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A guarda compartilhada como instrumento jurídico eficaz a inibir a alienação parental

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Agenda 15/10/2019 às 10:40

8. DA ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

 

8.1 Da efetiva aplicação da guarda compartilhada após a lei 13.058/2014

 

Após o início da vigência da lei 11.698/2008, as aplicações práticas da guarda compartilhada eram pífias, mas ganharam uma sobrevida no ordenamento jurídico nacional com a chegada da lei 13.058/2014, que trouxe novos contornos ao modelo, impondo uma espécie de compulsoriedade em sua aplicação. Para melhor ilustrarmos esses dados, elaboramos o seguinte quadro comparativo, com base nos dados do IBGE:

 

Quadro 2: Estatísticas nacional sobre o deferimento de guarda compartilhada em 1ª instâncias em caso de divórcios (IBGE, 2012 à 2015 ).

ANO

Proporção de divórcios judiciais concedidos sem recursos, por responsável pela guarda dos filhos menores (%).

MARIDO

MULHER

CONJUNTA

OUTRO

2012

5,4

87,1

6,0

1,0

2013

5,2

86,3

6,8

1,0

2014

5,5

85,1

7,5

1,0

2015

5,2

78,8

12,9

1,0

 

Como pode ser observada, já no ano seguinte à promulgação da lei 13.058/2014, houve um aumento expressivo na quantidade de julgados favoráveis, sendo que, em 2015, o total de guardas deferidas a ambos os genitores, quase que dobrou, quando comparado com o ano anterior e, segundo dados mais recentes, já chegam a 16,9% na média nacional, com pico de 20,7% na Região Norte do país (IBGE, 2016, p. 6).

Assim, diante dos dados supracitados e de toda a discussão proporcionada até o momento pelo ensaio, iremos avaliar como está ocorrendo a evolução da modalidade de guarda, a partir da leitura do posicionamento analítico dos magistrados, em face aos casos concretos postos ao seu crivo.

Nessa esteira, conforme proposto inicialmente, analisaremos algumas decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo e Rio Grande do Sul, além disso, veremos com igual intuito a forma de pensamento emanada do Superior Tribunal de Justiça, uma vez que esse se trata de órgão revisor de convergência dos referidos tribunais estaduais e último interprete da legislação federal, sendo responsável pela harmonização das jurisprudências infraconstitucionais no país.

Para um estudo mais preciso e igualitário entre esses tribunais, observamos as decisões num todo, contudo, focando-nos em duas espécies recursais, o Agravo de Instrumento (Ag) (art. 1.015, CPC), que visa a reanálise de decisões interlocutórias, isto é, decisões que atacam questões incidentais sem resolver o mérito do processo (art. 203, §2º, CPC); e a Apelação Cível (AC) (art. 1.009, CPC), que visa ao reexame dos pronunciamentos em sede de primeiro grau de jurisdição, que põem fim a fase cognitiva de um processo, avaliando ou não, o mérito processual (art. 203,§1º, CPC).

Desse modo, a análise da seção será dividida em: i) Posicionamento em decisões interlocutórias (medida cautelar ou fixação de liminar de guarda) e ii) Posicionamento em decisões revisionais de sentenças.

Posta a questão nesses termos, passaremos então às análises propriamente dita.

 

8.1.1 Da aplicação da guarda compartilhada no Estado de São Paulo

 

Dando prosseguimento, em primeiro plano, faremos um estudo na jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que segundo o CNJ, trata-se do maior Tribunal de Justiça do país. Nesse diapasão, foram coletadas e analisadas 25 (vinte e cinco) decisões colegiadas, sendo 12 (doze) Apelações Cíveis e 13 (treze) Agravos de Instrumentos, todas proferidas entre 2011 e 2017.

Isso posto, passamos a discutir os dados obtidos referente ao primeiro órgão colegiado posto a análise.

 

8.1.1.1 Posicionamento em decisões interlocutórias (medida cautelar ou fixação de liminar de guarda)

 

Conforme observado nas decisões proferidas em sede de Agravo de Instrumento (Ag), vimos que somente a partir de junho de 2016, alguns Desembargadores (Des.) passaram a aceitar a guarda compartilhada em determinados casos concretos. Nesse vértice, somente foram mantidas as decisões em favor da guarda compartilhada em 02 (duas) ocasiões (Ag 2066346-06.2017.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Araldo Telles – 10ª Câmara de Dir. Privado TJSP, julgado em 31/07/2017; e Ag 2062192-76.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Carlos Alberto Salles – 3ª Câmara de Dir. Privado TJSP, julgado em 21/06/2016). Noutras 03 (três) circunstâncias, os casos em análise foram igualmente favoráveis à guarda compartilhada, contudo, houve a reforma da decisão proferida em 1ª instância, convertendo a guarda unilateral para o modelo de compartilhamento (Ag 2077079-65.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Rômolo Russo – 7ª Câmara de Dir. Privado TJSP, julgado em 09/09/2016; Ag 2094136-62.2017.8.26.0000, Rel. Des. Dra. Fernanda Gomes Camacho – 5ª Câmara de Dir. Privado TJSP, julgado em 03/10/2016; e, Ag 2102132-48.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Carlos Alberto Salles – 3ª Câmara de Dir. Privado TJSP, julgado em 24/08/2016).

Por seu turno, a maciça corrente jurisprudencial do TJSP, que até hoje segue com julgados nesse sentido, entende que em sede de medida cautelar ou fixação de liminar de guarda, em regra, inexistindo acordo pelo compartilhamento, aplica-se a guarda exclusiva a um dos genitores, na qual, qualquer mudança visando ao deferimento da guarda compartilhada deverá aguardar o término da instrução processual, pois desse modo, o magistrado poderá formar sua convicção sobre a melhor espécie de guarda de maneira sólida, principalmente quando visível à inexistência de harmonia entre ex-casal (Ag 2032044-48.2017.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Piva Rodrigues – 9ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 29/08/2017; Ag 2089204-02.2015.8.26.0000, Rel. Des. José Roberto Furquim Cabella, 6ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 01/09/2015; Ag 2026507-08.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Eduardo Sá Pinto Sandeville – 6ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 23/06/2016; Ag 2059884-67.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Natan Zelinschi de Arruda – 4ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 30/06/2016; Ag 2004597-22.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Beretta da Silveira – 3ª Câmara de Direito Privado, julgado em 22/11/2016; Ag. 2004597-22.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Alexandre Lazzarini – 9ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 13/12/2016; Ag 2098427-42.2016.8.26.0000, Rel. Des. Dra. Mary Grün – 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, Julgado em 04/10/2016, Ag 2047846-86.2017.8.26.0000, Rel. Des. Dr. Alexandre Coelho – 8ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 09/08/2017).

 

8.1.1.2 Posicionamento em decisões revisionais de sentenças

 

Em linhas gerais, o posicionamento do Tribunal de Justiça de São Paulo mostra-se uno, principalmente quando mudamos a espécie de recurso, isto é, quando saímos do Agravo de Instrumento (Ag) e adentrando a análise das Apelações Cíveis (AC). Quando o assunto é a guarda compartilhada, fica patente qual é a corrente predominante no TJSP. Para essa expressiva maioria de desembargadores, é inerente ao modelo de compartilhamento, a harmonia entre os genitores para a tomada de decisões conjuntas, pois só assim, ela realmente poderá ser considerada eficaz ao fim a que se destina, ou seja, o atendimento do melhor interesse da criança e do adolescente.

Diante dessa realidade, das 12 (doze) apelações analisadas, somente em 04 (quatro), houve a conversão ou manutenção da guarda compartilhada (AC 0010229-60.2013.8.26.0132, Rel. Des. Dr. Luís Mário Galbetti – 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 14/09/2016; AC 1001989-38.2016.8.26.0495, Rel. Des. Dr. Alvaro Passos - 2ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 22/11/2016; AC 0006638-51.2012.8.26.0318, Rel. Des. Dr. Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho – 8ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 06/05/2015; e, AC 000036774.2008.8.26.0218, Rel. Des. Dra. Christine Santini – 5ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 03/08/2011).

Quando o assunto é a denegação, o número é bem mais expressivo, não requer despensa de muito tempo para reunir-se bom apanhado de Acórdãos, todavia, separamos 08 (oito), nas quais o posicionamento acerca da necessária harmonia encontra-se presente: AC 0032462-84.2011.8.26.0564, Rel. Des. Dr. Alexandre Marcondes – 3ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 27/01/2017; AC 0014587-89.2012.8.26.0007, Rel. Des. Dr. José Rubens Queiroz Gomes – 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 21/09/2016; AC 3002563-30.2013.8.26.0431, Rel. Des. Dra. Silvia Maria Facchina Espózito Martinez – 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 23/11/2016; AC 1003215-34.2016.8.26.0348, Rel. Des. Dr. Luiz Antônio Costa – 7ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 14/08/2017; AC 0002275-05.2014.8.26.0430, Rel. Des. Dra. Fernanda Gomes Camacho – 5ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 08/02/2017, AC 0005776-02.2012.8.26.0344, Rel. Des. Dr. Hamid Bdine – 4ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 19/10/2017; AC 619.064-4/4-00, Relator Des. Dr. Morato de Andrade – 2ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 01/12/2009; e, AC 0000278-03.2015.8.26.0575, Rel. Des. Dr. Carlos Alberto Salles – 3ª Câmara de Direito Privado TJSP, julgado em 05/09/2017.

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8.1.2 Da aplicação da guarda compartilhada no Estado do Rio Grande do Sul

 

Assim como feito no caso do Tribunal de Justiça de São Paulo, analisamos a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, cuja principal característica é o pensamento progressista nas decisões, o que, de certo modo, contrapõe-se ao do TJSP tido como conservador. Como vimos nas seções anteriores, foram coletadas e analisadas algumas decisões colegiadas, no caso do TJRS, foram um total de 31 (trinta e uma) decisões, dentre as quais foram 14 (quatorze) apelações (AC) e 17 (dezessete) Agravos de Instrumentos (Ag), sendo todas proferidas entre 2011 e 2017.

Isso posto, passamos a discutir os dados obtidos referente ao segundo Tribunal de Justiça.

 

8.1.2.1 Posicionamento em decisões interlocutórias (medida cautelar ou fixação de liminar de guarda)

 

Em primeiro lugar, encontramos algumas umas semelhanças entre os dois Tribunais, pois tanto São Paulo como Rio Grande do Sul passaram a deferir a aplicação da guarda compartilhada com mais efetividade a partir de meados de 2016. Entretanto, é patente a diferença entre eles no que diz respeito à mudança de pensamento dos desembargadores, pois enquanto em São Paulo, houve algumas poucas decisões favoráveis ao compartilhamento, no Rio Grande do Sul, as mudanças deram-se de forma mais visível, principalmente nas Apelações Cíveis (AC) a partir de dezembro de 2016.

Já em sede de Agravo de Instrumento (Ag), as decisões que negaram a instalação da guarda compartilhada por meio de decisões interlocutórias, ocorreram de maneira muito semelhante a do TJSP. Sendo os principais motivos os seguintes:

i) inadequado o provimento da modalidade compartilhada de guarda em sede de cautelar de fixação de guarda ou sem o devido estudo social na casa dos litigantes: Ag 70043691310, Rel. Des. Dr. André Liuz Planella Villarinho, Julgado em 24/08/2011; Ag 70067124206, Rel. Des. Dr. Ricardo Moreira Lins Pastl – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 17/12/2015; Ag 70068853894, Rel. Des. Dr. Sergio Fernandes de Vasconcelos Chaves - 7ª Câmara Cível, julgado em 29/06/2016; Ag 70074646639, Rel. Des. Dra. Liselena Schifino Robles Ribeiro - 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 24/10/2017; Ag 70068845452, Rel. Des. Dr. ;

ii) inadequado o compartilhamento em decorrência da tenra idade da criança (menores de 03 anos): Ag 70067917724, Rel. Des. Dra. Liselena Schifino Robles Ribeiro - 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 10/01/2016; e, Ag 70073155087, Rel. Des. Dra. Liselena Schifino Robles Ribeiro - 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 31/05/2017; e,

iii) inadequado em ambiente que a desarmonia prevalece: Ag 70067109975, Rel. Des. Dr. Ricardo Moreira Lins Pastl – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 17/12/2015; Ag 70040493330, Rel. Des. Dr. Luiz Felipe Brasil dos Santos – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 31/03/2011; Ag 70050851062, Rel. Des. Dr. Ricardo Moreira Lins Pastl – 8ª Câmara Cível, julgado em 18/10/2012; Ag 70049207533, Rel. Des. Dr. Rui Portanova, 8ª Câmara Cível, julgado em 30/08/2012; Ag 70071368088, Rel. Luiz Felipe Brasil Santos – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 24/11/2016.

Apesar de encontrarmos alguns posicionamentos favoráveis à guarda compartilhada, em sede de Agravo de Instrumento, os doutos desembargadores mostraram-se, em regra, temerosos a sua aplicação sem a devida investigação social da família, com isso, nessa modalidade de recurso, a figura mais comum, ainda, era a manutenção provisória da guarda da prole a um dos genitores. Entretanto, tal temor em nada obstou que em determinados casos, o compartilhamento de responsabilidades fosse provido (Ag 70068124148, Rel. Des. Dr. Ricardo Moreira Lins Pastl – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 31/03/2016; Ag 70067749200, Rel. Des. Dr. Ricardo Moreira Lins Pastl – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 28/04/2016; Ag 70070341748, Rel. Des. Dra. Sandra Brisolara Medeiros – 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 28/09/2016; Ag 70068219161, Rel. Des. Dr. Ricardo Moreira Lins Pastl – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 28/04/2016; Ag 70071092472, Rel. Des. Dr. Luiz Felipe Brasil dos Santos – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 01/12/2016). Em verdade, mesmo com essas decisões positivas em favor da guarda compartilhada, em se tratando de questões incidentais, a massiva jurisprudência é em favor da cautela, ou seja, manutenção do status quo (decisão proferida pelo juízo de 1ª instância) até que seja superada a fase instrutória do processo.

 

8.1.2.2 Posicionamento em decisões revisionais de sentenças

 

A princípio, como já dito na seção anterior, a principal diferença entre os Tribunais, de São Paulo e Rio Grande do Sul, reside nas decisões que visam à revisão de toda a matéria posta à lide em 1ª Instância. Assim, até o último bimestre de 2016, persistia com maior força no TJRS a necessária relação harmoniosa entre os genitores para que a guarda compartilhada seja possível e proveitosa (AC 70066780883, Rel. Des. Dr. Sérgio Fernandes de Vasconcellos Chaves – 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 02/12/2015; AC 70069728566, Rel. Des. Dr. Rui Portanova – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 07/07/2016; AC 70069446227, Rel. Des. Dr. Rui Portanova – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 25/08/2016; AC 70068658285, Rel. Des. Dr. Luiz Felipe Brasil Santos – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 27/10/2016, AC 70071229660, Rel. Des. Dra. Liselena Schifino Robles Ribeiro - 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 26/10/2016).

Em verdade, essa fundamentação perdura até hoje a depender do julgador e sua convicção pessoal (AC 70074868464, Rel. Des. Dra. Liselena Schifino Robles Ribeiro - 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 05/10/2017, AC 70072314495, Rel. Des. Dra. Liselena Schifino Robles Ribeiro - 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 14/08/2017), contudo, desde o final de 2016, muito por conta da Recomendação n.º 25 da Corregedora Nacional de Justiça, Ministra Nancy Andrighi, muitos desembargadores mudaram o teor de seus votos, como é caso do Eminente Desembargador Rui Portanova:

 

APELAÇÃO CÍVEL. GUARDA E VISITAS. ALTERAÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, "a nova redação do art. 1.584 do Código Civil irradia, com força vinculante, a peremptoriedade da guarda compartilhada. O termo "será" não deixa margem a debates periféricos, fixando a presunção - jure tantum - de que se houver interesse na guarda compartilhada por um dos ascendentes, será esse o sistema eleito, salvo se um dos genitores [ascendentes] declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor (art. 1.584, § 2º, in fine, do CC)." No caso dos autos, ambos os genitores têm condições morais e psicológicas para dispensar aos filhos o cuidado e afeto necessários para um saudável desenvolvimento. Nesse passo, apesar de os pedidos de um e de outro genitor ser no sentido do estabelecimento da guarda unilateral para si, mostra-se viável o estabelecimento da guarda de forma compartilhada, de modo a permitir maior ampliação do convívio com os filhos. Eventual necessidade de repartição formal de dias de convivência deverá ser decidido na origem, conforme orientação do artigo 1584, § 3º: "Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.". DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70071818785, 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 15/12/2016).

 

Ou, ainda, conforme visto, igualmente, no voto do Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO, CUMULADA COM GUARDA E PARTILHA DE BENS. PRINCÍPIO DA UNIRRECORRIBILIDADE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. REVOGAÇÃO. GUARDA COMPARTILHADA. CONVÍVIO PATERNO. VISITAÇÃO. AMPLIAÇÃO. ALIMENTOS. NOME DO CÔNJUGE. 1. Recurso adesivo. (...). A ré é servidora pública estadual, e percebe vencimentos mensais que superam a cinco salários mínimos, parâmetro usualmente utilizado por esta Corte para fins de concessão do benefício. Nesse contexto, então, impõe-se a revogação do benefício, conforme pleiteado pelo autor. 4. Guarda. A guarda da menor, de 4 anos de idade, deve se dar sob a forma compartilhada, conforme estabelecido na sentença, já que não há consenso entre os genitores e ambos têm condições de exercer o poder familiar (art. 1.584, § 2º, do CC). A relação conturbada que se estabeleceu entre as partes após a separação não é empecilho para a guarda compartilhada, devendo prevalecer o bem-estar da filha, que tem o direito de conviver tanto com o pai quanto com a mãe. Logo, vai indeferido o pedido de guarda unilateral da demandada/apelante. 5. Convivência paterna. O regime de visitação paterna deve ser ampliado, possibilitando o pernoite nas quartas-feiras e nas sextas-feiras quando o pai estiver com a filha nos fins de semana alternados, seja porque os genitores compartilham a guarda da menina, seja porque não há elementos nos autos que impeçam um convívio maior. O contato mais intensificado virá em benefício de pai e filha, pois poderão estreitar os vínculos afetivos, estremecidos por conta da separação. 6. Férias. Conforme manifestação das partes, há consenso quanto à convivência dos genitores com a infante no período de férias de verão e de inverno, de modo que a regulamentação estabelecida na sentença é de ser modificada. (...). (Apelação Cível Nº 70074490897, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 19/10/2017).

 

Segue, ainda, nessa vertente de decisões: AC 70073694861, Rel. Des. Dr. Jorge Luís Dall’agnol – 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 27/09/2017; AC 70071858252, Rel. Des. Dr. Alexandre Kreutz – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 19/10/2017; AC 70073433005, Rel. Des. Rui Portanova – 8ª Câmara Cível TJRS, julgado em 17/08/2017; AC 70071373674, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – 7ª Câmara Cível TJRS, julgada em 30/11/2016; AC 70075071803, Rel. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves – 7ª Câmara Cível TJRS, julgado em 24/10/2017).

 

8.1.3 Das análises revisoras do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) trata-se de uma das inovações trazidas pela Constituição Federal de 1988, sendo-lhe conferida, dentre outras atribuições, ser o último interprete da legislação federal, sendo o responsável por sua uniformização jurisprudencial. A contrario sensu, o STJ não se trata de uma terceira instância do judiciário, na qual toda e qualquer matéria discutida no processo poderá ser reapreciada, como se faz nos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça Estaduais e Distritais. Dentre suas atribuições, previstas no art. 105 da CF/88, aquela que nos interessa para o presente estudo encontra fundamento no inciso III:

 

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

I - processar e julgar, originariamente:

(...)

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; (...)

c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal (BRASIL, 1988).

 

Ou seja, nos casos abrangidos por esse estudo estão os Recursos Especiais (REsp), na qual visam "manter a unidade do direito brasileiro, com a supremacia da legislação federal, naquilo que fot competência da União" (COSTA, 2012, p. 394).

Nesse contexto, foram encontradas 11 (onze) decisões, na qual figurava, quase sempre, no polo ativo, a irresignação do recorrente, quanto à denegação do pleito favorável ao compartilhamento da guarda, nos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Sergipe e Rio Grande do Sul.

Em análise desses Acórdãos, encontramos um posicionamento uno, no que diz respeito à aplicação da guarda compartilhada como regra, mesmo em casos na qual o estado de beligerância entre os genitores era uma realidade. Entretanto, em apenas 08 (oito) reexames, o modelo de custódia conjunta foi deferido, sendo eles nos seguintes recursos: REsp 1.591.611/SE, Ministro Relator Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma STJ, julgado em 21/02/2017; REsp 1.642.311/RJ, Ministra Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma STJ, julgado em 02/02/2017; REsp 1.629.994/RJ, Ministra Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma STJ, julgado em 06/12/2016; REsp 1.626.495/SP, Ministra Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma STJ, julgado em 15/09/2016; REsp 1.560.594/RS, Ministro Relator Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma STJ, julgado em 23/02/2016; REsp 1.428.596/RS, Ministra Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma STJ, julgado em 03/06/2014; REsp 1.251.000/MG, Ministra Relatora Nancy Andrighi, 3ª Turma STJ, julgado em 23/08/2011; e, REsp 1.147.138/SP, Ministro Relator Aldir Passarinho Junior, 4ª Turma STJ, julgado em 11/05/2010.

Já no julgamento do REsp 1.605.477/RS, em 21 de junho de 2016, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, apesar de admitir que a guarda compartilhada é regra, devendo ser aplicada independente de consenso dos genitores, no caso em apreço, demonstrou que mesmo a regra, comporta exceções, principalmente quando a decisão impactar em profundo prejuízo ao melhor interesse da criança e adolescente:

 

(...) No mundo ideal, para que a guarda seja proveitosa para os filhos seria imprescindível que existisse entre os pais uma relação marcada pela harmonia e pelo respeito, na qual não se identificassem disputas nem conflitos. Porém, por óbvio, tal realidade não é usual nos litígios envolvendo questões de família. Assim, a guarda compartilhada passou a ser a regra, independentemente de concordância entre os genitores acerca de sua necessidade.

A implementação da guarda compartilhada não se sujeita à transigência dos genitores, portanto.

Todavia, no caso concreto, há peculiariedades que inviabilizam sua adoção, a saber: a dificuldade geográfica e o princípio do melhor interesse dos menores, que obstaculizam, em princípio, sua efetivação.

Na hipótese, a modificação da rotina das crianças, ou até mesmo a possível alternância de residência, impactaria drasticamente a vida das menores. Por exemplo, não é factível vislumbrar que as crianças, porventura, estudassem alternativamente em colégios distintos a cada semana ou que frequentassem cursos a cada 15 (quinze) dias quando estivessem com o pai ou com a mãe. Tal impasse é insuperável na via judicial (CUEVA, 2016, p. 4).

 

Outrossim, contrariando a própria jurisprudência, durante o julgamento de dois outros REsp’s (REsp 1.654.111/DF, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma STJ, julgado em 22/08/2017 e REsp 1.417.868/MG, Relator Ministro João Otávio Noronha, 3ª Turma STJ, julgado em 10/05/2016), a regra do compartilhamento mostrou-se inviável, pois infligiria a prole “efeitos ainda mais negativos ao já instalado conflito, potencializando-o e colocando em risco o interesse da criança” (CUEVA, 2017, p. 6).

Em última análise, o STJ mostra-se estar em sintonia, tanto com as determinações emanadas do CC/02, como emanadas da CF/88. A regra estabelecida na Lei da Guarda Compartilhada, assim como qualquer outra, comporta exceções, contudo, a análise dessas exceções dever ser feita de maneira adequada, caso a caso, não podendo, pois tornar-se regra, como outrora ocorrera. Assim como, nem todo conflito em sede de dissoluções de vínculo afetivo, pode ser considerado causa suficiente para denegação da custódia conjunta, a satisfação das regras previstas no art. 1.584, §2º, CC/02 não pode sobrepujar o melhor interessa da criança, principalmente, porque este último, emana de fonte constitucional.

 

8.2 Da controvérsia instalada entre a aplicabilidade dos modelos de guarda existentes

 

A guarda unilateral, ao contrário de que muitos pensam e, inclusive, afirmam (não retira do ascendente não guardião os poderes-deveres oriundos do poder familiar (art. 1.634, CC/02)[28], ela tão somente mitiga, o poder da imediatividade, pois esse se concentra, exclusivamente, na pessoa do guardião. Contudo, essa errônea interpretação, que hoje, é praticamente, inerente ao modelo, induz ao guardião, quando frustrado ou contrariado com o término do relacionamento, um poder quase absoluto, na qual buscando, geralmente, a vingança pessoal se utiliza do filho como meio para atingir sua finalidade ardil.

Essa transformação da criança em objeto é extremamente favorecida quando o detentor da guarda a tem, de forma unilateral, principalmente pelos seguintes motivos: a) tempo de convívio: a criança não possui muito contato com o não guardião, o tempo para tanto é extremamente reduzido, sendo corriqueiramente, impostas as famigeradas visitas quinzenais; b) exclusividade na tomada de decisões: o monopólio para tomada de decisões facilita e corrobora o aumento do atrito, uma vez que o guardião poderá escolher o futuro do filho, sempre em contradição com o outro pai; e, c) possibilidade de vedar um maior convívio: existindo o conflito entre os pais, fatidicamente o não guardião não terá a seu favor, uma dilação consensual do período com o filho (viagens ou passeios fora dos dias acordados para visitas).

É fato que os problemas não se resumem aos apontados, mas seguramente podem ser indicados como os mais corriqueiros. Outrossim, diante dessa imprecisa  de interpretação, quando instalada a guarda unilateral, gera-se a criação de um poder quase absoluto, no qual o guardião, como pseudo proprietário da criança ou adolescente, tem o poder de negar, enquanto existir a beligerância entre eles, o direito do outro genitor conviver de forma saudável com sua prole, pois nem sempre, eventos especiais de interesse de ambos, progenitor e genitor, coincidiram com o dia de visitação.

É salutar dizer que tais circunstâncias não deixarão de existir tão somente porque a guarda deixou de ser unilateral e passou a ser compartilhada, todavia, a existência dessas causas pode ser mitigada consideravelmente, tendo em vista a igualdade de direito entre os pais.

Por seu turno, a guarda compartilhada traz um novo conceito de continuidade nas relações dos filhos com ambos os pais, consolidando um bom diálogo das fontes entre o Capítulo XI do CC/02 e as demais leis relacionadas à proteção do infante de nosso ordenamento. Entretanto, não se pode esperar que, como num passe de mágica, toda a problemática envolvendo a pós-dissolução da sociedade conjugal, seja resolvida com o mero estabelecimento do novo modelo de custódia.

Em verdade, uma possível solução para essa problemática reside num real enfrentamento desse transtorno, ou seja, o judiciário ao invés de reverter decisões em favor da guarda compartilhada, deve impelir, com os meios em direito admitidos, uma tomada de decisões mais sensata, de ambos os pais.

Nessa toada, de forma brilhante, durante a prolação de seu voto no REsp 1.428.596/RS, a eminente Ministra do STJ, Nancy Andrighi, pondera sobre a impossibilidade de compartilhamento da guarda entre pais litigantes:

 

(...) A conclusão de inviabilidade da guarda compartilhada por ausência de consenso faz prevalecer o exercício de uma potestade inexistente. E diz-se inexistente, porque, como afirmado antes, o Poder Familiar existe para a proteção da prole, e pelos interesses dessa é exercido, não podendo, assim, ser usado para contrariar esses mesmos interesses. Na verdade, exigir-se consenso para a guarda compartilhada dá foco distorcido à problemática, pois se centra na existência de litígio e se ignora a busca do melhor interesse do menor. Para a litigiosidade entre os pais, é preciso se buscar soluções. Novas soluções – porque novo o problema –, desde que não inviabilizem o instituto da guarda compartilhada, nem deem a um dos genitores – normalmente à mãe, in casu, ao pai – poderes de vetar a realização do melhor interesse do menor.

Waldir Gisard Filho sustenta tese similar, ao afirmar que:

Não é o litígio que impede a guarda compartilhada, mas o empenho em litigar, que corrói gradativa e impiedosamente a possibilidade de diálogo e que deve ser impedida, pois diante dele 'nenhuma modalidade de guarda será adequada ou conveniente. (Grisard Filho, Waldir. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, pag. 205) (ANDRIGHI, 2014, p. 7).

 

Assim, o judiciário deve, quando o pleno exercício da guarda compartilhada estiver sendo posto em risco, pela excessiva animosidade entre os pais, aplicar medidas austeras contra ambos litigantes, impondo-lhes inclusive, astreintes pela inobservância daquilo que deveria ser o objeto de toda a atenção, isto é, a criação sadia dos filhos, revertendo os louros obtidos por meio dessa medida, a uma conta em nome da criança, cuja movimentação somente se dará, quando devidamente demonstrada à necessidade e mediante autorização judicial.

Entretanto, esse empenho que o caso exige, não é comum aos juízos do país, o Ministério Público, que atua como fiscal da ordem jurídica nos processos que envolvem incapazes[29], pouco se esforça para que se cumpra o preceito legal, mesmo diante de resoluções e disposições legais. Cotidianamente, em face dessa natural animosidade[30], ambos, magistrados e membros do Parquet, obstam o exercício da guarda compartilhada, como se ela fosse o real problema a ser resolvido e não o litígio excessivo entre os pais, que corroem qualquer possibilidade de amadurecimento sadio e natural dos infantes que, inevitavelmente, diante dessa inércia mórbida de quem deve exigi-las, permanecerá existindo, com ou sem o compartilhamento das responsabilidades.

 

Sobre o autor
José Carlos de Moraes Horta

Agente de Segurança Penitenciário no Estado de São Paulo desde 2002. Bacharel em Direito e aprovado no XXV Exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduando em Direito Público pela Faculdade Legale.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HORTA, José Carlos Moraes. A guarda compartilhada como instrumento jurídico eficaz a inibir a alienação parental. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5949, 15 out. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/67438. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Trabalho de conclusão de curso, apresentado na Faculdade de Caieiras, Grupo Uniesp S/A, aprovado com nota máxima pela banca examinadora. Prof. Orientadores: Me. Renato Antonio de Souza e Esp. Eduardo da Costa Nunes Miguel

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