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Intervenção federal: um retrato das falências da democracia direta e da educação pública nacional

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Agenda 24/02/2018 às 04:16

A farsa do espetáculo da Intervenção Federal, à luz do Direito, em um país onde a educação pública (a grande solução para a Segurança Pública) continua sendo ignorada.

Ao parar para refletir sobre a relação entre educação e violência podemos perceber que a educação é o pilar principal para o desenvolvimento de um país (BACELAR, 2017)


Com todo respeito aos intervencionistas, apoiadores da federal ou militar, porém, nenhuma destas medidas adotadas, por algumas vezes, ao longo das Histórias do Brasil, não lograram êxito, no sentido de pôr termo, ou sequer em apaziguar a crescente criminalidade, por um simples fato: a solução, eficaz, para o problema da violência se encontra em dois pilares, investimento em educação pública; e o exercício da Democracia Direta.

Antes de adentramos nas nossas considerações sobre a intervenção, que ocorre no Estado do Rio de Janeiro, importante destacar a grande diferença entre as intervenções militar e federal, muita das vezes confundidas, propositalmente, até mesmo por parcela das autoridades e de certos grupos políticos.

A Intervenção Militar, como já vimos alertando, em CAPANEMA (2016, online)1, trata-se uma perversa maneira, de retirar, do povo brasileiro, o acesso à nossa frágil democracia. Vedada, clara e expressamente, pelo art. 142, da Lei Maior de 1988, a qual proíbe as Forças Armadas de tomarem o poder, seja por qual pretexto for, pois, de acordo com os dizeres de Ferraz (2011, p.3), a democracia é a base sólida aos fundamentos da Constituição Cidadã de 1988.

Por mais que a Magna Carta de 1988 seja clara, ao vedar a possibilidade jurídica de militares tomarem o poder, do povo, como ocorreu tragicamente, nos Anos de Chumbo, esta (má) ideia sempre bate na porta de nossa juvenil e frágil democracia, como destaca o editorial de O Globo (2018, online)2:

Na reunião com o Conselho da República, na manhã desta segunda-feira (19), o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, disse ser necessário dar aos militares "garantia para agir sem o risco de surgir uma nova Comissão da Verdade" no futuro, depois de o presidente Michel Temer informar aos integrantes do encontro da intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro.

A referência de Villas Bôas é ao fato de, depois da lei da Anistia, de 1979, ter sido criada Comissão da Verdade, durante o governo Dilma, que investigou casos de tortura e mortes durante o período da ditadura militar. (Grifo Nosso)

Assim, se torna questionável, o posicionamento do General Villas Bôas, principalmente durante a vigência de um Estado Democrático de Direito, e não mais daquele Estado de crueldade, imposto por uma junta militar, que ceifou a vida de tantos opositores, nas décadas de 60 a 80 objetivamente explicitado, pelo pensador Leandro Karnal (2015, online)3: “[...] não há como defender eticamente, moralmente, em um plano mínimo de humanidade, uma intervenção militar. Nossos problemas foram piorados, pela Ditadura [...]”. Nesta esteira de debate, Luiz Felipe Pondé (2017, online)4 é mais enfático ao criticar, sabiamente, o analfabetismo político e jurídico, dos intervencionistas, ao declarar: “[...] estas pessoas que querem a volta do regime militar me parecem, simplesmente, pessoas equivocadas [...] pois regime militar nunca é bom [...]”.

Feitas estas considerações, evidente entender, colaborado pelo portal G1 Notícias (2018, online)5, que a intervenção, em vigência no RJ, do ponto de vista meramente técnico, se trata de um ato administrativo válido; aquele denominado, pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello6, como plenamente ajustado as exigências legais, porém não deixa de ser questionável, do ponto de vista moral, por exemplo:

Essa é uma intervenção militar?

Não. O procurador regional da República Wellington Cabral Saraiva explica que a intervenção federal no Rio está sendo autorizada pelo presidente da República, que é uma autoridade civil, e não decretada por militares – o que não é previsto na Constituição e seria golpe. "Não há subversão da ordem constitucional, tanto que precisa ser aprovada pelo Congresso", afirma. (Grifo Nosso)

A regra geral do art. 34, da CF/88 é que a União não deve intervir nos Estados da União, exceto por algumas ocasiões, de extrema necessidade, como alegadas, pelo atual governo federal, ao editar o Decreto 9.288, de 16/02/2018, melhor elucidadas por Mercier (2011, p. 256) que afirma: “[...] só se justifica se a integridade da nação estiver ameaçada por ataques externos ou internos [...] Tais ataques se originam, tão somente, nos morros cariocas?

Nesta mesma linha de raciocínio, o inciso X, do art. 84, da Magna Carta de 1988 confere, privativamente, ao Chefe de Estado, a prerrogativa de decretar uma intervenção federal (e não um golpe/intervenção militar), porém, como ressalta Leal (2011, p534), tal decretação fica sujeita ao crivo do Parlamento.

Neste liame, o Chefe do Executivo Federal não pode, por si só, tomar tal decisão, a qual, por força do inciso IV, do art. 49, da Constituição Cidadã, determina que os representantes do Povo (Câmara Federal) e dos Estados (Senado da República) aprovem tal intervenção, tal como alertado por Cocuzza (2011, p. 386).

Feitas as considerações, acerca da legalidade de uma intervenção federal (e não um golpe ditatorial / intervenção militar), com a devida vênia às Forças Armadas, porém, é importante destacar que um militar, assim como qualquer ser humano ou instituição, estão sujeitos a cometer erros. Neste diapasão, a Agência Brasil (2018, online)7 noticia um fato que nos leva a questionar a intervenção federal, qual seja:

[...] o homem preso em flagrante, nesta manhã (18), transportando 19 fuzis e outros armamentos , além de grande quantidade de drogas [...]é o segundo-sargento Renato Borges Maciel. Com ele, foram apreendidos 17 fuzis do modelo AR-15 e calibre 5.56, dois fuzis do modelo AK-47 e calibre 7.62, 41 pistolas importadas da marca Glock, 54 tabletes de pasta base de cocaína [...]O militar já era suspeito de traficar armamento e vinha sendo investigado há algum tempo. Na ocasião da prisão, a PRF e a Polícia Civil monitoravam uma viagem que ele fazia desde Foz do Iguaçu (PR), município localizado próximo às fronteiras com o Paraguai e com a Argentina. Ele estava em um veículo próprio, com placas falsas e com adesivos que simulavam um carro oficial do Exército [...] (Grifo Nosso)

Este tipo de matéria jornalística nos faz pensar, como são frágeis, as falsas ideias de que há um messias salvador ou até mesmo uma instituição intocável, capaz de fazer aquilo que é dever de todo cidadão, qual seja, de nós intervirmos, diretamente, nas grandes decisões nacionais. Se há corrupção, dentro das Forças Armadas, como ilustrou tal reportagem, como esperar que a Caserna, por si só, tome conta, sozinha, da Segurança Pública!?

Com todo respeito ao Ilustre Chefe do Executivo Federal, porém mesmo sendo um renomado Constitucionalista, é que nos causa espanto, o fato de o Decreto 9.288, de 16/02/2018, mais uma vez, reviver o debate, inócuo e superficial, sobre segurança pública, ao decretar intervenção federal, no Estado do Rio de Janeiro, vez que é desprezada a Democracia Direta, elencada na Carta de 1988, em seus incisos I, II e III, do art. 14; incisos XII e XIII, do art. 29; § 4º, do art. 27 e § 2º, do art. 61, ao dar vida, pela primeira vez na história do Constitucionalismo brasileiro, à democracia direta, instituto indispensável, conjuntamente com investimentos em educação, para a construção de soluções duradouras e sólidas, não apenas em termos de segurança pública.

Abrão (2011, p. 95), em relação à Democracia Direta, afirma, objetividade, a possibilidade de o cidadão intervir, nos rumos da política nacional, sem as bênçãos de políticos: “[...] sem a intermediação dos representantes eleitos, na escolha de determinadas diretrizes para a sociedade”. Complementando este entendimento, o neurocientista António Damásio (2018, online)8 destaca como o setor educacional é a grande ponte, para a construção desta paz social:

Sem educação, os homens ‘vão matar-se uns aos outros

[...]

[...] é necessário “educar massivamente as pessoas para que aceitem os outros”, porque “se não houver educação massiva, os seres humanos vão matar-se uns aos outros”. (Grifo Nosso)

A inobservância do instituto da democracia direta e descaso para com a educação nacional vem produzindo, ao longo das histórias de lutas do Brasil, um cenário no qual, os mais humildes, são sempre os penalizados, nas garras de um aparato, pífio, de Estado, assim como preconiza ALMEIDA (2018, online)9:

[...] é sobre a população mais pobre, sobre a população pobre e negra, mais afetada pela degradação das condições de vida, pela violência da guerra às drogas e pela já existente ocupação militar que irá incidir o novo comando federal da segurança pública no Rio de Janeiro (Grifo Nosso)

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Como não podia ser diferente, o posicionamento do Conselho de Direitos Humanos, explicitado pelo site UOL São Paulo (2018, online)10, é no sentido de alertar sobre as possíveis violações de direitos humanos, que poderão ocorrer, durante a referida intervenção federal. Ato este, que não contou com o amplo debate, pois foi assistido, pacificamente, pela população, que mais uma vez ficou de fora, da tomada, desta importante decisão:

A atuação das Forças Armadas é historicamente marcada pelo aumento do número de violações de direitos, operando na lógica do 'combate ao inimigo' e, segundo essa lógica, a população negra, pobre e moradora de favelas e periferias é quem tem sido 'combatida' pelas tropas do Exército, da Marinha e da Aeronáutica" [...](Grifo Nosso)

Assim, podemos esperar que a parcela da população, negra e pobre, a qual possivelmente sofrerá mais, com tal intervenção, resultado da ausência de investimentos em educação pública e da não observância da Democracia Direta, que sempre conduziu o Brasil, a todo tipo de caos, incluindo o colapso da segurança pública.

Mesmo sendo evidente, que o problema da segurança pública, passa principalmente, pela urgente necessidade em se investir em educação; de revolucionar o ensino público nacional; na criação de escola em tempo integral; e principalmente, na implementação de um currículo escolar libertador, o qual propicie aos educandos, a possibilidade de entenderem como funciona a máquina pública, resultando na efetivação da Democracia Direta. Porém, mesmo assim, há os que acreditam na fantasiosa intervenção federal, como se a pasta da Segurança Pública estivesse totalmente a par dos demais setores, instituições e Ministérios.

Assim, o editorial da UOL (2018, online)11, ao elucidar o descartável posicionamento do Presidente da Câmara Federal noticiou:

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), fez nesta segunda-feira (19) um raro discurso no plenário da Casa e saiu em defesa do decreto do presidente Michel Temer (MDB) que determinou intervenção federal na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro, em vigor desde a última sexta (16). (Grifo nosso)

Não é apenas o presidente da Câmara Federal que está equivocado, uma vez que o editorial da UOL (2018, online)12 publica o questionável posicionamento de Conselhos Nacionais:

Os conselhos da República e da Defesa Nacional aprovaram nesta segunda-feira (19) a intervenção federal na segurança pública do Rio. Por parte do primeiro conselho, sete membros votaram a favor da medida e dois se abstiveram [...]

Noticia a TV Globo Brasília (2018, online)13 sobre o parecer da deputada Laura Carneiro (PMDB-RJ), relatora, na Câmara Federal, do polêmico decreto de intervenção, em sessão plenária de 19 de Fev. de 2018:

Não há como não aprovar [o decreto de intervenção]. Essa é a tentativa final. Eu digo que o Rio está na UTI e que é preciso um remédio amargo. De qualquer jeito o decreto atende a todos os requisitos constitucionais

O que nos chama mais a atenção é que em momento algum, tais lideranças declaram apoio a vultuosos investimentos, em educação pública, principalmente nas regiões devastadas pelo tráfico de drogas, como meio de evitar a perpetuação, na miséria e na vida do crime, de grande parcela dos moradores de tais comunidades carentes, como se segurança pública fosse um problema magicamente resolvido, na ponta de uma espada.

Neste viés, de maneira mais condizente com a realidade, o analista político Creomar de Souza (2018, online)14 escancara o que tal intervenção tenta esconder:

[...] a intervenção Federal, decretada pelo presidente Michel Temer na segurança pública do Rio de Janeiro, demonstra a incapacidade dos políticos de entenderem as demandas populares em uma velocidade adequada (Grifo Nosso)

Neste liame é importante destacar que a própria Polícia Militar, do Estado do Rio de Janeiro (2018, online)15 declara, oficialmente: “[...] durante o Carnaval de 2018, houve redução de indicadores criminais impactantes em comparação com o período carnavalesco dos três anos anteriores ”. Assim, a assessoria de Comunicação da PMRJ demonstra que houve uma diminuição, na violência, durante o carnaval, em 2018, jogando por terra, o falso argumento de que a crescente criminalidade, no RJ.

Uma simples análise dos últimos dados estatísticos supramencionados revela, por exemplo, uma queda em oito pontos, de 2017 para 2018, no número de homicídios dolosos durante o carnaval do Rio de Janeiro. Por sua vez, a lesão corporal, seguida de morte, de 2016 para 2018, houve uma redução de três pontos; o furto a transeunte, de 2016 para 2018, registra uma queda brutal de mil cento e vinte pontos, e assim por diante. Em suma, em termos gerais, de 2015 a 2018, nas mais diversas modalidades criminosas, durante o carnaval carioca, dos últimos três anos, houve considerável queda de três mil cento e noventa e sete pontos.

Neste contexto, o editorial do Jornal do Brasil (2018, online)16 apenas confirma os dados estatísticos supramencionados, ao publicar:

Nomeado interventor federal na Segurança Pública do Rio de Janeiro, o general Walter Souza Braga Netto disse nesta sexta-feira (16) que a situação do estado não é tão crítica como se tem noticiado

Por sua vez, a Agência Brasil 247 (2018, online)17 elucida o estado de ilusão, criada pelos defensores da referida intervenção:

[...] Aquela ilusão, de algumas pessoas de que a intervenção militar poderia vir pra colocar a Casa em ordem [...] não se iluda, não é uma intervenção militar. É uma intervenção do próprio Temer! [...] o Temer não está colocando os militares, nas ruas, para proteger o cidadão brasileiro. Ele está colocando os militares, nas ruas pra proteger os interesses [...] patrimoniais da elite. Militares para evitarem que exploda uma revolução popular [...] É muito fácil oprimir o traficante pequeno. Quero ver coragem de prender o dono do helicóptero [...] O Exército não tem poder suficiente para brigar com quem traz as drogas para o Rio de Janeiro (Grifo Nosso)

A eminente professora e especialista em Segurança Pública, Jaqueline Muniz (2018, online)18, em esclarecedor debate, ao Canal Globo News, traduz, com francas e claras palavras, do que se trata, de fato, a tal Intervenção Federal:

[...] o que tivemos e temos assistido, no Rio, na verdade, pra ser muito clara, é a substituição do arroz com feijão, da segurança pública, que é o que funciona, correto! Não é invenção da roda, o dia a dia dos policiamentos, por operações policiais, de sobe e desce morro, pela teatralidade operacional, que tem rendimento político, que tem rendimento [...] eleitoral, rendimento midiático, com pouco efeito, no cotidiano [...]

[...] não existe crime organizado que não tenha chancela, conivência e convivência de setores do Estado, de setores do governo. Afinal, é através do dinheiro que se faz caixa dois [...]

[...] muita gente vai ganhar com isto. O crime organizado agradece, o PCC agradece, os falsos profetas da Segurança Pública agradecem [...] estamos diante de uma temporada de abertura, das chantagens coorporativas e das negociatas, na Segurança [...] (Grifo Nosso)

Na sequência, o site de notícias UOL (2018, online)19 foi mais severo, ao publicar a versão do Conselho de Direitos Humanos, o qual entende que se trata de: “uma espécie de licença para matar aos militares”. Ou seja, mais uma vez, um veículo de comunicação alerta para a possibilidade de violação de direitos humanos, apenas, em face de pessoas pobres, pois tal intervenção, até onde se tem notícia, não vai à nenhuma das raízes, do problema, a exemplo de se combater, efetivamente, nas fronteiras brasileiras, a entrada de armamento clandestino e de drogas, sem falar na maior e mais importante das medidas profiláticas: investimentos em educação pública!

Como era de se prever, o editorial da Revista Época (2017, online)20 elucida bem a precariedade do policiamento, em nossas fronteiras, o qual resulta em um abastecimento, do crime organizado:

A guerra perdida contra o tráfico na fronteira com o Paraguai [...]

Todos os dias, policiais e bandidos protagonizam um jogo de perseguição e fuga em estradas na fronteira do Brasil com o Paraguai, o maior corredor de distribuição de drogas e armas da América do Sul, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). (Grifo Nosso)

Infelizmente, a porta fácil, de entrada de drogas no Brasil, não se restringe à ineficiência do Estado Brasileiro, em policiar a fronteira com o Paraguai, uma vez que o Noticiário Amambai (2018, online)21 registra diversas outras portas de entradas, problema este infinitamente maior que o caos, que resultou no RJ:

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência Urbana da Câmara de Deputados, apontou 18 pontos da fronteira do Brasil, sendo os principais corredores do tráfico de armas e drogas. Dos 18, Mato Grosso do Sul acumula 7 pontos, o Paraná e o Rio Grande do Sul também se destacam em áreas de tráfico [...]A fronteira brasileira tem 17 mil km de extensão e faz a divisa de 11 Estados com 10 países, um vasto território explorado por traficantes de armas e drogas. (Grifo Nosso)

Não é para menos, que além de nossas fronteiras, quase que desprotegidas, somado à precária educação pública, que o Brasil seja destaque, negativo, em insegurança pública, como revela os estudos de BACELAR (2017, online)22:

[...] um estudo feito pelo Tribunal de Contas da União do Rio Grande do Sul em parceria com um professor do Ipea que comprova essa relação. Foram 30 anos analisando a escolaridade das vítimas de homicídios no Brasil e a conclusão é: quem estuda mais tem menos chances de morrer de forma violenta. A chance de alguém que não tem o Ensino Médio sofrer homicídio no Brasil é 15,9 vezes maior do que alguém que tenha nível superior o que mostra que a educação é um verdadeiro escudo contra os homicídios no Brasil. (Grifo Nosso)

Ou seja, o Estado brasileiro precisa priorizar a educação pública; extinguir o perverso sistema de aprovação educacional automática; o balcão de negociatas, que se transformou parcela das direções escolares, a exemplo da classe política; o descaso, dos governantes, em face dos educadores probos; a omissão em relação à revolução que a base curricular nacional necessita, para que haja uma redução no número de crimes, pois não há intervenção, militar (golpe) ou federal, que possa fazer aquilo que apenas investimentos em educação podem propiciar: um Brasil menos violento, com mais participação e debate popular, mais justo e com melhorias em todos os setores, fruto da intervenção popular e da escolha, de melhor nível, de nossos representantes.

Assim, o Correio Brasiliense (2017, online)23 corrobora com nossa humilde linha de pensamento ao explicitar o grande erro, em se cortar investimentos em educação, quando, a situação atual exige exatamente o contrário:

Os ministérios da Defesa, dos Transportes e da Educação foram os mais atingidos pelo contingenciamento de R$ 42,1 bilhões no Orçamento de 2017 anunciado pelos ministros Henrique Meirelles (Fazenda) e Dyogo Oliveira (Planejamento) na última quarta-feira. Juntas, as três pastas somam R$ 15,1 bilhões da tesourada, ou 36,6% do corte nas despesas discricionárias previstas pelo governo. [...]

De acordo com o Planejamento, o corte no MEC “respeitou o limite constitucional”. A pasta sofreu redução de R$ 4,3 bilhões, o terceiro maior corte. (Grifo Nosso)

Neste diapasão, o editorial do Brasil De Fato (2018, online)24 nos faz prever que a violência apenas tende a aumentar, mesmo com intervenção federal, devido aos futuros cortes em educação:

Investimento em Educação terá redução de mais de 30% em 2018 [...]

O orçamento previsto para novos investimentos no Ministério da Educação (MEC) vai ter redução de 32% em 2018 com relação ao ano anterior. [...]

[...] as reduções no orçamento vão trazer dificuldades "quase intransponíveis" de solução da vida das pessoas nas cidades. (Grifo Nosso)

Como não podia ser diferente, BACELAR (2017, online)25 elucida um cenário, sem investimentos em educação, onde a criminalidade encontra solo fértil:

Um estudo do Atlas da Violência 2017 mostra que, em 2015, foram registrados 59.080 homicídios, ou seja, quase 29 mortes a cada 100 mil habitantes. As vítimas? A grande maioria é homem, jovem, negro e de baixa escolaridade [...]infelizmente estamos reféns e à mercê de um governo que não prioriza a educação e o planejamento para tirar os jovens do caminho da criminalidade [...]

[...] quanto maiores são as taxas de escolarização, menores são os registros de violência (Grifo Nosso)

Nosso posicionamento, defendido ao longo deste trabalho, é igualmente sustentado por Valéria Bretas, colunista da Revista Exame (2016, online)26:

Destinar mais recursos para a educação é caminho certo para a redução da taxa de homicídios. Pelo menos é o que diz a análise do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) divulgada recentemente (Grifo Nosso)

A problemática, resultante de uma educação pública precária, já vinha sido prevista, décadas anteriores, pelo eminente educador Darcy Ribeiro, de acordo com a releitura de Priscila Cruz (2017, online)27:

[...] realidade essa que foi prevista em 1982 por Darcy Ribeiro (1922-1997). Em uma de suas frases mais icônicas, o antropólogo, deputado e grande defensor da educação disse na época que se o Brasil não construísse escolas, em vinte anos faltaria dinheiro para construir presídios. Mais de 25 anos depois, estamos vivenciando – com temor e indignação – a sua previsão. Darcy estava certo [...](Grifo Nosso)

Após nossas repetidas manifestações sobre a violência, resultante de uma educação pública precária e ausência de participação popular, no cenário político nacional, necessário debater a emergência, de o Estado Brasileiro, dar uma resposta rápida e acima de tudo, enérgica, em face da insustentável insegurança pública. Neste viés, o criminalista Matheus Magnus Santos Iemini (2018, online)28, ao promover uma análise do polêmico “Direito Penal do Inimigo”, teoria criada ainda nos anos 80, pelo doutrinador alemão Gunther Jakobs, que defendia um posicionamento estatal, mais rigoroso, em face de certos criminosos, a exemplo dos chefões do tráfico carioca, uma vez que aqueles não demonstram ser recuperáveis, ao se manterem sempre longe e à margem da Lei:

O direito penal do inimigo, doutrina criada pelo alemão Gunther Jakobs, aquém de sua inflexibilidade punitivista face a sua relativização dos direitos fundamentais, claramente incompatível com um Estado democrático de direito, vem se alastrando na legislação pátria e até mesmo no entendimento de alguns magistrados. Sua propagação no Brasil deve-se a ausência de políticas criminais efetivas, e a busca do legislador em atender aos anseios da sociedade que deseja uma pacificação efetiva. (Grifo Nosso)

Com a devida vênia, aos defensores do Direito Penal do Inimigo, porém, por si só, tal teoria, ao nosso humilde ver, não pode ser regra geral, nem aplicada, indiscriminadamente, a todos os casos e muito menos desacompanhada de investimentos em educação, pois de acordo com Iemini (2018), tal teoria “[...] pugnava pela aplicação de normas mais severas, com a conseqüente eliminação dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo”. Porém, em um caso de extrema urgência, a exemplo, do tráfico de drogas que assola nosso país, urgente um repensar das garantias fundamentais que os irrecuperáveis traficantes de drogas gozam. Tal amplo debate, suportado por consultas populares, deve ser feito com ressalvas e muita cautela, em conjunto com políticas públicas de fomento à educação pública, principalmente.

Neste contexto nos surge, por exemplo, a questão da pena de morte, defendida por alguns e repudiada por tantos outros, com um questionamento: Afinal de contas, a pena de morte, em face de civis, é ou não, possível no Brasil!?

O Editorial UOL, 2012, online)29 tenta responder esta questão, à medida que publica:

No Brasil já temos pena de morte. Por fuzilamento. Está lá no Código Penal Militar. São mais de trinta crimes que podem ser punidos com a pena de morte no país. O único detalhe é que precisamos estar em guerra declarada para que essas penas possam ser impostas e aplicadas. Durante tempos de paz, não é possível impor a pena de morte

Se tudo leva a crer, que em termos práticos, a pena de morte é uma realidade, não oficial, no Brasil, HAIDAR (2005, online)30, ao citar o posicionamento do então da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D´Urso, nos ajuda a entender este tema, ao declarar:

[...] temas polêmicos como a pena de morte, redução da maioridade penal, legalização do aborto, eutanásia, não deveriam ser decididos sem consulta popular

De acordo com Maurício Santoro (2015, online)31, o qual se posiciona contrário à adoção da pena de morte, no Brasil atual, porém, o referido faz críticas pertinentes:

Somos pioneiros em acabar com a execução oficial por parte do Estado, mas as polícias matam seis por dia. [...]

A ditadura de 1964-1985 rompeu com a tradição humanitária da república e reestabeleceu a pena de morte, mas não chegou a implementá-la oficialmente. Os assassinatos dos opositores do regime foram execuções extrajudiciais, crimes que ocorreram à margem do sistema jurídico. (Grifo Nosso)

Nos parece um tanto hipócrita que, em termos práticos, por exemplo, nos morros cariocas, a pena de morte seja aplicada, banalmente, todos os dias e por outro lado, diversos analistas de segurança pública (de gabinete) demonizem a possibilidade de o tema, pena de morte, e outros que permeiam a segurança pública, serem debatidos e objeto de consultas populares.

A única certeza que nos aplaca é que extremos devem ser repudiados, de qual natureza for. Assim, o nosso vizinho Uruguai, de acordo com a narrativa de France Presse (2017, online)32Legalização da maconha não diminuiu tráfico no Uruguai”, ou seja, não há resultado positivo, em nenhum dos pontos radicais e extremos, quais sejam: nem na pena de morte, indiscriminadamente; e nem tão pouco, na legalização de entorpecentes; e muito menos nas intervenções federais ou militar, pois sem investimentos em educação pública, ao criar no cidadão, condições de atuar, diretamente, na política nacional, a cada novo modismo, a certeza do fracasso continuará presente.

Neste liame de oposição ao radicalismo e ao faz-de-conta governamental, o parágrafo único, do art. 1°, da Lei Maior de 1988 nos convoca ao repensar da Segurança Pública, ao determinar que todo poder emana do Povo, melhor esclarecido por FERRAZ FILHO (2011, p. 07), como: “[...] reconhecimento de que, na ordem política brasileira, o povo é o titular do poder”. Complementando este entendimento, do Constituinte originário, o art. 14 CF/88, estabelece a legalidade das consultas populares, mediante: plebiscito; referendo; e iniciativa popular. Não resta dúvidas, seja qual forem as estratégias adotadas, que elas necessitam ser amplamente debatidas, com a sociedade. Mas nossa sociedade, consequentemente e continuamente, para o exercício desta tão urgente democracia direta, necessita ter acesso a uma educação pública que propicie isto, e não a perversa aprovação automática, que produz a cada dia, mais violência, mais analfabetismo político, jurídico e principalmente, garante a reeleição de políticos criminosos.

Por outro lado, respeitável entendimento, do Procurador Federal e Mestre em Direito pela USP, Paulo Roberto de F. Dantas (2011, online)33, é de que a doutrina majoritária é contra o referendo popular modificar clausula pétreas, o que respeitosamente discordamos. O referido autor, ao elucidar posicionamento minoritário, a qual aderimos, declara:

[...] há quem defenda a possibilidade da promulgação de emendas à Constituição, para a alteração de todas as matérias ali relacionadas, desde que estas sejam submetidas à anterior consulta popular, por meio de plebiscito. [...] Os defensores da possibilidade de alteração de cláusulas pétreas, por meio de emendas constitucionais antecedidas de consulta popular (de plebiscito) costumam fundamentar seu entendimento no princípio democrático e na soberania popular, invocando, para tanto, o artigo 1º, e seu parágrafo único, e também o artigo 14, inciso I, todos da Constituição Federal. Lembram que o Brasil é um Estado Democrático de Direito, e que tem no povo, portanto, o titular do poder constituinte originário, o que é reconhecido, aliás, pelo parágrafo único do artigo 1º da Lei Maior, que também permite ao corpo social exercer diretamente referido poder.

Portanto, por tudo quanto exposto, é possível construirmos o entendimento: que sem uma revolução na base curricular nacional, de modo que os alunos, desde os primórdios de sua formação escolar, aprendam a manifestar pacificamente, redigir e coletar assinaturas a projetos de leis de iniciativa popular, tomar acento em conselhos municipais, estaduais, etc., fiscalizar, de muito perto a res pública, não haverá intervenção federal, com sucesso.

Sobre o autor
José Alves Capanema Júnior

Advogado, professor designado de Língua Inglesa, da rede Pública de MG.Pós-graduando em Direito Administrativo, pela Faculdade Pedro II, formado em Direito, pela Universidade de Itaúna - Estado de Minas Gerais.ELEITO MELHOR ESTAGIÁRIO DE DIREITO 2015 - UNIVERSIDADE DE ITAÚNA - MG

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