislação trabalhista, mas do aumento da taxa de investimento. A taxa de investimento, como se sabe, está comprimida, em virtude de vários fatores, entre os quais a medida de contenção dos gastos públicos;

b) que a massa salarial cresça, já que os contratos de trabalho em sua grande maioria serão mais precarizados, com reflexos no salário médio. Ao contrário: a tendência mais provável é que, mesmo havendo algum incremento de postos de trabalho, ocorra a queda da massa salarial.

2

Produtividade

Vários discursos e artigos dos defensores da reforma trabalhista apontam, genericamente, para o efeito positivo da reforma sobre o aumento da produtividade das empresas e do país. O Ministério do Planejamento veiculou na mídia cálculos que indicam para um suposto aumento entre 1,5% e 2% da produtividade durante os próximos dez anos, em função da reforma trabalhista (O Estado de São Paulo, 3/6/2017).

Os discursos e os cálculos partem da aposta de que a prevalência do negociado sobre o legislado gerará efeitos benéficos, como melhor ajuste e flexibilidade da jornada de trabalho às oscilações de produção. Além disso, os incentivos gerados pelo incremento da renda variável (prêmios, abonos, PLR) - cujo alargamento na composição da renda é permitido pela nova legislação - poderia estar associados às metas de incremento da produtividade.

O home office seria um dos fatores que também contribuiriam para o aumento da produtividade.

Registre-se, porém, que estes cálculos e hipóteses são frágeis, pois não levam em conta também os prováveis efeitos negativos sobre a produtividade gerados pela precarização do trabalho, como é o caso do menor comprometimento dos trabalhadores em função dos vínculos mais tênues com as empresas.

Em razão da inexistência de controle sobre o excesso de jornada de trabalho, é possível que ocorra um aumento dos acidentes e das doenças profissionais. Isto também pode contribuir para reduzir a produtividade.

Sobre o home office, vale citar aqui matéria da Revista Exame, de 28/5/2013, que diz:

“No início de 2013, [a empresa Yahoo!] sacudiu (...) o mundo do trabalho ao convocar todos os funcionários (...) que trabalhavam remotamente para retornar à rotina na sede da empresa, em Sunnyvale, no estado americano da Califórnia. Em nota divulgada aos cerca de 11.500 funcionários, a vice-presidente executiva de pessoas e desenvolvimento (...) afirmou que ‘velocidade e qualidade são muitas vezes sacrificadas quando se trabalha de casa’”.

A mesma matéria da Exame relata que: “Uma pesquisa da locadora de escritórios Regus feita com 24.000 profissionais de mais de 90 países, entre eles o Brasil, apontou os principais problemas do home office. Segundo o estudo, a dificuldade para se concentrar no trabalho lidera a lista de desvantagens. Entre os brasileiros, 64% apontam as distrações familiares como o principal problema e, como reflexo, 44% deles têm dificuldade de concentração em questões do trabalho”.

Vale ter claro ainda, neste tópico, que a produtividade das empresas e da economia um todo tem forte relação com a capacidade do País e das empresas em promover inovações de produto e de processo, adotando as inovações no processo produtivo. A capacidade de inovação, por sua vez, está fortemente relacionada com a qualidade da educação do país. Neste sentido, não são otimistas as projeções para o Brasil, especialmente se levada em conta novamente a política de contenção dos gastos públicos nos próximos vinte anos.

Pelo exposto, não é possível sustentar confiança na existência de uma relação positiva entre a atual reforma trabalhista aprovada e a produtividade das empresas e do país.

3

Investimentos (nacionais e estrangeiros)

A redução do custo do trabalho será apresentada como fator de atratividade do país. É o que se denomina de “competitividade espúria”. Entretanto, como já exposto, a legislação trabalhista e o correspondente custo do fator trabalho não costumam ser elementos decisivos na tomada de decisão das empresas em relação aos seus investimentos. É a expansão do mercado brasileiro que, sobretudo, costuma pesar decisivamente nas decisões de investimento no país.

4

Arrecadação previdenciária

A tendência é de um forte impacto negativo da reforma trabalhista sobre a arrecadação previdenciária.

As empresas devem implementar mudanças em suas políticas de recursos humanos, aumentando o peso da remuneração variável, na forma de prêmios, abonos e PLR, haja vista a não incidência da contribuição previdenciária sobre esses valores. O mesmo ocorre com relação às diárias de viagens.

Outro fator que deverá fazer cair a arrecadação previdência é a própria queda do salário médio (e da massa salarial), em virtude da precarização do trabalho e da terceirização.

Registre-se também a dificuldade da Receita em fiscalizar as inúmeras empresas prestadoras de serviços.  Estas empresas prestadoras de serviços caracterizam-se ainda pelos baixos valores de capital, o que gera a dificuldade de pagamento destes débitos.

A queda da arrecadação previdenciária é um dos pontos de maior vulnerabilidade da nova legislação trabalhista, que pode inclusive quebrar consensos entre os seus defensores.

5

Processos trabalhistas

Os defensores da Reforma Trabalhista argumentam que a nova legislação deverá levar a uma redução dos processos, em função do aumento da segurança jurídica e do aumento dos custos para o trabalhador.

No entanto, como já exposto ao longo deste artigo, a tendência deverá ser o aumento das ações judiciais, tendo em vista as várias contradições e inconstitucionalidades da reforma trabalhista.

6

Espécies de contratação

Dadas as possibilidades abertas pela nova legislação trabalhista, em termos de expressiva redução de custos com as novas contratações, é provável que haja uma redução significativa da  forma tradicional dos contratos de trabalho por prazo indeterminado e um incremento das participações do trabalho temporário, intermitente, autônomo e teletrabalho.

O trabalho terceirizado também deverá ampliar-se significativamente, avançando-se para a atividade-fim das empresas.

6

Desigualdade social

A tendência é que os índices de desigualdade (o Índice de Gini, por exemplo) piorem no país.

A precarização do trabalho, fruto das novas modalidades de contratação do trabalho, combinado com a terceirização em larga escala, deverá ampliar a diferença de inserção dos trabalhadores no mercado de trabalho. O resultado deverá ser um aumento da amplitude da estrutura salarial das empresas e uma piora nos índices de concentração da renda, com o aumento da desigualdade.

7

Sindicalismo

Pelos motivos já expostos, a tendência, a princípio, é o enfraquecimento dos sindicatos, com o consequente rebaixamento das negociações coletivas, bem como a crise financeira de vários sindicatos, gerada especialmente pelo fim da contribuição (imposto) sindical.

Entretanto, é possível vislumbrar um cenário alternativo – construído em um processo de resistência e luta – no qual os sindicatos buscam se reestruturar, especialmente por meio da unificação com outros sindicatos.

Neste cenário, a constituição de sindicatos maiores pode ampliar o de peso destes sindicatos nas negociações e, por conseguinte, viabilizar no longo prazo o surgimento de melhores acordos.

No âmbito do local de trabalho, embora a reforma tenha possibilitado a criação de comissões de empresas desvinculadas do Sindicato, é possível acreditar que, em alguns casos, possa haver uma reação, com a implementação de uma política de aproximação e conquista destas representações pelos Sindicatos.

8

Negociações trabalhistas

Um efeito imediato deverá ser o impasse nas mesas de negociação logo após a Reforma Trabalhista, em virtude dos Sindicatos, legitimamente, almejarem garantir cláusulas que “amenizem” o impacto da reforma.

Outra tendência será a luta permanente dos sindicatos em buscar garantir direitos e conquistas que já estavam consolidados na lei e normas coletivas. Basta um exemplo singelo: a garantia de que a homologação de rescisão contratual seja feita no Sindicato. Assim como este, uma série de normas já estabelecidas como usuais serão postas em xeque, indicando um claro retrocesso nas pautas de negociação.

No médio prazo, as negociações coletivas tendem também a apresentar grau de diferenciação dos conteúdos acordados entre patrões e empregados maior do que se verifica hoje, por conta da adequação do acordo à realidade de cada categoria e da prevalência do negociado sobre o legislado.

No que se refere aos acordos individuais, permitidos pela nova legislação,  a tendência deverá ser o aumento do número destes acordos. Contudo, no médio prazo, é provável que o resultado seja o aumento de pedidos na Justiça da nulidade destes acordos, em razão da fragilidade dos empregados na relação de emprego. É possível que uma parte destes acordos sejam de fato anulados pela Justiça do Trabalho.

Registre-se a tendência de que cresça o número de instituições e profissionais em serviços relacionados ao apoio de empregados e empregadores na arte da negociação.

O papel ampliado da negociação coletiva após a reforma exigirá que as empresas tenham maior transparência e que forneçam aos sindicatos um amplo volume de informações. Os Sindicatos, por sua vez, precisarão estar mais preparados, demandando especialização e capacitação para a negociação. O fortalecimento das assessorias sindicais (jurídicas, econômicas, de saúde do trabalhador, de formação, entre outras), e de entidades como o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE) é essencial na estratégia de fortalecimento sindical.

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Vale concluir este artigo lembrando que o conjunto de regulamentações normativas do trabalho é um fenômeno social complexo e dinâmico. Assim, mesmo que o espirito que norteia a reforma trabalhista seja amplamente favorável ao capital, com o objetivo claro da redução dos custos do trabalho combinado com a segurança jurídica para as empresas, não é possível saber exatamente ao certo o resultado final do processo. A luta dos Sindicatos e das forças democráticas podem sempre alterar o quadro colocado.

O Brasil encontra-se em um momento de ruptura institucional e isto se refletiu na Lei da Reforma Trabalhista aprovada. Contudo, nem o país, nem os atores e instituições do mundo do trabalho, permanecerão sempre nesta quadra cinzenta da vida nacional.


Notas:

1. O Diplomata Paulo Sergio Pinheiro, criador na década de 1980 do Núcleo de Estudos da Violência, afirmou em entrevista ao Valor Econômico de 10/8/2017: “A recém-aprovada reforma trabalhista é um retorno ao século XIX, com jornada de trabalho de até 12 horas. Um deputado até tentou, sem sucesso, reinstalar o trabalho rural sem salário, quer dizer restaurar a escravidão. Em outra frente, vemos o enfraquecimento da repressão ao trabalho escravo”.

2. É digno de registro, pelo simbolismo da resistência, o fato de que, de maneira inédita na história do Congresso, em 11 de julho, dia da votação da Reforma Trabalhista no Congresso, as senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Regina Souza (PT-RN), Lídice da Mata (PSB-BA) e Ângela Portela (PDT-RR), tenham ocupado por sete horas a mesa de trabalhos do Senado para tentar impedir a votação da reforma trabalhista.

3. “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição sócia” (caput, art. 7º da CF).

4. Matéria do jornal Valor Econômico de 14/08/2017 informa que, de acordo com o levantamento do TST, os litígios sobre horas extras representaram de 16 a 19% das ações na Justiça do Trabalho em 2016.

5. A Procuradoria Geral da República (PGR) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF pedindo a declaração de inconstitucionalidade da regra que permite a cobranças das custas, honorários periciais e advocatícios para os beneficiários das justiça gratuita.

Sobre os autores
Jefferson José da Conceição

Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de São Bernardo do Campo. Professor Doutor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (USCS). Ex-economista do DIEESE nas Subseções do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (1987-2003) e da CUT (2003-2008). Autor do livro "Quando o apito da fábrica silencia" (Santo André: ABCDMaior, 2008) e um dos autores do livro "O abc da crise" (São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009).

Maria da Consolação Vegi da Conceição

Advogada. Coordenadora do Departamento Jurídico do Sindicato dos Bancários do ABC. Pós- Graduada em Direito do Trabalho pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONCEIÇÃO, Jefferson José; CONCEIÇÃO, Maria Consolação Vegi. Reforma trabalhista, modernização conservadora e tendências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5732, 12 mar. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61047. Acesso em: 2 nov. 2024.

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