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Desobstrução das estradas com o emprego das Forças Armadas

Agenda 29/05/2018 às 14:13

O emprego das Forças Armadas pelo governo, cada vez mais frequente, costuma gerar controvérsia. Agora, o Exército foi chamado a desobstruir vias públicas ocupadas em meio à greve dos caminhoneiros, que já caminha para seu oitavo dia.

Nos últimos anos vem se intensificando a convocação das Forças Armadas (FA) para atuarem em missões voltadas para setores da segurança pública, as quais, em regra, deveriam ser executadas pelos órgãos policiais federais e estaduais, com atribuições específicas para tanto, tal qual previsto na Constituição Federal.[1]

Exemplos mais recentes são a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro e o controle na fronteira do ingresso de refugiados da Venezuela, que buscam em nossa pátria aquilo que lhes foi negado em sua terra natal.

A confiança que a nação deposita nas Forças Armadas, aliada a fatores como a alta qualificação dos oficiais responsáveis pelo gerenciamento dos cenários de crise, e suas tropas bem instruídas para o cumprimento das missões, são alguns dos elementos que tem impulsionado o emprego dos militares para lidar com os mais diversos desafios que o país vem enfrentando.

O episódio mais recente - o qual estamos vivenciando - refere-se à paralisação dos caminhoneiros, em protesto ao aumento do preço do combustível diesel. Esse, pelo menos, foi o motivo principal alegado, por mais que haja outas pautas (transparentes ou obscuras) sendo negociadas para o retorno as atividades.

Mais uma vez, as Forças Armadas foram convocadas para atuar neste cenário, em especial para manter abertas as vias e rodovias federais, estaduais, distritais e municipais.

Neste breve texto, a intenção é analisar as principais fontes normativas que legitimam o emprego das Forças Armadas para estas missões.

Assim é que a própria Constituição Federal prevê a possibilidade de emprego das Forças Armadas em tais cenários, ao estabelecer, em seu art. 142, que as Forças Armadas são constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.[2]

Visando a especificar a forma de organização, preparo e emprego das Forças Armadas, inclusive neste contexto de garantia da lei e da ordem, foi editada a Lei Complementar n° 97/99, que expressamente autorizou o emprego das Forças nestes cenários de perturbação da ordem pública.[3]

Esta atuação das Forças Armadas, em contextos de atividades típicas de segurança pública (garantia da lei e da ordem), entretanto, não descaracterizam a natureza militar destas intervenções transitórias e episódicas. A própria Lei Complementar nº 97/99, em seu art. 15, § 7°, considera como atividade militar as ações desenvolvidas no exercício destas atribuições subsidiárias, para o especial fim de submissão, dos militares envolvidos, à Justiça Militar, na hipótese de haver eventual questionamento quando de suposta violação de alguma determinação legal, por parte daqueles militares que estiverem coordenando ou executando as respectivas missões.[4]

Nesta linha de orientação, foi elaborado o Manual MD33-M-10. Inicialmente aprovado pela Portaria Normativa 3461/2013, e posteriormente pela Portaria Normativa 186/2014. O Manual MD33-M-10 passou a ter validade desde 20/12/2013. Estando na sua 2º edição, que foi elaborada em janeiro de 2014.

Nas páginas 14/15, são elencados os conceitos sobre o que vem a ser a intitulada “Operação de Garantia da Lei e da Ordem”, e as controversas definições do que se deve reputar como  “Agentes de Perturbação da Ordem Pública (APOP)” e “ameaças”, in verbis:

1.4 Conceituações (p. 14/15)

...

- Operação de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO) é uma operação militar determinada pelo Presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no art. 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem (Artigos 3º, 4º e 5º do Decreto Nº 3.897, de 24 de agosto de 2001).

- Agentes de Perturbação da Ordem Pública (APOP) são pessoas ou grupos de pessoas cuja atuação momentaneamente comprometa a preservação da ordem pública ou ameace a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

- Ameaças são atos ou tentativas potencialmente capazes de comprometer a preservação da ordem pública ou ameaçar a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

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Por sua vez, o item 4.1 Generalidades (páginas 25/28) enfatiza que estas operações deverão observar os preceitos da razoabilidade, proporcionalidade e legalidade:

4.1 Generalidades

4.1.1 O emprego da força nas Operações de Garantia da Lei e da Ordem assentar-se-á na observância dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da legalidade.

4.1.2 A Razoabilidade consiste na compatibilidade entre meios e fins da medida. As ações devem ser comedidas e moderadas.

4.1.3 A Proporcionalidade é a correspondência entre a ação e a reação do oponente, de modo a não haver excesso por parte do integrante da tropa empregada na operação.

4.1.4 A Legalidade remete à necessidade de que as ações devem ser praticadas de acordo com os mandamentos da lei, não podendo se afastar da mesma, sob pena de praticar-se ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

Sendo que, ainda de acordo com as diretrizes estabelecidas neste manual (item 4.4.3, página 28/29), as principais ameaças e ações durante uma Op GLO podem envolver:

“...4.4.3 Principais Ações

Entre outras, dependendo da característica do emprego autorizado na GLO, podem-se relacionar as seguintes ações a serem executadas:

a) assegurar o funcionamento dos serviços essenciais sob a responsabilidade do órgão paralisado;

b) controlar vias de circulação;

c) desocupar ou proteger as instalações de infraestrutura crítica, garantindo o seu funcionamento;

d) garantir a segurança de autoridades e de comboios;

e) garantir o direito de ir e vir da população;

f) impedir a ocupação de instalações de serviços essenciais;

g) impedir o bloqueio de vias vitais para a circulação de pessoas e cargas;

h) permitir a realização de pleitos eleitorais...

Vale dizer, com base nos mecanismos legais vigentes, as Forças Armadas estão legitimadas a intervir em situações de protestos, tais quais os que vem acontecendo agora em maio de 2018, predominantemente pelos caminhoneiros. Podendo, inclusive, tomar os veículos que transportam combustíveis dos particulares e empresas, e os conduzir até o local de destino, para regularizar a distribuição de combustíveis. Pois, para tanto, também há expressa autorização prevista na Constituição Federal:

“Art. 5°: XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano...”

Ainda mais se considerado que o próprio Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão proferida pelo Relator do caso, o MIN. ALEXANDRE DE MORAES deferiu medida liminar em 25 de maio de 2018, nos autos da ADPF n° 519, autorizando a adoção destas providências, nos seguintes termos:

“...CONCEDO A MEDIDA CAUTELAR postulada na presente ADPF, ad referendum do Plenário (art. 5º, § 1º, da Lei 9.882/1999) e, com base no art. 5º, § 3º, da Lei 9.882/1999: (a) AUTORIZO que sejam tomadas as medidas necessárias e suficientes, a critério das autoridades responsáveis do Poder Executivo Federal e dos Poderes Executivos Estaduais, ao resguardo da ordem no entorno e, principalmente, à segurança dos pedestres, motoristas, passageiros e dos próprios participantes do movimento que porventura venham a se posicionar em locais inapropriados nas rodovias do país; bem como, para impedir, inclusive nos acostamentos, a ocupação, a obstrução ou a imposição de dificuldade à passagem de veículos em quaisquer trechos das rodovias; ou o desfazimento de tais providências, quando já concretizadas, garantindo-se, assim, a trafegabilidade; inclusive com auxílio, se entenderem imprescindível, das forças de segurança pública, conforme pleiteado (Polícia Rodoviária Federal, Polícias Militares e Força Nacional). (b) DEFIRO a aplicação das multas pleiteadas, a partir da concessão da presente decisão, e em relação ao item (iv.b) da petição inicial, estabeleço responsabilidade solidária entre os manifestantes/condutores dos veículos e seu proprietários, sejam pessoas físicas ou jurídicas. (c) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que, ao obstarem os pleitos possessórios formulados pela União, impedem a livre circulação de veículos automotores nas rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos; (d) SUSPENDO os efeitos das decisões judiciais que impedem a imediata reintegração de posse das rodovias federais e estaduais ocupadas em todo o território nacional, inclusive nos respectivos acostamentos. Publique-se e comunique-se, com URGÊNCIA, o DD. Presidente da República. Publique-se...”

Esta decisão liminar expedida pelo STF ostenta importante efeito legitimador do Decreto n° 9.382, de 25 de maio de 2018, autorizando o emprego das Forças Armadas para a desobstrução das vias públicas no contexto de uma missão de GLO. Cujos trechos de maior interesse são abaixo reproduzidos:

Art. 1º Fica autorizado o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em ações de desobstrução de vias públicas federais no período da data de entrada em vigor deste Decreto até 4 de junho de 2018.

...

Art. 2º O emprego das Forças Armadas, na forma e no período previstos no caput do art. 1º, para a desobstrução de vias públicas estaduais, distritais ou municipais fica autorizado mediante requerimento do Chefe do Poder Executivo estadual ou distrital, acompanhado de elementos que demonstrem a insuficiência de meios da Polícia Militar do ente federativo.

...

Art. 3º As ações previstas neste Decreto poderão incluir, em coordenação com os órgãos de segurança pública, após avaliação e priorização definida pelos Ministérios envolvidos:

I - a remoção ou a condução de veículos que estiverem obstruindo a via pública;

II - a escolta de veículos que prestem serviços essenciais ou transportem produtos considerados essenciais;

III - a garantia de acesso a locais de produção ou distribuição de produtos considerados essenciais; e

IV - as medidas de proteção para infraestrutura considerada crítica...”

O que se pretendeu com esta resumida análise foi apenas, e tão-somente, examinar as bases legais que autorizam o emprego das Forças Armadas nestas situações de manifestações de setores da sociedade, que possam trazer comprometimentos à ordem e à segurança públicas. Sem entrar no questionamento das políticas públicas que devem (ou que deveriam) ser adotadas para evitar e superar estas crises.

Inquestionavelmente, a nação pode se orgulhar das Forças Armadas que possui. Crise após crise, ano após ano, as tropas federais castrenses tem demonstrado que estão cientes, e prontas para cumprir com suas missões constitucionais, na defesa da pátria e da sociedade. Modelo de dedicação, patriotismo, e de sentimento do cumprimento do dever inerente à farda.


Notas

[1] Constituição Federal: Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares...

[2] Constituição Federal - Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas.

[3] Lei Complementar n° 97/99 – Art. 1o As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Parágrafo único. Sem comprometimento de sua destinação constitucional, cabe também às Forças Armadas o cumprimento das atribuições subsidiárias explicitadas nesta Lei Complementar.

...

Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

...

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins.(Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)...

[4] Lei Complementar n° 97/99 –  Art. 15. O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

...

§ 7o  A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº 136, de 2010).

Constituição Federal – Art. 124. À Justiça Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei.

Sobre o autor
Sérgio de Oliveira Netto

Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE (SC).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA NETTO, Sérgio. Desobstrução das estradas com o emprego das Forças Armadas . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5445, 29 mai. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66533. Acesso em: 2 nov. 2024.

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