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Home office e a reforma trabalhista

Agenda 20/10/2017 às 14:00

Explana-se algumas reflexões sobre o teletrabalho regulado pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), ante a dispensa do controle de jornada (art. 62, III, CLT, trazido com a reforma) e a possibilidade de controle da jornada de trabalho regulado pelo artigo 6, CLT.

Imagine trabalhar no conforto do lar, fazer seu próprio horário de trabalho, não perder tempo e paciência no trânsito, ter liberdade para outras atividades do dia a dia e ainda ser remunerado para isso? Seria ótimo, porém, ainda que este possa ser o ideal de qualidade de vida, estamos longe de alcançar tamanho grau de excelência.

Com a edição da Lei 13.467/2017, a chamada Reforma Trabalhista passou a disciplinar na CLT o que já acontecia na prática em diversas empresas e órgãos públicos, inclusive no Judiciário.

Estamos falando do home office, tratado na Reforma Trabalhista como teletrabalho, nomenclatura esta que me parece mais simpática.

Em razão do rápido desenvolvimento tecnológico, acelerando a troca de informações e os meios de comunicação, a figura do teletrabalho se torna cada vez mais frequente nas relações entre empregador e empregado, os quais, ainda que sem norma prevista na CLT, já estabeleciam regras para essa forma de trabalho. Assim, para conferir maior segurança jurídica a essa forma de labor, a Reforma Trabalhista passou a disciplinar o tema acrescentando o Capítulo II-A ao Título II da CLT. Assim versa o artigo 75-A, CLT:

Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.

Como se verifica, toda e qualquer legislação estranha à CLT não servirá para disciplinar a matéria, devendo empregador e empregado observarem apenas as regras estabelecidas pela Reforma Trabalhista.

O artigo 75-B, por sua vez, define o que é teletrabalho:

Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Devemos analisar o artigo com calma.

O primeiro ponto de destaque diz respeito ao serviço prestado preponderantemente fora das dependências da empresa, ou seja, o teletrabalhador pode exercer suas atividades na própria residência.

Pelo que se verifica, o legislador não exigiu que o serviço seja prestado exclusivamente fora das dependências do empregador, mas que assim o seja pelo maior período. Com isso, nada impede o trabalhador em regime de teletrabalho comparecer à sede da empresa, cujo fato não desnatura o home office. Nesse sentido, inclusive, é a regra do parágrafo único, artigo 75-B, CLT: “O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho”.

Além da atividade preponderamente fora da empresa, há a necessidade de utilização de tecnologias de informação e de comunicação, ou seja, os equipamentos utilizados pelo teletrabalhador devem conter recursos de telefonia, móvel e/ou fixa, e de informática, aqui englobando equipamentos de hardware, internet e softwares que permitam a realização das atividades.

Mais adiante o artigo 75-B informa que o teletrabalho é o serviço prestado que, por sua natureza, não se constitua trabalho externo.

Cabe, aqui, fazer a necessária distinção, ou seja, importante ter em mente que trabalho externo é aquele desempenhado por trabalhador cuja atividade obrigatoriamente, pela sua natureza, é desenvolvida fora da sede da empresa. Para facilitar a compreensão, podemos exemplificar algumas dessas funções como técnicos de TV a cabo que atendem nas residências, vendedores externos, instaladores de antenas, leituristas, entre outros. Com efeito, a própria atividade os obriga a atuar fora das dependências da empresa.

Com o teletrabalho isso não acontece, visto que a atividade que seria realizada na empresa também pode ser realizada na casa do empregado, desde que de forma preponderante e com a utilização de meios de tecnologia da informação e comunicação. Vale dizer que no teletrabalho a atividade tanto pode ser realizada na empresa, no escritório, como na residência do colaborador.

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Visto ser possível a realização de trabalho fora das dependências da empresa, surge um problema de difícil equacionamento, qual seja, estabelecer a jornada de trabalho do teletrabalhador.

Nesse contexto, importante lembrar o teor do artigo 6º, CLT:

Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único.  Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.

Pela leitura do dispositivo legal, parece-nos evidente que a jornada do teletrabalhador pode ser controlada, visto que há vínculo de emprego e a lei não distingue o trabalho realizado na sede da empresa com aquele executado no domicílio do empregado ou à distância. E mais, versa que “os meios telemáticos de comando, controle e supervisão”, podem ser utilizados para controle da jornada. É o que acontece, por exemplo, com o monitoramento de colaboradores por meio de aparelhos celulares, palmtop, acesso remoto a sistemas de computador, entre outros meios.

 Dentro dessa lógica, o período que o teletrabalhador fica de plantão aguardando ordens do empregador deve ser remunerado como sobreaviso e o período de trabalho, ainda que remoto (teletrabalho), deve ser remunerado como horas extras.

Contudo, esse não foi o entendimento do legislador que optou pela inclusão do inciso III, ao artigo 62, da CLT, dispensando o teletrabalhador de qualquer controle de jornada.

Como se percebe, mesmo sem ter entrado em vigor, a regulamentação legal do teletrabalho já suscita questionamentos, em especial pelos representantes do MPT.

A questão do controle de jornada do telerabalhador é tão tormentosa que até o próprio Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, que regulamentou o teletrabalho através da Portaria 154/2016 (24/08/2016), estabelece no artigo 19 que “o alcance das metas de desempenho pelos servidores em regime de teletrabalho equivalerá à frequência integral mensal”, valendo lembrar que a própria Portaria estabelece que para os servidores em regime de teletrabalho, as metas de desempenho serão de, no mínimo, 15% superiores às daqueles que não se submetem à essa modalidade de trabalho e executem as mesmas atividades (art. 5º).

Acredito, particularmente, que uma alternativa para o Judiciário será aplicar ao teletrabalho, de forma extensiva e por analogia, o entendimento do inciso I, artigo 62, CLT, ou seja, estará livre do controle de jornada apenas o teletrabalhador que exercer sua atividade externa de forma incompatível com sua fixação. Contudo, pela letra fria da lei, não se aplicam as regras de jornada de trabalho ao home office, cujo trabalhador jamais receberá horas extras, intrajornada, interjornada ou noturnas, porém, por outro lado, não poderá sofrer advertências, suspensões ou descontos salariais por atrasos ou faltas.

Prosseguindo no tema, verificamos pela leitura do artigo 75-C, CLT, que a modalidade de teletrabalho deve constar de maneira expressa no contrato de trabalho, especificando as atividades que deverão ser realizadas.

Nesse particular, importante destacar que o parágrafo primeiro do referido artigo estabelece textualmente que “poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual”.

Atenção, a lei fala em acordo entre as partes, ou seja, a transferência do regime presencial para de teletrabalho não pode ser imposto pelo empregador ao trabalhador.

Contudo, uma vez estabelecida essa modalidade de trabalho, somente o empregador poderá convertê-la em presencial (poder diretivo), observado um prazo de 15 (quinze) dias para adaptação. Essa é a regra do parágrafo segundo do artigo 75-C, da CLT, pela Lei 13.467/2017: § 2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual”.

Outra questão que gera discussões diz respeito ao artigo 75-D, CLT:

Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.

Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.

A primeira impressão que temos pela leitura do artigo é de que se está transferindo ao trabalhador a responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento de todo o equipamento tecnológico e infraestrutura necessária para realização de suas atividades em regime de teletrabalho. Com efeito, vem à lembrança a regra do artigo 2º, CLT, visto que o risco do empreendimento e da atividade desenvolvida sempre será do empregador.

Devemos, porém, atentar para uma palavra importante no referido artigo, qual seja, reembolso.

Analisando o artigo de maneira mais detida, possível perceber que as partes deverão, por meio de contrato escrito, estabelecer os temos pelos quais o empregador reembolsará o trabalhador pelas despesas com aquisição, manutenção ou fornecimento de equipamentos. Assim, ainda que o trabalhador tenha que antecipar esses valores, o contrato deverá estipular a forma de reembolso, ressarcindo-o de qualquer despesa e fazendo jus à regra do artigo 2º, CLT, quanto à responsabilidade do empregador pelos ônus de sua atividade.

Nesse aspecto, voltando à regulamentação do TRT da 12ª Região quanto ao teletrabalho, temos que o Tribunal é muito mais severo ao estabelecer no artigo 17 da Portaria 154/2016, que “compete exclusivamente ao servidor providenciar as estruturas física e tecnológica necessárias à realização do teletrabalho, mediante uso de equipamentos ergonômicos e adequados”.

A dúvida que persiste, no entanto, diz respeito às despesas ordinárias, ou seja, aquelas que o empregado já possuía antes do teletrabalho. Quanto ao ponto, divergências certamente irão surgir, contudo, entendo que se o teletrabalho não implicar em um aumento de consumo de energia, aumento na capacidade de banda larga da internet, tampouco necessidade de aquisição de novos equipamentos, não haverá nenhum reembolso pelo empregador, visto que as despesas já eram custeadas pelo trabalhador. Por analogia, podemos tomar a questão das despesas com lavação de uniforme, na maioria das vezes lavados juntos com as demais roupas de uso do próprio trabalhador ou membros de sua família.

Lógico, porém, que qualquer despesa extraordinária necessária para a realização do trabalho, especialmente se por solicitação do empregador, deverá ser reembolsada na forma do contrato estabelecido entre as partes.

Já quanto ao parágrafo único do artigo em questão, as utilidades não possuem natureza salarial, visto que fornecidas e utilizadas para o trabalho e não pelo trabalho prestado em regime de home office.

Por fim, finalizando os artigos referentes ao teletrabalho, temos que por força do artigo 75-E, CLT, compete ao empregador instruir de maneira ostensiva os empregados submetidos à essa modalidade de trabalho quanto às precauções necessárias a fim de evitar problemas de saúde e acidentes de trabalho. Deve, para tanto, exigir que o empregado assine um termo de responsabilidade se comprometendo a seguir as instruções fornecidas, podendo a recusa injustificada ser considerada ato de indisciplina e insubordinação.

Enfim, diante do acima exposto, ora apresentado em linhas superficiais visto que o tema demanda uma pesquisa mais profunda, possível constatar que há um grande campo para questionamentos judiciais, em especial no que diz respeito à jornada de trabalho em regime de teletrabalho.

Sobre o autor
Cristian Luis Hruschka

Advogado inscrito na OAB/SC 13.604. Sócio do escritório Ruediger Hruschka Advogados Associados. Professor de Direito Material do Trabalho e Direito Processual do Trabalho na FAMEBLU/UNIASSELVI. Professor no MBA da EXCELSU/INPG de Direito do trabaloh para Gestão de Pessoas. Autor de artigos jurídicos, conteudista e participante de antologias literárias. Autor da novela "Na Linha da Loucura", publicada pela Ed. Minarete/Legere em 2014 (www.facebook.com/nalinhadaloucura).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HRUSCHKA, Cristian Luis. Home office e a reforma trabalhista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5224, 20 out. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61197. Acesso em: 22 dez. 2024.

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