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A tutela penal do ambiente

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Agenda 09/04/2018 às 13:30

5 DIREITO PENAL AMBIENTAL

Devido a importância dada ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, em alguns casos se faz necessária a intervenção do Estado a criminalizar certas condutas. O direito penal ambiental deve ser visto como a última ratio. Em outras palavras, aquele que degrada só deve responder na esfera criminal depois de esgotadas as outras esferas. A criminalização, pois, se faz necessária. Mas é preciso observar que o direito penal deve servir somente como

Após a revolução industrial e, principalmente nos últimos tempos, diante do aumento do consumo e da tecnologia e sobretudo da degradação do meio ambiente causada pelos avanços da sociedade, tornou-se necessário um novo campo de estudo do direito.

Assim, o Direito Ambiental passa a ser tutelado penalmente com fundamento constitucional, tendo em vista que a atual degradação ambiental tem de diminuir para uma maior qualidade de vida. O meio ambiente é bem jurídico elevado a status de cláusula pétrea, é direito da dignidade da pessoa humana, razão pela qual se faz imperativo sua tutela penal, como será devidamente abordado neste tópico.

5.1 O MEIO AMBIENTE COMO BEM JURÍDICO AUTÔNOMO

Em um breve introito, cumpre esclarecer que bens jurídicos são “valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas” (TOLEDO, 2000, p.16).

Embora a Constituição Federal trate o meio ambiente como um bem jurídico autônomo, antes mesmo de 1988 a legislação já o tinha feito.

O anteprojeto da Parte Especial do Código Penal (1984) dedicou um título próprio para relacionar os crimes contra o meio ambiente (arts. 401-416), da seguinte forma: “Da degradação ambiental” e “Do favorecimento aos crimes contra o meio ambiente”.

Ainda, na Exposição de Motivos do anteprojeto destacou-se que “a descriminalização e a despenalização, no sentido material dos termos, orientaram a análise dos tipos e das sanções. Não se desprezou a literatura estrangeira, e Códigos de outros países foram consultados. A preocupação, no entanto, ficou concentrada na realidade brasileira”.

Nas palavras do professor René Ariel Dotti, “a autonomia do meio ambiente como um bem jurídico valioso em si mesmo corresponde às exigências comunitárias muito intensas no Brasil desde o final dos anos 70 (com o levantamento da censura prévia aos meios de comunicação) até o crepúsculo da década seguinte, quando, além da Constituição, o nosso País iria também conhecer novas leis penais de proteção da natureza”. (DOTTI, 1990).

O bem jurídico do meio ambiente encontra-se tutelado em capítulo próprio, no art. 225 e seguintes da Constituição da República. Notadamente, sua importância se faz necessária, tendo em vista que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é extensão do direito à vida. Sem o meio ambiente equilibrado não há condições de vida no planeta.

5.2 FUNDAMENTO DA TUTELA PENAL AMBIENTAL

O bem jurídico ambiental deve ser tutelado pelo direito penal? Como definir quais bem jurídicos devem ser tutelados penalmente?

Nas palavras de Ivan Luiz da Silva (2003), “a atuação do legislador no sentido de estabelecer uma sanção para guarnecer um bem é orientada pelo valor que a sociedade lhe atribui. A sanção será mais severa quanto maior for a relevância social do bem jurídico tutelado. Assim, a relevância social do bem jurídico serve como base de legitimação para o estabelecimento da sanção aplicável às ofensas a esse bem”.

Continuando o raciocínio, o jurista complementa que “a princípio, é a Constituição Federal a fonte dos bens jurídicos suscetíveis de tutela penal, uma vez que no Texto Magno se encontram os valores elementares da sociedade”.

O bem jurídico ora tratado é o meio ambiente, legalmente conceituado como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (art. 3º, I da Lei nº 6.938/81 – Política Nacional do Meio Ambiente).

Meio ambiente, no dicionário Larousse, “é o conjunto de elementos naturais ou artificiais que condicionam a vida do homem”. Nas palavras de Milaré, “essa definição designa o conjunto de fatores que condicionam ou direcionam o contexto das atividades humanas; e mais, refere-se às atividades mesmas, na medida em que elas são influenciadas e igualmente influenciam o contexto em que se encontram, tendo-se em vista a interação existente entre o meio natural e atividade humana”.

Conceituar meio ambiente é tarefa complexa e não há um consenso na doutrina. Portanto, com base nas conceituações apresentadas é possível ter noção da importância do bem jurídico apresentado, razão pela qual se faz necessária sua tutela penal.

O fundamento constitucional que visa tutelar penalmente o bem ambiental está previsto no art. 225, §3º da Constituição Federal, nos seguintes termos: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente de reparar os danos causados”.

Note que o dispositivo responsabiliza o infrator nas esferas civil, administrativa e penal. O que autoriza o mesmo ato levar a consequências nas três esferas, alternativamente ou cumulativamente.

Muito embora o instigante tema acerca das responsabilidades civil e administrativa em face ao dano ambiental, importante delinear que o presente trabalho visa tão-somente a análise da responsabilidade penal ambiental.

Assim, como visto, a Constituição Federal autoriza claramente a criminalização do dano ambiental.

Nesta toada, importante observar o que motiva a necessidade da criminalização dos danos ambientais previstos. Como visto, o direito ambiental é dirigido pelos princípios já expostos. São princípios que devem ser obrigatoriamente observados, tendo em vista a natureza do bem ambiental.

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Como princípio basilar que norteia todo o ramo do direito ambiental encontram-se os princípios da prevenção e da precaução, já explicados. Os danos causados ao meio ambiente por vezes são irreversíveis. Por mais que seu causador pretenda repará-lo, em muitos casos não há como retroagir a sua condição anterior, razão pela qual se faz importante sua tutela penal.

Afinal, “o ponto crucial da tutela penal ambiental e da tutela ambiental como um todo é a prevenção de danos. Podemos afirmar que a proteção do meio ambiente somente será verdadeiramente eficaz a partir de um ponto de vista preventivo”. Pretende-se dizer que “se necessita de uma tutela que seja capaz de prevenir danos e não simplesmente tender a sua reparação” (CRUZ, 2006).

Quer-se, com a tutela penal do ambiente, evitar com que o dano se concretize, tendo em vista a grande dificuldade de repará-lo. Justifica-se, ainda, pelo  grau de destruição causado à natureza deflagrado pelo homem.

Para a doutrina, “o que justifica a intervenção penal é o facto de estar em causa a proteção de um bem jurídico – ambiente – digno de tal tutela, que, além do mais, deve ser necessária. Dignidade penal e necessidade de tutela penal são categorias que intervêm a legitimar a intervenção penal, e não se vê razão para que não intervenha aqui.” (RODRIGUES, apud FREITAS, 2000).

Cabível, por fim, a lição de Luís Sirvinskas:

o bem jurídico mais importante é o patrimônio ambiental, sem esta proteção não há se falar em vida sobre o planeta Terra. A água, o solo e o ar são os bens jurídicos mais importantes depois do homem. Este não sobreviveria na Lua, por exemplo. Pensar diferente é inverter os valores sociais mais relevantes (SIRVINSKAS, 1998).

Daí que a necessidade de criminalização do dano ambiental se faz necessária, devendo sobretudo o crime ambiental atuar de forma a evitar o efetivo dano, em respeito aos princípios da precaução e prevenção já mencionados. Assim, não é necessária a efetiva prisão do criminoso, o que importa é que o meio ambiente seja preservado. É o direito penal atuando de forma preventiva.

5.3 A LEI DE CRIMES AMBIENTAIS

Já ultrapassada a explanação acerca da fundamentação e da necessária tutela penal do meio ambiente, importante traçar breves considerações acerca da Lei de Crimes Ambientais, a Lei nº 9.605/98.

A legislação em epígrafe foi aprovada em caráter de urgência e inicialmente  pretendia-se sistematizar as penalidades administrativas e unificar os valores das multas. Mas após amplo debate no Congresso Nacional, optou-se pela tentativa de consolidar a legislação relativa ao meio ambiente no que diz respeito à matéria penal.

Apesar de ter sido aplaudida por ecologistas, a doutrina tece críticas acerca da legislação:

Foi aprovada em regime de urgência a Lei de Crimes Ambientais, festejada como grande avanço pelos ecologistas, mas um exame mesmo perfunctório revela a ligeireza com que foi elaborada, eivada de falta de técnica legislativa, constituindo ademais uma marca clara no processo de expansão indevida do Direito Penal ao serem criminalizadas condutas irrelevantes, para em contrapartida se dar tratamento benéfico com relação aos fatos mais gravemente lesivos ao meio ambiente. Os comentaristas da lei, mesmo os ardorosos defensores da proteção penal do meio ambiente não deixaram de tecer críticas à lei dos crimes ambientais. (JÚNIOR, 2005)

Ao comentar sobre a lei de crimes ambientais o respeitado jurista Édis Milaré (2000) expõe que

De fato, embora de elaboração mais criteriosa e técnica, padece também de certos vícios que a fazem destoar do atual “estado da arte” das Ciências Ambientais. Alguns desses  vícios são produtos de excisões promovidas por pressão dos diversos lobbies interessados, que, segundo os noticiários, desempenharam importante papel nos vetos presidenciais. Outros parecem resultar de concessões a uma visão equivocada do verdadeiro interesse social onde se insere a preservação da qualidade ambiental e dos recursos ambientais. Vários, enfim, decorrem da prodigalidade do legislador no emprego de conceitos amplos e indeterminados – permeados, em grande parte, por impropriedades linguísticas, técnicas e lógicas -, o que contrasta com o imperativo inafastável de clareza, precisão e certeza na descrição das condutas típicas.

Importa ainda tecer alguns comentários sobre algumas tipificações desnecessárias previstas na legislação, como por exemplo a previsão do art. 55 da Lei, a seguir: “executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão ou licença, ou em desacordo com a obtida”. Ora,  “ocorreria poluição com ou sem a licença ou permissão. Assim, entende-se aqui não haver necessidade de criminalizar determinada ação. Uma vez que o dispositivo está resguardando apenas o poder de polícia do Estado” (DUARTE, 2014).

Não obstante merecedora de certas críticas, a lei está em vigor e trata especialmente dos crimes contra o meio ambiente e de infrações administrativas ambientais. Dispõe, ainda, sobre processo penal e cooperação internacional para a preservação do meio ambiente.

O maior avanço da legislação fica a cargo da responsabilidade penal da pessoa jurídica por dano ambiental, matéria que será analisada a seguir.

5.4 A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA POR DANO AMBIENTAL

De acordo com a autorização constitucional do art. 225, § 3º, a pessoa jurídica deve responder por crime ambiental. Malgrado parte da doutrina clássica inadmitir tal hipótese[10], os argumentos apresentados para tanto não condizem com a correta interpretação constitucional da norma e, muitos deles, são completamente equivocados.

Corroborando com o entendimento deste trabalho, Flávia Piovesan (1993, p. 83) afirma que “o direito ao meio ambiente exige, para sua compreensão, a adoção de interpretação sistemática e teleológica. A análise fragmentada do direito ao meio ambiente implicará equívocos, posto que o direito ao meio ambiental interage acentuadamente com o direito à vida e à saúde, ambos direitos invioláveis”.

O fundamento da responsabilidade penal vem a ser a efetiva proteção de bens indispensáveis a todos os indivíduos e à sociedade: a vida, a liberdade, a propriedade, etc. Segundo Edson José da Fonseca, verifica-se, indubitavelmente, “que a sistemática ambiental se comunica com a tutela do direito à vida; portanto, nada mais razoável de se responsabilizar penalmente seus principais infratores (as pessoas jurídicas), tendo em vista a importância do bem que está sendo juridicamente tutelado.” (FONSECA, 1996).

Ademais, reitera-se que o texto constitucional autoriza a criminalização das pessoas jurídicas na esfera do direito ambiental, pois nos termos do art. 225, §3º “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar o dano”.

Note que o dispositivo utiliza a conjunção “ou” entre “pessoas físicas” e “jurídicas”, de modo que fica evidente que o constituinte originário pretendeu que a pessoa jurídica também respondesse na esfera criminal. Outra, portanto, não seria a conclusão de que a pessoa jurídica deve figurar como ente criminoso.

Ultrapassados os argumentos que geram a responsabilização penal da pessoa jurídica, passa-se a uma discussão mais relevante, aquela em torno da necessidade de vinculação de uma pessoa física a pessoa jurídica criminosa, para que seja efetivamente criminalizada. Em outras palavras, é possível que a pessoa jurídica cometa crime ambiental de forma isolada, sem estar vinculada a uma pessoa física?

A doutrina clássica do direito penal defende que “os crimes praticados no âmbito da pessoa jurídica só podem ser imputados criminalmente às pessoas naturais na qualidade de autores ou partícipes” (PRADO, 2001).

Alega-se, portanto, que a pessoa jurídica não possui capacidade de ação no sentido penal estrito, capacidade de culpabilidade e capacidade de pena (princípio da personalidade da pena), condições indispensáveis para a configuração de uma responsabilização penal subjetiva (PRADO, 2001).

Trazendo a ideia de que é necessária a imputação penal de uma pessoa física atrelada a pessoa jurídica, o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que a responsabilidade penal da pessoa jurídica está condicionada à identificação e à persecução da pessoa física. Veja-se precedente neste sentido:

“Recurso ordinário em mandado de segurança. Crime contra o meio ambiente. Art. 38, da Lei 9.605/1998. Denúncia oferecida somente contra pessoa jurídica. Ilegalidade. Recurso provido. Pedidos alternativos prejudicados. 1. Para a validade da tramitação de feito criminal em que se apura o cometimento de delito ambiental, na peça exordial devem ser denunciados tanto a pessoa jurídica como a pessoa física (sistema ou teoria da dupla imputação). Isso porque a responsabilização penal da pessoa jurídica não pode ser desassociada da pessoa física – quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio.2. Oferecida denúncia somente contra pessoa jurídica, falta pressuposto para que o processo-crime desenvolva-se corretamente. 3. Recurso ordinário provido, para declarar a inépcia da denúncia e trancar, consequentemente o processo-crime instaurado contra a empresa recorrente, sem prejuízo de que seja oferecida outra exordia, válida. Pedidos alternativos prejudicados. (STJ, RO em MS 37.293/SP, rel. Min. Laurita Vaz. DJe 09.05.2013).

Nestes termos, a jurisprudência do STJ busca a aplicação da teoria da dupla imputação, afirmando que não há como criminalizar a pessoa jurídica sem a ela estar vinculada uma pessoa física, tendo em vista que a pessoa humana é quem pratica a conduta com elemento subjetivo próprio.

Com todo respeito, não obstante a posição do STJ, esta não é a melhor interpretação a ser utilizada, sobretudo tratando-se do bem jurídico ora tutelado. Ademais, a análise do caso deve ser vislumbrada de um âmbito constitucional. Ou seja, não se pode exigir a aplicação da teoria da dupla imputação, tendo em vista a correta interpretação dos dispositivos constitucionais que abordam o meio ambiente. De forma clara Rafael de Oliveira Costa (COSTA, 2015) explica que

resta claro que os postulados, enquanto diretivas para o processo de interpretação da Constituição, devem levar em consideração a realidade que subjaz à norma em cada caso concreto. A hermenêutica adequada do texto constitucional, especialmente do enunciado normativo previsto no art. 225, §3º, é aquela que busca otimizar a aplicação do direito fundamental ao “meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”

Assim, a teoria da dupla imputação aplicada pelo STJ vai de encontro com a correta hermenêutica constitucional e deve ser descartada, como reitera o jurisconsulto:

Em flagrante violação aos mencionados postulados, a teoria da dupla imputação leva à persecução penal das pessoas jurídicas somente quando houver, concomitantemente, a descrição e imputação de uma conduta praticada por pessoa física, em conformidade com a teoria clássica da responsabilidade penal. Desse modo, limita a tutela ao meio ambiente, reduzindo a força normativa e a efetividade do dispositivo Constitucional.

Ora, a interpretação clássica da responsabilidade penal e a consequente aplicação da teoria da dupla imputação não podem ter lugar no direito ambiental, porquanto mitiga a correta aplicação da norma e dos princípios do direito ambiental.

Por outro viés, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 548.181/PR decidiu que:

Recurso extraordinário. Direito Penal. Crime ambiental. Responsabilidade penal da pessoa jurídica. Condicionamento da ação penal à identificação e à persecução concomitante da pessoa física que não encontra amparo na Constituição da República. 1. O art. 225, §3º da CF/88 não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica por crimes ambientais à simultânea persecução penal da pessoa física em tese responsável no âmbito da empresa. A norma constitucional não impõe a necessária dupla imputação. 2. As organizações corporativas complexas da atualidade se caracterizam pela descentralização e distribuição de atribuições e responsabilidades, sendo inerentes, a esta realidade, as dificuldades para imputar o fato ilícito a uma pessoa concreta. 3. Condicionar a aplicação do art. 225, §3º da Carta Política a uma concreta imputação também a pessoa física implica indevida restrição da norma constitucional, expressa a intenção do constituinte originário não apenas de ampliar o alcance das sanções penais, mas também de evitar a impunidade pelos crimes ambientais frente às imensas dificuldades de individualização dos responsáveis internamente às corporações, além de reforçar a tutela do bem jurídico ambiental. 4. A identificação dos setores e agentes internos da empresa determinantes da produção do fato ilícito tem relevância e deve ser buscada no caso concreto como forma de esclarecer se esses indivíduos ou órgãos atuaram ou deliberaram no exercício regular de suas atribuições internas à sociedade, e ainda para verificar se a atuação se deu em interesse ou em benefício da atividade coletiva. Tal esclarecimento, relevante para fins de imputar determinado delito à pessoa jurídica, não se confunde, todavia, com subordinar a responsabilização da pessoa jurídica à responsabilização conjunta e cumulativa das pessoas físicas envolvidas. Em não raras oportunidades, as responsabilidades internas pelo fato estarão diluídas ou parcializadas de tal modo que não permitirão a imputação de responsabilidade penal individual. 5. Recurso Extraordinário parcialmente conhecido e, na parte conhecida, provido. (RE 548.181/PR, j. 06.08.2013, rel Min. Rosa Weber)

Em análise ao precedente colacionado, Costa (2015, p. 241) afirma que

os novos riscos da sociedade pós-moderna acarretam uma crise no direito penal. A crise leva a uma ruptura no paradigma vigente, promovendo novas reflexões e novos rumos para a dogmática. Nesse diapasão, ganha cada vez mais importância a leitura constitucional do direito penal. Assim, ainda que o direito penal clássico não tenha estabelecido os critérios de responsabilização da pessoa jurídica por crimes ambientais, isso não pode implicar no esvaziamento do enunciado previsto no art. 225, §3º, da CF/1988. Objetivando impedir que a pessoa jurídica obtenha vantagens advindas da prática de condutas típicas e fomentar que os órgãos de direção atuem de modo a afastar a prática de delitos, a adequada exegese da norma constitucional só pode ser aquela que ultrapassa a teoria da dupla imputação e confere ao dispositivo constitucional a máxima força normativa e efetividade.

A bem da verdade, a Constituição em momento algum impôs a aplicação da teoria da dupla imputação na situação exposta. Além do que a equivocada utilização da teoria abre brecha para que as organizações se furtem ao cumprimento do que pretende o direito penal ambiental. Aliás, do que pretendeu o legislador constituinte em 1988.

Diga-se, por conseguinte, que a teoria da dupla imputação, em uma análise mais pormenorizada do julgado, viola a Constituição Federal, tendo em vista que o dispositivo do art. 225, §3º não condiciona a responsabilização penal da pessoa jurídica à identificação da pessoa física (COSTA, 2015).

Aliás, o art. 3º, parágrafo único da Lei nº 9.605/1998 estabelece que “a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato”. O dispositivo, por sua vez, corrobora com o entendimento ora defendido. Afinal, se a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a da pessoa física, tem-se por óbvio que as responsabilidades são independentes.  

Sobre o autor
Fellipe Simões Duarte

Advogado | Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Pós-graduado em Direito Ambiental (UFPR) e em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial (UNISC). Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG de Juiz de Fora. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) e da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Fellipe Simões. A tutela penal do ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5395, 9 abr. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/64421. Acesso em: 10 mai. 2024.

Mais informações

O presente artigo foi publicado como Trabalho de Conclusão de curso, agora reduzido e adaptado para a publicação neste site.

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