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Gestão da justiça e o princípio da eficiência

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Agenda 05/06/2018 às 13:11

Este artigo descreve a evolução do Processo Judicial Eletrônico e a possibilidade de utilização na esfera Penal, como ferramenta da busca pela eficiência do Poder Judiciário.

Resumo: O artigo apresenta o uso da tecnologia de informação, especificamente, o Processo Judicial Eletrônico-PJE, como ferramenta de gestão do Poder Judiciário na busca da eficiência nos julgamentos criminais. Mostra-se a necessidade da busca da verdade real nos processos penais e a possibilidade do uso do PJE sem ferir direitos e garantias constitucionais. A problematização demonstra, através da comparação do uso dessa ferramenta em processos de natureza Cível, como podem ser garantidos a eficiência e os direitos dos acusados utilizando-se uma metodologia moderna de tramitação processual.

Palavras-chave: Justiça, Gestão, Processo, Penal, Eletrônico, Eficiência, Tecnologia.


1 introdução

Diante da grande demanda da sociedade por um Poder Judiciário mais célere e eficaz tem se buscado cada vez mais aprimorar a administração dos Tribunais. Através de técnicas de Planejamento Estratégico e emprego de tecnologias, a prestação jurisdicional vem em poucos anos desenvolvendo melhores resultados e se expandindo para atender à população.

Após a Constituição de 1988, há 28 anos, o judiciário e a sociedade vêm se transformando e adotando novas práticas. Por outro lado, a doutrina do Direito é mais conservadora com relação às práticas que visam apressar a marcha processual com risco de ferir direitos e garantias fundamentais do cidadão.

Com as modificações feitas na nossa Constituição Federal a partir dos anos 1990 tem-se intensificado o debate sobre como essas transformações poderiam acontecer sem ameaçar o devido processo legal, a segurança jurídica e a confiança do cidadão no Poder Judiciário e, desta forma, nas instituições democráticas como um todo.

O Poder Judiciário, como uma divisão do poder democrático, que tem como objetivo dizer e determinar os limites de aplicação das leis, tem uma responsabilidade sobre sua gestão no sentido de manter confiabilidade nas suas decisões sob o risco de seus erros levarem a população a descrer no Estado como soberano na administração da sociedade.

Os órgãos administrativos dos Tribunais, em regra, são exercidos por magistrados com o auxílio de técnicos. Como exemplo: O presidente dos Tribunais de Justiça Estaduais são Desembargadores e os administradores dos Fóruns do interior do Estado são Juízes de Direito. Especialistas em Direito, investidos no exercício da Magistratura para dizer o Direito em sentido estrito e incumbidos de decisões administrativas no exercício atípico do Poder Judiciário. Atípico no sentido de exercer outra atividade, permitida por lei, diferente da atividade fim do Poder.

Verifica-se que havia necessidade de unificação das diretrizes administrativas nos órgãos dos Poderes Judiciários estaduais e federais para uniformizar os procedimentos, simplificando a atividade sem perder a confiança da população na justiça.

Dessa forma, vê-se uma situação mais complexa em razão das diferentes culturas existentes no nosso país continental, diversos entendimentos administrativos e judiciais, inúmeras fontes políticas e limitações de pessoal e orçamento.

No Processo Penal exige-se a busca da verdade real. 

Um elemento fundamental da busca de eficiência do Poder Judiciário é o Processo Judicial Eletrônico – PJE que vem apresentando bons resultados na esfera cível e administrativa. Mas, como seria sua aplicação ao processo penal? Quais as limitações e possíveis prejuízos à busca da verdade real pelo uso da tecnologia?

O presente artigo demonstra as particularidades do uso da ferramenta eletrônica e sua relação com o processo penal.


2 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A BUSCA DA VERDADE REAL NO PROCESSO PENAL, REVISÃO DA LITERATURA

O princípio da eficiência foi introduzido na Constituição Federal de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº 19, em 1998.  Momento de reformulação do Estado Brasileiro que, uma década após a promulgação da Constituição cidadã, ainda sofria com o engessamento da máquina pública, minada pelo patrimonialismo e desvirtualização do sistema burocrático. Berwig e Jalil retrataram a inovação da seguinte forma:

Diante da necessidade de adequação a essas mudanças rápidas, o Estado vem mudando seu perfil. Tem-se visto nos agentes públicos uma preocupação muito maior com a qualidade da Administração Pública. E estas adequações, têm que ser estabelecidas no ordenamento jurídico, em face da própria submissão da Administração e do Estado à legalidade. É este o quadro que se coloca para a inserção da eficiência como princípio constitucional (BERWIG;JALIL, 2006, p. 2).

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No mesmo sentido, Dantas ressaltou a reforma administrativa ligada à globalização para demarcar a inclusão expressa do princípio da eficiência.

O princípio da eficiência, que tem sua origem no direito privado, veio com a chamada Reforma Administrativa. Surgiu como resposta não apenas à burocratizada estrutura administrativa brasileira, mas também à necessidade que apresentou de se adequar aos novos parâmetros de organização e prestação de serviços que a política de desestatização veio a requerer (DANTAS, 2002, p.2).

Diante dessas transformações, os órgãos públicos vêm se transformando e criando novas rotinas que atendam ao preceito da eficiência. Assim, o gestor público deve buscar inovações que atinjam de forma substancial o objetivo almejado, qual seja, uma excelente prestação de serviço público. O Ministro do Superior Tribunal Federal Gilmar Mendes, demonstra o novo foco da administração pública após o advento da EC 19/98:

A atividade da Administração Pública deve ter em mira a obrigação de ser eficiente. Trata­-se de um alerta, de uma advertência e de uma imposição do constituinte derivado, que busca um Estado avançado, cuja atuação prime pela correção e pela competência. Não apenas a perseguição e o cumprimento dos meios legais e aptos ao sucesso são apontados como necessários ao bom desempenho das funções administrativas, mas também o resultado almejado. Com o advento do princípio da eficiência, é correto dizer que Administração Pública deixou de se legitimar apenas pelos meios empregados e passou – após a Emenda Constitucional n. 19/98 – a legitimar­-se também em razão do resultado obtido (MENDES, 2014, p.1039).

Portanto, ser eficiente é buscar um serviço público de qualidade, com rapidez e o menor custo possível. Na administração da Justiça, especificamente no gerenciamento dos trâmites do processo penal, deve-se buscar esta eficiência com observância estrita aos princípios garantidores das liberdades individuais.

2.1 PRINCÍPIO DA VERDADE REAL

Um dos princípios que diferenciam o processo penal dos demais é o da verdade real. Insculpido no art. 156 do Código de Processo Penal, permite e ao mesmo tempo determina que o Magistrado busque, de ofício, provas que julgar necessárias para a elucidação dos fatos.  Luiz Flávio Gomes descreve este princípio da seguinte forma:

[...] princípio da verdade real, informa que no processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos. Diferentemente do que pode acontecer em outros ramos do Direito, nos quais o Estado se satisfaz com os fatos trazidos nos autos pelas partes, no processo penal (que regula o andamento processual do Direito penal, orientado pelo princípio da intervenção mínima, cuidando dos bens jurídicos mais importantes), o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deve buscar que o ius puniendi seja concretizado com a maior eficácia possível (GOMES, 2011, p. 1).

Diante de tais considerações, percebe-se que no processo penal podem surgir inúmeras situações em que sejam necessárias diligências, como, por exemplo, requisição de perícias, que não foram solicitadas pelas partes e que o Magistrado terá liberdade para requisitar com o objetivo de uma melhor formação do convencimento.

Neste sentido, Nestor Távora descreve este princípio como instrumento do julgador na busca da reconstrução dos fatos.

O processo penal não se conforma com ilações fictícias ou afastadas da realidade. O magistrado pauta o seu trabalho na reconstrução da verdade dos fatos, superando eventual desídia das partes na colheita probatória, como forma de exarar um provimento jurisdicional mais próximo possível do ideal de justiça (TÁVORA, 2014, p.60). 

Reconhecidamente, a doutrina assume que a verdade real é utópica, porém tal mecanismo possibilita ampliar o convencimento do julgador evitando, assim, uma condenação/absolvição injusta.

Pode-se dizer que é uma característica do processo penal que difere dos demais ramos do Direito. Outra particularidade que se pode citar é o procedimento do Júri. Neste caso, o processo se desenvolve de forma diferente, em duas fases, porém, sob a base dos mesmos princípios.

O desafio para gestão do processo penal é adequar esses princípios às novas tecnologias de forma a garantir a tramitação do devido processo legal, com celeridade e confiança.


3 A GESTÃO PARA UM PODER JUDICIÁRIO EFICIENTE

Na busca de um Poder Judiciário mais célere e moderno o legislador procurou adotar uma centralização de comando, a partir da qual seriam emanadas normas padronizadas diminuindo as desigualdades de gestão comuns a um país continental como o nosso. A partir da Emenda Constitucional nº 45 de 2004, foi instituído o Conselho Nacional de Justiça –CNJ, que objetivava unificar e fiscalizar a administração judiciária e processual.

[...] principal ponto da Reforma do Judiciário, instituída pela Emenda Constitucional n. 45, a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 14 de junho de 2005, marcou o início de nova era para o Judiciário brasileiro. Se antes eram poucas as estatísticas existentes e raros os casos de punições por desvios funcionais dos magistrados, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45 e a instalação do CNJ muitos foram os avanços alcançados pelo Poder Judiciário [...] (CNJ, 2015)

Diante do preceito constitucional da busca da eficiência na gestão pública o Conselho Nacional de Justiça buscou uniformizar as rotinas dos sistemas eletrônicos dos diversos tribunais atuantes no país. A partir do Departamento de Gestão Estratégica-DGE do CNJ, foram realizados estudos para se chegar a quais soluções seriam necessárias para tornar o Judiciário mais eficiente.

Um dos principais desafios enfrentados pelo Conselho nestes dez anos foi criar uma base de dados estatísticos confiáveis, que permitissem a instituição de um planejamento estratégico e o monitoramento de ações voltadas à melhoria da prestação jurisdicional. Com esse objetivo, foi criado o Relatório Justiça em Números, uma publicação anual do CNJ que traz uma espécie de radiografia do Poder Judiciário, com os principais dados relativos à litigiosidade (números de processos iniciados, julgados e baixados), pessoal (número de magistrados e de servidores) e despesas orçamentárias (CNJ, 2015)

Dentro desses elementos encontrados pela Gestão Estratégica do CNJ está o objeto da nossa pesquisa, o sistema de Processo Judicial Eletrônico – PJE.


4 TECNOLOGIAS A SERVIÇO DO PROCESSO EFICIENTE.

O Processo Judicial Eletrônico vem sendo implantado, gradualmente, no judiciário brasileiro desde o ano de 2011[3]. A priori foi implantado nos órgãos julgadores Cíveis.

As principais características que guiam a implantação do PJE é a uniformização de rotinas, a gratuidade do software, a otimização da força de trabalho, a economia de materiais e a eliminação do tempo despendido com a transporte e manipulação de processos físicos.

A transferência para os equipamentos de informática de atos praticados por humanos torna o processo muito mais célere e seguro. Explico: No processo físico, um servidor público do setor de distribuição recebe a petição inicial, protocola no sistema, fura as folhas manualmente, faz uma capa, encaderna, numera as páginas, carimba com a inscrição de remessa e coloca numa pilha de processos que serão levados para a secretaria da Vara. Ao chegar na Vara o processo vai para a Secretaria que o recebe fisicamente, inclui o recebimento no sistema de informática, carimba com o carimbo de conclusão e remete ao gabinete do Juiz para o despacho inicial.

Percebe-se claramente que, mesmo com muito empenho dos servidores e juízes, há um tempo morto durante essa tramitação física. Ressalte-se que após o despacho o processo pode ser enviado ao Ministério Público, por exemplo, e lá ter todo esse caminho a percorrer até retornar com o parecer ministerial.

Com o Processo Judicial Eletrônico, os Advogados protocolam suas petições iniciais, via internet, do próprio escritório, e nesse momento já se forma o processo, poupando todo o trâmite do setor de distribuição. 

Além dessa agilidade, o sistema do PJE também faz a contagem dos prazos processuais, automaticamente, com alertas para os servidores do vencimento do prazo e de quanto tempo o processo está em cada setor.

Um estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas a pedido do Conselho Nacional de Justiça apontou que os processos eletrônicos são julgados mais rápido que os processos físicos.

A conclusão de um processo no PJe foi mais rápida que em meio físico. Menos de 25% dos autos digitais analisados tramitou por mais de 50 meses sem andamento de término, enquanto mais de 60% dos autos físicos superaram o mesmo prazo. O suporte eletrônico foi mais ágil em todas as classes processuais examinadas: administrativo, civil, previdenciário, tributário, trabalhista (CNJ, 2017).

Ocorre que o desenvolvimento do software PJE foi idealizado pelo CNJ em setembro de 2009 em um trabalho realizado em convênio com o Conselho da Justiça Federal. O Projeto foi interrompido e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região-TRF5, deu continuidade unilateralmente. Após adesão da Justiça do Trabalho, para o desenvolvimento, também, aderiram ao projeto dezesseis Tribunais de Justiça e o Tribunal de Justiça Militar de Minas Gerais. A primeira versão foi instalada em 2010 na Justiça Federal, seção judiciária de Natal/RN (Cível)[4].

O Processo Judicial Eletrônico segue um fluxo de informações para o desenrolar da atividade jurisdicional. É claramente perceptível que o fluxo dos processos cíveis e trabalhistas são diferentes dos processos criminais, o que a princípio levou a grande implantação do sistema nessas esferas do direito.

O Tribunal Regional Federal da 5ª Região tem implantado o sistema PJE – Criminal que ainda não tem implantação nos Tribunais Estaduais. Sem dúvida os benefícios do sistema agilizariam a tramitação dos processos criminais, fato extremamente relevante, principalmente, quando envolve a restrição de liberdade de uma pessoa.

Questionada, a Gerente de Projetos Estratégicos do Comitê Gestor do PJe no Tribunal de Justiça de Pernambuco, Sra. Ioná Leite Mota de Sena, relatou que os Processos Cíveis foram priorizados no PJe em razão do sistema já funcionar nos juizados federais e terem um fluxo mais simples que os processos criminais que ainda exigiriam a integração com as delegacias e outros órgãos.

Ioná Sena, ainda relata que a previsão para a implantação do PJe Criminal é para o final de 2018, inicialmente em Juizados Especiais Criminais, caso a versão do sistema esteja homologada pelo CNJ. Segue-se o mesmo caminho do PJe Cível que nesta trilha consolidou-se como sistema modelo. A Gerente de Projetos Estratégicos  (PJe) do Tribunal de Justiça de Pernambuco   destaca que os fluxos desenvolvidos no PJe atendem  às demandas dos princípios constitucionais e processuais penais, adaptando-se o sistema ás necessidades de cada esfera do Direito.   Segundo ela os obstáculos a serem suplantados para a utilização do sistema eletrônico de processos criminais é a integração com os demais órgãos que participam da persecução penal.

Quais os obstáculos para a rápida implantação do PJE Criminal? Mapeamento, padronização e implantação do fluxo de tramitação do processo, integração com os diversos agentes do Poder Judiciário, como as delegacias de polícia, ministério público, etc. Um processo numa tramitação criminal deve prever andamentos distintos para cada parte ré.(SENA, 2018, p.1)

Os desafios da Gestão Pública encontram-se apresentados diante necessidade de interação entre as diferentes esferas do conhecimento gerencial sobretudo a Jurídica, a Administrativa e a Tecnologia de Informação.

Sobre o autor
Hudson de Oliveira Melo

Bacharel em Direito - Atualmente servidor efetivo do Poder Judiciário de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso de pós-gadruação em Gestão Pública.

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