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Ativismo judicial: Instrumento assecuratório do direito fundamental à saúde através do acesso ao canabidiol

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7. ATIVISMO JUDICIAL COMO INSTRUMENTO DE ACESSO AO CANABIDIOL

A eficácia comprovada do canabidiol não foi o suficiente para que tal composto fosse permitido no Brasil. Apesar da existência de reiterados estudos comprobatórios sobre a capacidade medicinal do CBD e em diversos países já ter sido legalizado o uso, o Brasil ainda resistia no que se refere a sua utilização, tendo em vista que tal substância deriva da maconha.

Ocorre que, a burocracia enfrentada por quem precisa de remédios à base do ativo atrasa seu acesso à saúde básica, posto que, até 2015 a substância integrava a lista de proscritos da Agência de Vigilância Sanitária – ANVISA, inserido no grupo de “substâncias psicotrópicas de uso proscrito”. A diretoria da autarquia aprovou em janeiro de 2015, por unanimidade, a alteração do CBD para a lista C1 de substâncias controladas.

O primeiro passo em direção ao acesso do composto da cannabis sativa foi dado em 2014, quando foi permitida pela primeira vez a importação do medicamento a base de CDB no Brasil graças a uma decisão judicial. Trata-se do caso de Anny Fischer que aos 4 anos de idade foi diagnosticada com síndrome de Rett CDKL 5, problema genético, raro e sem cura que causa epilepsia grave e, entre outros problemas desencadeava até 80 convulsões por semana, retardando seu desenvolvimento, e segundo retrata a mãe, Katiane Fischer, a filha voltou a ser recém- nascida e tornou-se inerte pois não conseguia realizar ações básicas como sentar. Os pais já haviam tentado outros tipos de tratamentos e medicamentos, porém ineficazes.

Foi quando tomou conhecimento da eficácia de um medicamento a base do canabidiol que seria capaz de auxiliar na promoção do bem estar de Anny, no entanto, a substância integrava a lista de produtos proibidos da ANVISA dificultando o acesso.

Apesar de toda burocracia e proibições do Estado, a família já havia importado de forma ilegal o remédio por três vezes e o seu uso era efetivo, reduzindo significativamente a quantidade de convulsões.

O tratamento alternativo começou em 11 de novembro de 2013, quando Anny pesava 12 kg, aos 5 anos e meio, alimentava-se por sonda e não conseguia sequer sentar. Os pais importaram o medicamento de forma ilegal três vezes. (MENEZES, 2014)

A família recorreu ao Poder Judiciário para conseguir ter acesso ao produto quando na quarta importação o medicamento foi retido na alfândega de Curitiba – PA pela ANVISA e pela Receita Federal sob a alegação de que se tratava de uma substância ilegal no país. Foi proferida sentença de 1º grau pela Terceira Vara Federal do Distrito Federal permitindo a entrada do produto, pois, o acesso aquele remédio traria qualidade de vida à garota, promovendo seu bem estar e concretizando o direito fundamental à saúde, o que de fato ocorreu, segundo os pais a filha renasceu, não estando mais inerte voltando a interagir.

Assim, o primeiro passo havia sido dado para que outras pessoas que passavam pelos mesmos problemas pudessem ter acesso à saúde, pois, o que se depreende da solução oferecida pelo Judiciário é que a saúde como princípio fundamental, estando intrínseco ao homem, deve sobressair-se a qualquer formalidade, pois compõe o mínimo existencial para a dignidade da pessoa humana. Assim, graças a este impulso, mais de mil pessoas foram autorizadas a utilizar este composto, promovendo em larga escala o direito a saúde.

A compra do CDB e do TCH era ilegal porque os compostos são encontrados em uma droga ilícita. Ao contrário do entorpecente, as substâncias não alteram sentidos nem provocam dependência. Norberto Fischer diz que no início de novembro o Brasil atingiu a marca de mil autorizações individuais concedidas para importação excepcional de produtos à base dos dois produtos derivados. (FORMIGA, 2015)

Notório observar que, foi através da tutela judicial que as pessoas conseguiram ter acesso ao medicamento, pois, as políticas públicas e a própria legislação burocratizavam e criminalizavam o acesso a tal composto, violando o caráter absoluto do direito à saúde. A partir de então diversas pessoas pleiteara na justiça a permissão para o uso da maconha medicinal, pleitos estes que foram concedidos sob o crivo de que o direito fundamental à saúde é inviolável sendo o básico para qualidade de vida.

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EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. PACIENTE COM EPILEPSIA DE DIFÍCIL CONTROLE (CID: 6.40); DISTONIA INCAPACITANTE (CID: G-24.8) E AUTISMO (CID: F-84.0).CONCESSÃO DE LIMINAR PARA O IMPETRADO FORNECER O MEDICAMENTO NECESSÁRIO À SAÚDE DA IMPETRANTE (CANABIDIOL). PRELIMINAR DE INADEQUAÇÃO DO MANDADO DE SEGURANÇA EM RAZÃO DA NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA AFASTADA. NECESSIDADE DO MEDICAMENTO ATESTADA POR PROFISSIONAL DA ÁREA MÉDICA CAPACITADO. RECENTE AUTORIZAÇÃO DA ANVISA, PERMITINDO A RECEITA E IMPORTAÇÃO DO CANABIDIOL. DIREITO LÍQUIDO E CERTO DEMONSTRADO DE PLANO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES FEDERATIVOS. DEVER DO ESTADO (APLICAÇÃO DO ARTIGO 196 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). ATENDIMENTO AOS PROTOCOLOS CLÍNICOS DE DIRETRIZES TERAPÊUTICAS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE. --1Em Substituição à Desª. Maria Aparecida Blanco de Lima.-- DESNECESSIDADE. PREVALÊNCIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE E A VIDA. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA LEGAL, DO ACESSO UNIVERSAL E IGUALITÁRIO. TESES REJEITADAS. GARANTIA CONSTITUCIONAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

(TJ-PR, MS 1474214-0, Relator: Hamilton Rafael Marins Schwartz, Data de Julgamento: 26/07/2016, 4ª Câmara Cível em Composição Integral, Unânime, Data de Publicação: DJ: 1868 22/08/2016)

No entanto o difícil caminho para que a saúde fosse alcançada na sua integralidade estava apenas começando. O alto custo de importação, bem como a burocracia que perdura até os dias atuais para a entrada da mercadoria no país, ainda distanciava as pessoas do acesso ao CBD, considerando que, as pesquisas científicas sobre o uso medicinal da maconha ainda estavam iniciando e ainda não se tinha certeza, por parte do poder público, se flexibilizar a ilegalidade da maconha era uma boa ideia.

Em 2015 foi proferida decisão do Tribunal Regional da 1ª Região determinando que ANVISA retirasse o ∆9-Tetra-hidrocannabinol (THC) da lista de proscritos.

Em novembro de 2015, sentença proferida pelo MM Juiz Marcelo Rebello Pinheiro, da 16ª Vara Federal do TRF 1ª Região, determinou que a ANVISA retirasse o ∆9-Tetra-hidrocannabinol (THC), substância presente na maconha, da lista de substâncias proibidas no Brasil. Pela decisão, que é provisória, está liberada a importação de remédios que contenham THC e CBD na fórmula.

(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PACIENTES DE CANNABIS MEDICINAL. Acesso em 04 de março de 2018)

A importação do óleo rico em CBD foi liberada em caráter difuso, subsistindo ainda a exacerbada burocracia e a alta despesa pecuniária, devendo ser preenchidos requisitos impostos, dificultando o acesso ao medicamento, principalmente para as pessoas que não possuem condições econômicas para tanto. Contudo a saúde é um direito de todos, sem distinção, e deve ser assegurado aos brasileiros e residentes no país, preceito este resguardado pela Constituição Federal que possui como prerrogativa levar o bem estar social a todos através das políticas públicas e da edição de normas que sejam capazes de concretizar o direito.

“Entre 2015 e 2016, o número de pessoas que entraram com ação contra o Ministério da Saúde solicitando o fornecimento do composto quase triplicou, passando de 17 no primeiro ano para 46 no seguinte, segundo a pasta.” (CABRICOLLI, 2017)

É possível inferir através da observância do histórico do canabidiol que a utilização deste composto no Brasil apenas teve impulso através de demandas judicias, onde o Poder Judiciário assegurou por meios próprios o acesso ao medicamento a base do composto da maconha, permitindo sua importação mesmo sendo considerado ilícito no país. Ressalta-se que o critério observado para a flexibilização do composto no Brasil foi a promoção do direito fundamental a saúde, pois, este configura a base para existência humana com dignidade.

Independentemente de princípios constitucionais como a separação de poderes e a determinação da lei sobre a ilicitude do canabidiol, o direito a saúde está intrínseco ao homem, e diante da omissão do Poder Executivo e do Poder Legislativo a população tem visto seus direito básicos violados e encontrado na tutela judicial o caminho para alcançar a plenitude dos direitos fundamentais.

Assim o ativismo judicial encontra base na ideia de que, a Constituição Federal enquanto lei suprema não pode portar apenas caráter simbólico e programático, pois, não é razoável possuir uma Constituição repleta de direitos que protegem a dignidade da vida e não efetivá-los em virtude da formalidade que já não está sendo suficiente para garantir o bem estar social, pois o que se objetiva é proporcionar ao meio social o bem comum.

Uma vez tendo em mente a necessidade de proteção da supremacia da Constituição, bem como da garantia de sua normatividade, os poderes constituídos aparecem inarredavelmente vinculados ao que a Carta Política lhes prescreve. É que existem dispositivos constitucionais que não são dotados de executoriedade imediata, dependendo, desse modo, de intermediação legislativa para serem concretizados. E, uma vez que o legislador deixa de agir, no sentido de concretizar comandos normativos dele dependentes para alcançar efetividade, poderá, o agente político, incorrer em omissão inconstitucional. (PEREIRA, 2014, p. 168)

Baseado nessa ideia, em 2017 foi registrado pela ANVISA o primeiro medicamento a base do canadibiol, todavia, ainda se trata de uma matéria controversa, tendo em vista que não é distribuído pelo SUS e seu acesso possui um custo demasiado elevado, e considerando a condição financeira de boa parte dos brasileiros, impossível de suportar.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o registro do medicamento específico Mevatyl (tetraidrocanabinol (THC), 27 mg/mL + canabidiol (CBD), 25 mg/mL), canabinoides obtidos a partir da Cannabis sativa, na forma farmacêutica solução oral (spray). É o primeiro medicamento registrado no país à base de Cannabis Sativa. (ASCOM/ANVISA, 2017)

Contudo, mesmo diante da força que os tribunais têm conferido na luta para que a saúde seja alcançada através do direito de utilizar a cannabis sativa para fins medicinais, as pessoas ainda esbarram na burocracia e na falta de condição financeira para custear o uso. É evidente que apesar das recentes progressões no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro a respeito da maconha medicinal, a questão ainda enfrenta dificuldades.

Recentemente a Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal do Brasil – Cannab requereu na justiça da Bahia liminar para pesquisar, cultivar e produzir óleo de maconha para fins medicinais, o pedido foi requestado para atender a 50 pessoas mas pode beneficiar mais de 300 pessoas.

A Associação para Pesquisa e Desenvolvimento da Cannabis Medicinal no Brasil (Cannab) entrou com um pedido de liminar na Justiça da Bahia pelo direito de pesquisar, cultivar e produzir o óleo de maconha para fins medicinais. A substância, o canabidiol, já é utilizada em diversos tratamentos neurológicos pelo mundo, mas, no Brasil, o acesso ao medicamento ainda esbarra em questões burocráticas e, principalmente, financeiras. (ROSSI, 2018)

Ademais é notório que o Judiciário tem insistido na ideia de que saúde é direito inderrogável e, independentemente de qualquer formalidade contida na legislação, deve ser concretizado, como a permissão concedida para a associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (ABRACE), em João Pessoa, para cultivar a maconha para que atenda 151 pacientes. A decisão foi proferida pela Justiça Federal da Paraíba.

A magistrada estabeleceu ainda que a Anvisa receba esse pedido de Autorização Especial no prazo de 45 dias. Ao falar sobre a evolução do uso medicinal da maconha, a magistrada federal fez o registro de decisões da 3ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e da 1ª Vara da Paraíba, autorizando pacientes a importar tais produtos, o que ainda foi considerado um entrave para famílias carentes em virtude dos custos envolvidos. "O custo mensal pode superar R$ 1.000,00, valor que pode torná-lo inacessível para famílias de baixa renda", afirmou ela. (G1 PB, 2017)

Embora a maconha ainda arroste dificuldades devido à burocracia e o alto custo, a esperança que se tem é que na inércia do Poder Público os tribunais venham a servir como um instrumento promotor do direito fundamental a saúde, na sua plenitude.


CONCLUSÃO

O ativismo judicial, embora periodicamente considerado um fenômeno vil e anárquico que transparece vilipêndio ao princípio da separação de poderes, tem desempenhado papel de extrema importância no que ser refere ao direito fundamental à saúde. Não obstante ainda visto sob a lente positivista como um comportamento audacioso por parte do Poder Judiciário brasileiro, o ativismo tem colaborado para que a justiça social alcance a todos, sem distinção, tendo em vista que coloca a dignidade da pessoa humana acima de qualquer norma positivada e burocracia no acesso à saúde.

O Judiciário brasileiro tem ganhado destaque principalmente no tocante a utilização de substâncias derivadas da maconha para fins medicinais. Ocorre que já foi comprovado o potencial terapêutico do canabidiol em diversas doenças, tanto físicas quanto psicológicas, porém devido a ilicitude da planta em território brasileiro o uso do composto é algo difícil, distanciando as pessoas do acesso à saúde, pois, traz qualidade de vida e permite que algumas limitações causadas pelas enfermidades fossem superadas, levando esperança para quem possui sua vida comprometida.

Influenciado por esse pensamento, o Poder Judiciário permitiu a primeira importação legal do óleo a base do CBD, o que antes era feito de maneira ilegal. Este foi um significativo avanço na luta prol o acesso a saúde tendo em vista que, a partir da decisão dos tribunais a tendência a aceitação do produto no país foi aumentando de forma gradativa, até chegar nos dias atuais, onde o canabidiol deixou de integrar a lista de produtos proibidos da ANVISA e agora completa a lista de produtos controlados, sendo que em 2017 foi registrado o primeiro medicamento a base da cannabis sativa.

Em que pese já seja permitido o uso do CDB no Brasil, a matéria ainda é controversa pois, não há pacificação para o uso em todos os tipos de doenças, embora já comprovada a eficácia, e a questão ainda precisa ser levada aos tribunais, pois, diante do alto custo do medicamento a maior parte do público alvo do produto não possui condição de custeá-lo, e o SUS não o distribui, distanciando a população mais uma vez do acesso integral a saúde, visto que o custeio de medicamentos pelo Poder Público comporta o sentido completo do direito à saúde.

Assim, diante do comportamento do Poder Público em obstar o acesso a tal produto através de burocracias, as pessoas têm recorrido ao Poder Judiciário para que a tutela estatal do direito à saúde chegue a cada uma delas de forma integral, incluindo o acesso gratuito a tratamentos já comprovadamente eficazes.

Isto posto, é notório que ativismo judicial tem contribuído para a promoção da saúde. Ora, é mais plausível aceitar que o Poder Judiciário esteja exercendo prerrogativas próprias do Legislativo e Executivo com o objetivo de promover o bem comum, do que deixar a população desprovida do mínimo existencial, sob a alegação de estar violando o princípio da separação de poderes, modelo este introduzido em contexto diverso ao que se vivencia hoje.

Sobre os autores
Vinicius Pinheiro Marques

Doutor em Direito Privado (magna cum laude) pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC MINAS). Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professor de Direito da Universidade Federal do Tocantins (UFT), do Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA) e da Faculdade Católica do Tocantins (FACTO).

Giovanna Matos Silva

Faculdade Católica do Tocantins Bacharelanda em Direito Estagiária na Advocacia-Geral da União- AGU

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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