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Títulos de crédito virtuais: existência e validade

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Agenda 27/04/2018 às 15:20

É legal a emissão de títulos de crédito virtuais, desde que o documento eletrônico gerado atenda aos requisitos da espécie cartular gerada.

1. INTRODUÇÃO

Alguns institutos jurídicos têm uma relevância no seio da sociedade que os tornam mais visíveis e, consequentemente, mais importantes dentro do ordenamento jurídico. Este é o caso dos títulos de crédito, os quais, ao lado do direito societário, tiveram e têm um papel de destaque na estruturação, funcionamento e desenvolvimento do capitalismo.

Isto porque, os títulos de crédito possibilitam e, principalmente, dão segurança jurídica à circulação do próprio crédito, permitindo assim maior velocidade e menor burocracia à transferência das riquezas. É importante mencionar que foi através dos títulos de crédito que surgiram as primeiras transações bancárias e também cambiárias e há mesmo quem defenda que os atuais títulos e valores mobiliários devem sua evolução aos títulos de crédito.

Neste diapasão, mostra-se redundante ressaltar a relevância das cédulas de crédito para a atividade bancária moderna, de forma que é fácil concluir pela importância deste instituto jurídico.

Por outro lado, por terem essa notável relevância, os títulos de crédito também são frequentemente instados a se modificarem, seja para criarem-se novos tipos de títulos, seja para alterarem regras dos já existentes, ou ainda para tornar mais moderna a doutrina e legislação,

Neste aspecto, a revolução tecnológica tem imposto forte pressão sobre o direito cambiário para que este se adapte à nova era virtual, tornando possível não só a sobrevivência de seus institutos nesta nova conjuntura, mas tornando possível que eles se mantenham como pilares da economia, dando novamente segurança e agilidade às transações comerciais, como sempre o fizeram.

Sendo assim, parece-nos que é imprescindível para a sobrevivência do direito cambiário a sua conformação ao comércio eletrônico, de forma a permitir o uso das cambiais no novo ambiente virtual. Aliás, a legislação, tanto pátria quanto estrangeira, já tem se orientado neste sentido, acompanhando as diletas vozes doutrinárias que neste sentido ecoam.

Desta forma, este nosso estudo pretende perquirir qual a posição atual do Direito Brasileiro com relação aos títulos de crédito virtuais, especialmente para saber se estes têm existência e validade.

Neste espeque, nosso objetivo será demonstrar que a teoria e legislação vigentes aceitam e possibilitam o uso dos títulos de crédito eletrônicos sem necessidade de adaptação ou negligência dos princípios e regras atuais.

Para tanto, faremos esse paralelo impróprio com a escada ponteana, para refletir sobre a existência e validade dos títulos virtuais. Neste sentido, analisaremos os posicionamentos doutrinários e dispositivos legais sobre o tema, de forma a entender se os documentos eletrônicos realmente podem ser considerados documentos jurídicos, bem como ponderando a validade da assinatura digital, com o uso dos certificados digitais.

Apesar desta base teórica e legislativa onde queremos nos apoiar, tencionaremos ir além, sustentando que, pela mesma forma que já se aceita no ordenamento jurídico a assinatura de contratos pela forma digital, também haverá de se aceitar a assinatura nos títulos de crédito, inexistindo, assim, óbice à imediata utilização desta nova forma cambiária, diante do arcabouço legislativo em vigência.

Para trilharmos este ambicioso caminho, analisaremos detidamente a história e evolução dos títulos de crédito, posto que entendemos ser crucial, que, para propormos e entendermos o desenvolvimento de um instituto jurídico, saibamos as suas origens, motivação e alterações que já sofreu durante sua evolução. Adentraremos também na conceituação, caracterização e análise dos atributos dos títulos de crédito, posto que imprescindível para qualquer pesquisa que aborde o proposto tema.

Teremos ainda que abordar a teoria do documento, para analisar a existência do título de crédito virtual, posto que este não tem manifestação material (ou mesmo física, no sentido de ser palpável); cabendo-nos questionar a possibilidade de um documento existir apenas no mundo dos “bits” de um computador.

Deveremos também analisar as novas disposições legais sobre a assinatura digital, seus requisitos e possibilidades de uso para definirmos se, contendo tal assinatura, o título virtual poderá ter a sua validade defendida, para que venha a ter algum efeito jurídico.

Para chegar a tanto, utilizaremos a pesquisa bibliográfica como fonte principal, através de livros, revistas especializadas, legislação, textos da rede mundial de computadores e jurisprudência nacional.

Tentaremos, sempre que possível, utilizar uma abordagem relacionada à legislação vigente, de forma a demonstrar que as idéias esposadas têm cabimento dentro do direito positivo.

Para orientar o leitor, utilizaremos os termos título de crédito, cambial e cambiariforme como indistintamente sinônimos.

As traduções existentes no texto foram livremente feitas por nós, assim como os grifos das citações correspondem aos originais, salvo os casos em que expressamente avisaremos.


2.      OS TÍTULOS DE CRÉDITO

Este capítulo será dedicado ao estudo do surgimento dos títulos de crédito, suas características, princípios e atributos e também ao entendimento dos conceitos, princípios e fundamentos dos mesmos, para entendermos a gênese e os pilares deste instituto jurídico.

2.1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO NA HISTÓRIA

Não obstante alguns autores formularem opiniões de que existiam formas embrionárias dos títulos de crédito na China Antiga ou mesmo na Grécia[1], a grande maioria concorda que os títulos de crédito começam a tomar a forma que vieram a ter na atualidade na Idade Média[2].

Em verdade, neste período é que surge a letra de câmbio, que foi a primeira cambial a ser criada.

A doutrina divide a história da letra de câmbio em três fases, a saber, italiana, francesa e alemã.

A primeira, italiana, é a base do surgimento dos títulos de crédito e ocorreu diante da conjunção de diversos fatores[3].

Para analisar estes fatores precisamos lembrar do momento histórico vivido na Idade Média, especialmente na Itália, onde existiam, em verdade, diversos pequenos Estados independentes entre si, tendo cada um a sua própria moeda. Só de olhar para o mapa da península itálica da época podemos imaginar a dificuldade vivida pelos comerciantes diante dos incontáveis “países” que existiam.

Por outro lado, nesta mesma época, a insegurança era grande e os assaltos nas estradas bastante frequentes. Importante lembrar que essa insegurança, de certa forma, também decorria da fragmentação dos Estados, pois cada soberano apenas assegurava os domínios que estavam dentro dos muros das Cidades-Estados, deixando à própria sorte os caminhos dos comerciantes[4].

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Devemos também mencionar que o comércio, enquanto atividade econômica organizada, ainda estava nos seus primeiros passos, de forma que ainda não tinha a importância e influência de que hoje goza para reivindicar a melhoria da segurança e/ou unificação das moedas.

Neste sentido, clarifica a doutrina de Wille Duarte Costa, a qual informa que a situação de dificuldade vivida pelos comerciantes era insuportável. A quantidade de cidades, moedas e a insegurança dos trajetos, continua o autor, gerava prejuízos insuportáveis aos burgueses[5].

A solução encontrada para os problemas, pelos comerciantes foi, ao invés de levarem consigo as moedas para realizar o câmbio no destino, depositar as quantias no banco do país de origem e o banqueiro emitia uma carta (em italiano lettera), informando ao banco do destino que pagasse ao comerciante o valor ali discriminado[6].

Neste sentido:

Ante as dificuldades e perigos que oferecia o transporte de valores e materiais preciosos de um ponto a outro dos territórios, e especialmente pelo mar, em épocas de proliferação da pirataria, a solução encontrada foi o depósito do dinheiro nas casas bancárias[7].

Surgia, assim, a carta (ou letra) de câmbio, que nada mais era que um instrumento de segurança aos comerciantes, para que não precisassem carregar valores pelas perigosas estradas, bem como para facilitar o intrincado sistema de câmbio que existia à época.

Com o recrudescimento do comércio e do crédito, essas letras de câmbio passaram a ser cada vez mais utilizadas.

Ocorre que, por muitas vezes, o beneficiário do crédito não queria ir ao banco para sacar a importância, mas queria de logo usar a própria carta para “passar” o crédito, acelerando a sua transação e ganhando, assim, mais tempo para adquirir e vender mais mercadorias.

Essa possibilidade foi abraçada, primeiramente, pelo Direito Francês, em 1673, quando a Ordenança de Comércio passou a aceitar a letra de câmbio como instrumento de pagamento. Surgiu então o endosso e a cláusula à ordem, que permitiam que o beneficiário de uma letra a usasse como meio de pagamento, entregando-a a terceiro como se dinheiro fosse[8].

Entretanto, ainda nesta fase francesa a letra continuava vinculada a um depósito ou outro contrato junto ao banco emissor, negócio que servia de lastro à mesma e, por conseguinte, dava-lhe validade.

Somente na fase alemã, que registra-se em meados do século XIX, foi que a letra de câmbio desvinculou-se de qualquer negócio jurídico subjacente, podendo ser emitida por qualquer motivo, bastando-lhe apenas as assinaturas e os requisitos formais prescritos em lei[9].

Nesta fase, a letra já apresenta os principais atributos hodiernos dos títulos de crédito, demonstrando, assim, que a evolução e maturidade do instituto sempre esteve ligada à necessidade do comércio e da economia.

Ocorre que os títulos de crédito assumiram importância e aceitação tamanha que na Convenção de Genebra, em 1930, diversos países assinaram a Lei Uniforme de Genebra, que unificou as disposições normativas dos países signatários sobre a letra de câmbio e a nota promissória[10].

Vemos assim, que ainda no século passado a legislação dos títulos de crédito tendia a avanços significativos com a uniformização de leis entre diversos países, numa situação sem precedentes, porém sempre contribuindo com o recrudescimento da atividade econômica e fortalecimento do crédito.

2.2. PRINCÍPIOS, CARACTERÍSTICAS E ATRIBUTOS DOS TÍTULOS DE CRÉDITO

“Título de crédito é o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”[11] este conceito de Cesare Vivante é unanimemente aceito pela doutrina como o melhor para definir com precisão o instituto.

Esta definição, em seu bojo, já elenca os principais atributos dos títulos de crédito, quais sejam a cartularidade (documento necessário), a literalidade (direito literal) e autonomia (autônomo).

 Ainda explica o autor que:

Diz-se que o direito mencionado no título é literal porquanto ele existe segundo o teor do documento. Diz-se que o direito é autônomo, porque a posse de boa-fé enseja um direito próprio, que não pode ser limitado ou destruído pelas relações existentes entre os precedentos possuidores e o devedor. Diz-se que o título é o documento necessário para exercitar o direito, por que enquanto o título existe o devedor deve exibi-lo para exercitar todos os direitos, seja principal, seja acessório, que ele porta consigo e não se pode fazer qualquer mudança na posse do título sem anotá-la sobre o mesmo. Este é o conceito jurídico, preciso e limitado que deve substituir-se à frase vulgar pela qual se consigna que o direito está incorporado no título[12].

Vale mencionar que o conceito apresentado pelo doutrinador italiano afasta a ideia que já existiu de que a cártula incorporava o direito do crédito, posição que, atualmente, seria impossível defender, posto que em sendo o direito de crédito subjetivo, ele está vinculado às relações entre pessoas e não incrustado em coisas. Aliás, o próprio Vivante já ressaltava tal questão, que era controversa à época, dada a teoria de Savigny sobre a incorporação, como bem nos informa Newton de Lucca[13].

 Vale dizer que, se o direito estivesse na cártula, a perda da mesma seria a perda do direito, porém é incontroverso que mesmo perdida a cártula, pode o credor cobrar o seu débito, provando-o de outra maneira (ele apenas perderá as vantagens do título de crédito, como possibilidade de endosso, executividade, etc) ou com a emissão de outro título. Ainda, frisamos que, no caso da duplicata, a perda ou mesmo inexistência do título original não impede sequer a execução do crédito, dadas as disposições legais que permitem suprir a cártula por outros documentos.

Sendo assim, não obstante o claro e sintético conceito apresentado, deveremos aprofundar nas características dos títulos de crédito, de forma a permitir melhor entendimento dos mesmos, como passamos a fazer de forma individual.

2.2.1. Cartularidade

A cartularidade é o princípio cambiário pelo qual exige-se a existência e apresentação do documento para comprovação do direito creditório[14].

Ou seja, para a existência do título de crédito é necessária a existência da cártula, sendo esta o documento que contém a descrição da obrigação creditícia.

Vale frisar, novamente, como já mencionado quando detalhamos o conceito de título de crédito de Vivante, que o direito cambiário não está incrustado na cártula, mas esta é a representação dele e só por ele pode ser exercido o direito cambiário[15].

Desta forma, aquele que perde a cártula não perderá o seu crédito, necessariamente, mas poderá perder as vantagens que o título de crédito lhe oferece.

Também pelo princípio da cartularidade, o devedor do título só deverá pagar o mesmo a quem o apresente-lhe para quitação. Neste ponto, devemos lembrar que as obrigações cambiárias são, em regra, querables, ou seja, o credor deverá ir ao devedor exigir seu pagamento[16].

Sendo assim, ao ir exigir a quitação do crédito, deverá o credor apresentar o documento, devendo ainda o devedor exigir a entrega do título após a quitação do débito[17].

Podemos assim sintetizar que pela cartularidade, vinculamos a obrigação cambiária ao documento representativo da mesma, ao qual denominamos título de crédito, passando este documento a ser obrigatório nos futuros atos sobre o crédito.

Neste sentido bem sintetiza Newton de Lucca ao mencionar que o documento é imprescindível ao exercício do direito cambiário, porém este documento também deverá estar apto à exigência deste direito (neste sentido, o citado autor vincula os princípios cambiários, pois deverá ser apresentado o documento, mas este deverá conter o direito literal e autônomo)[18].

Este princípio é o que mais causa resistência à adoção dos títulos de crédito virtuais[19], entretanto, esta resistência parece-nos descabida, pois, como demonstraremos, a mesma se fundamenta na não aceitação dos arquivos digitais como documentos. Este pensamento deriva do entendimento de que apenas os impressos ou escritos em papel são documentos, noção que remonta ao surgimento dos títulos de crédito, no final da Idade Média, quando apenas o papel produzia documentos[20].

Por outro lado, existem opiniões no sentido de que o princípio da cartularidade não é compatível com a atual realidade eletrônica, pelo que deverá, gradativamente, ser reduzido até o total esquecimento[21]. Discordamos frontalmente destas posições, posto que entendemos pela compatibilidade da cartularidade com os títulos eletrônicos como demonstraremos alhures.

Sendo assim, não obstante a cartularidade ainda ser um princípio fundamental e importante no direito cambiário, o mesmo tem de ser adaptado aos novos conceitos e mesmo tem sido relativizado em alguns pontos, para permitir a melhor facilidade nas negociações e circulação do crédito, o que parece-nos ser a vocação primeira das cambiais.

2.2.2. Literalidade

Pela literalidade, complementamos a cartularidade, acrescentando que além da necessidade de apresentação do documento, a obrigação cambial restringe-se aos exatos termos constantes do título. Aqui, cabe-nos transcrever a síntese de Tullio Ascarelli:

O direito decorrente do título é literal no sentido de que, quanto ao conteúdo, à extensão e às modalidades desse direito, é decisivo exclusivamente o teor do título.[22]

Sendo assim, a obrigação creditícia deverá estar claramente exposta e escrita na cártula, sendo que somente o que assim estiver integrará o título de crédito.

A literalidade, desta forma, impõe que todas as obrigações e atos pertinentes aos títulos sejam-lhes inscritos, sob pena de inexistência. Por isso, os endossos, avais e mesmo quitações parciais, têm de ser escritos na cambial, para evitar o não conhecimento[23].

Este princípio, então, visa à segurança jurídica quando da circulação do título, posto que aquele que negocia sabe que terá direito apenas ao quanto consignado no título. Já o devedor, por sua vez, sabe que será apenas obrigado pelo quanto inscrito na cártula.[24]

Sintetizando, temos que, de acordo com o princípio da literalidade, todos os direitos e obrigações cambiários serão aqueles escritos no título de crédito, ou na melhor definição de Newton de Lucca, “a literalidade visa à subordinação dos direitos cartulares unicamente ao ‘teor da escritura’, atribuindo relevância jurídica somente aos elementos expressos na cártula”[25].

2.2.3 Autonomia

Este talvez seja o princípio mais importante dos títulos de crédito, posto que é aquele que fundamenta a sua facilidade de circulação, permitindo assim a facilitação do crédito.

De acordo com o princípio da autonomia, o título de crédito não se vincula à obrigação que lhe deu causa. Ou seja, uma vez emitida a cártula, esta desprende-se da relação de direito originária (comumente chamada de relação jurídica subjacente ou apenas relação subjacente), tendo existência separada[26].

Sendo assim, se um determinado sujeito emite um cheque para honrar o pagamento de uma compra e venda realizada, este cheque, embora emitido para quitar o preço do bem, desprende-se desta relação subjacente e poderá, em muitos casos, ser cobrado mesmo que a compra e venda venha a ser anulada ou mesmo rescindida.

Além disso, temos que se uma das obrigações inscritas no título for inválida, as demais subsistirão, dada a independência entre as mesmas.

A justificativa desta autonomia está, segundo a balizada lição de Newton de Lucca na natureza constitutiva do título de crédito, ou seja, como o título de crédito constitui uma obrigação creditícia e esta é autônoma à causa da emissão deste título, ambas passam a ter vida própria (a causa e o título)[27].

Neste ponto é ilustrativo o exemplo do aval. O aval é o ato cambiário pelo qual outrem garante o pagamento do título ao lado do sacado[28]. Pelo princípio da autonomia, ainda que o título emitido possa ser anulado, como no caso de ter sido emitido por menor incapaz, persistirá a obrigação do avalista que terá de satisfazer o crédito[29].

Muitos doutrinadores dividem a autonomia em dois outros princípios, quais sejam a abstração e a inoponibilidade de exceção pessoal. Neste aspecto, preferimos adotar o posicionamento de Fábio Ulhoa, considerando estes como meros desdobramentos da autonomia, que em verdade apenas ilustram e delimitam o significado do princípio, pelo que os denominaremos de subprincípios[30].

Sendo assim, pelo subprincípio da abstração, uma vez que o título de crédito é posto em circulação, o mesmo desprende-se da relação jurídica subjacente[31]. Como já exemplificamos, no caso da compra e venda, ainda que o contrato de compra e venda venha a ser desfeito ou mesmo anulado, se o título de crédito circular, este não restará desfeito ou anulado.

Já a inoponibilidade de exceção pessoal, como o próprio nome já prenuncia, impede que o devedor da cambial utilize-se de defesa ligada à relação subjacente ou à sua relação com o primeiro credor, quando cobrado por terceiro que recebeu o título de boa-fé. [32]

Voltando, assim, ao exemplo da compra e venda, supondo que o bem objeto do negócio estava viciado e, tendo o comprador denunciado o contrato, se um terceiro de boa-fé apresentar o título para pagamento, deverá o devedor solvê-lo, independentemente da querela contratual. Neste caso, poderá o devedor valer-se apenas das defesas ligadas ao título (prescrição, nulidade do título), não podendo opor exceções pessoais.

Vale frisar que a inoponibilidade também imprescinde da circulação da cártula, posto que, em sendo a exceção fundada na relação entre o credor e o devedor, esta sempre poderá ser alegada na defesa deste, dada a ampla defesa[33].

Por outro lado a inoponibilidade exige a boa-fé do terceiro, sendo que esta presume-se violada pelo simples conhecimento prévio, por este terceiro, da exceção; ou seja, no exemplo que já veiculamos, se o terceiro teve conhecimento da rescisão contratual, estará violada a má-fé, cabendo, contudo, ao devedor prová-la[34].

Pelo exposto, vemos que os princípios dos títulos de crédito, em verdade, visam conferir a estes a fácil circulação do crédito, aliada à segurança jurídica, por isto temos que deverá o credor portar o documento, somente os direitos inscritos neste documento é que poderão ser cobrados e estes direitos, quando circulam no mercado, desvinculam-se do negócio jurídico subjacente.

2.2.4. Atos Cambiários

Não obstante o tema deste estudo prescindir da análise apurada dos atos cambiários, devemos fazer referência, ainda que sucinta aos mesmos, para possibilitar e facilitar o entendimento do leitor aos termos utilizados. Ressaltamos, todavia, que apenas apresentaremos breves conceituações dos mesmos com o objetivo único de viabilizar a compreensão do leitor.

Os principais atos cambiários e que, ao nosso ver, necessitam de alguma explicação para este estudo são o saque, aceite, endosso, aval e protesto.

O saque nada mais é que a emissão do título de crédito e se caracteriza pelo preenchimento dos requisitos legais e assinatura do título. No saque, definem-se o sacado, sacador e tomador, que são os protagonistas de relação cambiária. O sacado é o devedor do título, aquele que o pagará. O sacador é aquele que emite o título e, em alguns casos, poderá mesmo ser o sacado (como, por exemplo, na nota promissória). Já o tomador é o beneficiário ou o credor originário da cambial[35].

O aceite é ato cambiário exclusivo das ordens de pagamento, que são os títulos em que uma pessoa ordena a outrem que pague determinada quantia, por isso, em razão da existência desta ordem, o tomador tem que apresentar o título ao sacado para que este aceite a ordem emitida. Resumindo, o aceite é a concordância do devedor com a ordem emitida pelo sacador[36].

Já o endosso é a cessão do título de crédito, ou seja, é o ato pelo qual transfere-se o direito de crédito inerente à cártula[37]. Este ato é fundamental ao direito cambiário, posto que permite a circulação do crédito.

Neste ponto, devemos relembrar que, pelo princípio da abstração, quando o título é endossado, desprende-se da relação subjacente.

Devemos lembrar ainda que, via de regra o endossante também fica responsável pelo pagamento do título. Desta forma, havendo uma cadeia de endosso, o beneficiário final poderá cobrar o crédito de qualquer dos antecedentes, salvo se algum deles, ao endossar, o fez sem garantia (mediante a inscrição da expressão “pague-se, sem garantia a” ou similar)[38].

Outrossim, o endosso também prescinde de prévia notificação ao devedor, relembrando-se que este não pagará para que o título foi emitido e, sim, àquele que lhe apresentar o título, com base na cartularidade.

Vemos, por isso, que a disciplina do endosso, aliada aos princípios cambiais permite a fácil circulação do crédito, dispensando formalidades de notificação ao devedor, bem como dando mais segurança a quem adquire o crédito.

Por fim, temos o protesto que é o ato formal e solene pelo qual se prova algum fato relevante sobre o título de crédito[39]. Para entendermos o protesto, temos que lembrar que as cambiais são obrigações querables, de forma que o credor sempre tem o dever de cobrá-la do devedor.

Sendo assim, o protesto é o ato pelo qual o credor dá publicidade ao descumprimento de alguma obrigação por parte do devedor. Isto porque, apresentado ao protesto o título, o cartório intima o devedor para apresentar as suas razões e só depois efetiva o protesto[40].

O protesto pode ser feito por falta de aceite, falta de devolução do título ou mesmo por falta de pagamento, sendo este último a esmagadora maioria do que vemos na prática.

Sobre o autor
César Oliveira Ribeiro

Advogado; bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (2008); especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia; especialista em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial pela Universidade Anhanguera-Uniderp; especialista em Direito do Consumidor pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP - Faculdade São Leopoldo Mandic. Atualmente é sócio - Tawil, Ribeiro e Stallone Advocacia e Consultoria. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Comercial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, César Oliveira. Títulos de crédito virtuais: existência e validade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5413, 27 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63372. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Este artigo foi apresentado como trabalho de conclusão de curso na especialização em Direito Empresarial na LFG - Universidade Anhanguera

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