Presenciamos no momento a euforia nos meios militares com relação à promulgação da Lei 13.491/17 que, em termos gerais, encaminha à competência da Justiça Militar todos os crimes perpetrados, em tese, por militares em serviço ou em razão da função. A única exceção é aquela do Tribunal do Júri, valendo, grosso modo, praticamente somente para as Polícias Militares, mas não para as Forças Armadas, pois que estas, em certas circunstâncias, que seriam mesmo aquelas em que poderia ter competência a Justiça Comum, têm assegurado o foro da Justiça Militar (vide artigo 9º., II e §§1º. e 2º., da Lei 13.491/17). [1]
A aprovação de tal legislação foi produto de um fortíssimo “lobby” do setor militar perante o Poder Legislativo e Executivo. Observe-se que com a menção a tal “lobby”, não se pretende, de forma alguma, desmerecer as instituições militares, nem mesmo o conteúdo da legislação (não por esse motivo). Isso porque o “lobby” é um procedimento político legítimo na democracia, podendo ser exercido por qualquer pessoa ou grupo na defesa de seus interesses. Afinal:
“Lobby é uma palavra de origem inglesa e que significa ‘antessala’ ou ‘salão’, na tradução literal para a língua portuguesa. No entanto, este termo é comumente utilizado para designar um grupo de pessoas, físicas ou jurídicas, que se organizam em torno de um objetivo em comum e tentam interferir nas decisões do poder executivo e legislativo para que estas coincidam com os seus interesses.Os lobbys, também conhecidos por grupos de pressão, são muito comuns no âmbito político. Teoricamente, são tidos como uma forma de debater e comunicar os interesses de determinados grupos sociais ou de interesse aos parlamentares ou executivos do governo.Quando utilizado de maneira transparente e saudável, o lobby pode ser uma importante ferramenta que garante os direitos civis e políticos dos grupos sociais. Aliás, está entre os deveres do cidadão influenciar e participar de maneira ativa nas decisões do legislativo, assegurando um equilíbrio e melhor qualidade de vida para todas as classes sociais e econômicas do país” (grifos no original). [2]
A questão é que na efusivas e festeiras manifestações dos setores militares, parece que há uma crença de que a Justiça Comum poderia ser prejudicial aos militares e que a justiça castrense lhes é alguma espécie de benefício ou ganho político ou de poder.
Realmente, considerando o aspecto geral da novel legislação, a modificação de competência concede aos militares a vantagem de serem julgados por seus pares, num apartado dos demais cidadãos em situações que não justificam tal privilégio, pois que se referem a atividades tipicamente civis, onde a horizontalidade das relações intersubjetivas deve imperar.
Contudo, observando um detalhe, ocorre um prejuízo de menor monta aos militares. Acontece que em todos os casos de infrações penais de menor potencial ofensivo, para as quais seria aplicada a Lei 9099/95, com todos os seus benefícios, tais como “composição civil de danos”, “transação penal” etc., na Justiça Militar, haverá o impedimento de aplicação de qualquer dispositivo dessa legislação menos rigorosa. Isso por força do artigo 90 – A da Lei 9099/95. [3] Aliás, tal artigo foi incluído na Lei 9099/95 por pressão da própria Justiça Militar e setores militares, os quais eram contra os institutos consensuais da Lei 9099/95, tendo em vista o “Princípio de Hierarquia” que rege o militarismo, daí surgindo a Lei 9.839/99 que incluiu na Lei 9099/95 o artigo 90 – A. [4]
Assim sendo, casos como os de Abuso de Autoridade, cuja pena máxima não ultrapassa 6 meses (Vide artigos 3º. e 4º. da Lei 4898/65) e lesão corporal culposa simples no trânsito (artigo 303, “caput” da Lei 9.503/07), dentre outras situações, não permitirão a aplicação aos militares dos benefícios da Lei 9099/95, o que não ocorreria na Justiça Comum, pois todo o trâmite se daria nos chamados “Juizados Especiais Criminais”.
Como se aponta no texto, foi apenas um “tirinho de menor potencial no pé”, eis que migraram para a Justiça Militar o homicídio (no caso das forças armadas) e vários crimes bem mais gravosos, sendo o maior exemplo a tortura. Mas, de qualquer modo, geralmente não é possível ganhar tudo em todos os aspectos.
REFERÊNCIAS
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Crimes Militares Praticados Contra Civil – Competência de acordo com a Lei 13.491/17. Disponível em www.jus.com.br , acesso em 19.10.2017.
GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2002.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
SIGNIFICADO de Lobby. Disponível em https://www.significados.com.br/lobby/ , acesso em 19.10.2017.
Notas
[1] Sobre o tema já foram feitos comentários mais aprofundados por este autor: CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Crimes Militares Praticados Contra Civil – Competência de acordo com a Lei 13.491/17. Disponível em www.jus.com.br , acesso em 19.10.2017.
[2] SIGNIFICADO de Lobby. Disponível em https://www.significados.com.br/lobby/ , acesso em 19.10.2017.
[3] Teor: “Artigo 90 – A – As disposições desta Lei não se aplicam no âmbito da Justiça Militar”.
[4] Sobre a discussão antecedente e posição do STF pela possibilidade de aplicação da Lei 9099/95 aos militares antes da reforma da Lei 9099/95 pela Lei 9839/99, vide: GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, FERNANDES, Antonio Scarance, GOMES, Luiz Flávio. Juizados Especiais Criminais. 4ª. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 345. No mesmo sentido, chamando a atenção para as decisões contrárias à posição do STF, antes da reforma, pelos Tribunais Militares, sempre rechaçando a Lei 9099/95 no âmbito castrense, vide também: MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. 5ª. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 418.