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A convencionalidade e constitucionalidade do crime de desacato

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3 CONCLUSÃO

Encerrada a breve discussão, extrai-se que o crime de desacato não representa incompatibilidade nem com a Constituição Federal e nem com o Pacto de São José da Costa Rica. Sua tipificação visa a garantir o respeito e o prestígio à função pública, assegurando o regular andamento das atividades administrativas. Não há sobreposição do funcionário público sobre o particular, pois se aquele faltar com respeito ao administrado, ou de qualquer forma agir de forma ímproba, também será punido, diga-se, de forma mais rigorosa que o particular. Em ambos os casos a razão de ser das normas é a mesma: a preservação da boa administração.

Outrossim, em breve análise acerca da convencionalidade do crime, afere-se que o famigerado Pacto de São José da Costa Rica não traz em seu bojo nenhum dispositivo que vede os países-membros de positivá-lo na seara penal. E, embora a Comissão Internacional de Direitos Humanos recomende o afastamento das “leis de desacato”, trata-se de mera recomendação, sem nenhum efeito vinculante.

Além disso, embora a Constituição Federal também proteja o direito à liberdade de expressão, não se trata de um direito absoluto, devendo ser compatibilizado com outros de igual importância no plano jurídico.

Logo, nota-se que a movimentação pela inconvencionalidade e/ou inconstitucionalidade do crime do desacato não encontra sustentáculo, de modo que, havendo conduta típica, antijurídica e culpável, não cabe aos Juízos de Direito substituírem os legisladores e, por si, “decretarem” a descriminalização do artigo 331, do Código Penal.

Havendo previsão legal e ausente eiva de inconstitucionalidade ou inconvencionalidade, há que ser punido o agente que pratica a conduta prevista no tipo. Eventual crítica sobre ser o delito contrário ao princípio da fragmentariedade do Direito Penal é questão de política criminal[24], a ser discutida nas fileiras do Congresso Nacional, e não na caneta (ou na tela) do magistrado, sob pena de se incorrer em ilegal ativismo judicial.


REFERÊNCIAS

ALVES, José Augusto Lindgren. A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Ftd, 1997.

BLUM JÚNIOR, João Conrado. Direitos humanos para presos? Análise do cumprimento aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e seus reflexos na saúde mental dos condenados [eBook]. Amazon, 2018. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Direitos-humanos-para-presos-internacionais-ebook/dp/B07FL121K5. Acesso em 15 ago. 2018.

CIDH, Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de fevereiro de 1995.

CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015.

DICIONÁRIO AURÉLIO DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/desacato. Acesso em 13 ago. 2018.

MAZZUOLI, Valério de Oliveria. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 2ª ed. vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

________. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017.


Notas

[1] Disponível em: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/l5p1200.htm. Acesso em 13 ago.2018.

[2] Art. 237. O crime de injuria commettido por algum dos meios mencionados no artigo duzentos e trinta.

 1º Contra corporações, que exerçam autoridade publica.

 Penas - de prisão por quatro mezes a um anno, e de multa correspondente á metade do tempo (sic).

[3] Art. 134. Desacatar qualquer autoridade, ou funccionario publico, em exercicio de suas funcções, offendendo-o directamente por palavras ou actos, ou faltando á consideração devida e á obediencia hierarchica:

 Pena – de prisão cellular por dous a quatro mezes, além das mais em que incorrer.

 Paragrapho unico. Si o desacato for praticado em sessão publica de camaras legislativas ou administrativas, de juizes ou tribunaes, de qualquer corporação docente ou dentro de alguma repartição publica:

 Pena – a mesma, com augmento da terça parte. (sic).

[4] Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:

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 Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

[5]  Desacato a superior

 Art. 298. Desacatar superior, ofendendo-lhe a dignidade ou o decôro, ou procurando deprimir-lhe a autoridade:

 Pena - reclusão, até quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.

 Agravação de pena

 Parágrafo único. A pena é agravada, se o superior é oficial general ou comandante da unidade a que pertence o agente.

 Desacato a militar

 Art. 299. Desacatar militar no exercício de função de natureza militar ou em razão dela:

 Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime.

 Desacato a assemelhado ou funcionário

 Art. 300. Desacatar assemelhado ou funcionário civil no exercício de função ou em razão dela, em lugar sujeito à administração militar:

 Pena - detenção, de seis meses a dois anos, se o fato não constitui outro crime.

[6] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 7ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 778

[7] Disponível em: https://dicionariodoaurelio.com/desacato. Acesso em 13 ago. 2018.

[8] CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 827.

[9] CUNHA, Rogério Sanches. Código Penal para Concursos. 8ª ed. Salvador: Editora JusPodivm, 2015. p. 828.

[10] Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em 12 ago.2018.

[11] Registra-se que o artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal prevê o quórum especial de votação para que acordos internacionais de direitos humanos sejam incorporados ao ordenamento jurídico como emendas à Constituição, assim dispondo: Art. 5º […]. § 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. 

[12] Para maior aprofundamento: BLUM JÚNIOR, João Conrado. Direitos humanos para presos? Análise do cumprimento aos tratados internacionais ratificados pelo Brasil e seus reflexos na saúde mental dos condenados [eBook]. Amazon, 2018. Disponível em: https://www.amazon.com.br/Direitos-humanos-para-presos-internacionais-ebook/dp/B07FL121K5. Acesso em 15 ago. 2018.

[13] MAZZUOLI, Valério. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 2ª ed. vol. 4. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 133-134.

[14] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 135.

[15] REsp 914.253/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 02/12/2009, DJe 04/02/2010.

[16] É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.

[17] CIDH, Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de fevereiro de 1995. p. 197-212.

[18] Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/s.Convencao.Libertade.de.Expressao.htm. Acesso em 15 ago. 2018.

[19] REsp 1.640.084/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Julgado em 15/12/2016, Dje 01/02/2017.

[20] ALVES, José Augusto Lindgren. A Arquitetura Internacional dos Direitos Humanos. São Paulo: Ftd, 1997. p. 281-282

[21]  61. A liberdade de expressão não é um direito absoluto. O artigo 13 da Convenção Americana dispõe expressamente – em seus incisos 2, 4 e 5 – que ela pode estar sujeita a certas restrições e estabelece o marco geral das condições que tais restrições devem cumprir para serem legítimas. A geral está prevista no inciso 2, pelo qual “o exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: (a) o respeito aos direitos e à reputação das demais pessoas; (b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública ou da saúde ou da moral públicas”. Por sua vez, o inciso 4 dispõe que “a lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2”. O inciso 5 prevê que “a lei deve proibir toda propagada a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.

62. Ao interpretar esse artigo, a jurisprudência interamericana desenvolveu um teste tripartite para controlar a legitimidade das restrições, em virtude do qual estas devem cumprir com uma série de condições precisas para serem admissíveis sob a Convenção Americana. Essas condições são explicadas em detalhe a seguir. A CIDH e a Corte Interamericana também têm considerado: (a) que certas formas de restrição da liberdade de expressão são admissíveis, e (b) que alguns tipos de restrições, pelo tipo de discurso sobre o qual recaem, ou pelos meios que utilizam, devem se sujeitar a um exame mais estrito e exigente para serem válidas sob a Convenção Americana […]. (ipsis  litteris). Disponível em: https://www.oas.org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/20140519%20-%20PORT%20Unesco%20-%20Marco%20Juridico%20Interamericano%20sobre%20el%20Derecho%20a%20la%20Libertad%20de%20Expresion%20adjust.pdf. Acesso em 13 ago. 2018.

[22] HC 141.949, Relator(a):  Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 13/03/2018, Processo Eletrônico DJe-077 DIVULG 20-04-2018 PUBLIC 23-04-2018, p. 6.

[23]       MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 94-95.

[24] Embora a coautora Gabriela Maschio concorde com a conclusão do presente artigo quanto ao Poder Judiciário, ela ressalvou, durante a discussão, entendimento sobre a necessidade de uma postura prévia do Poder Legislativo, que deveria descriminalizar o desacato, sancionando-o apenas na esfera administrativa, ou, pelo menos, para equipará-lo ao delito de abuso de autoridade, no sentido de que as sanções criminais estivessem no mesmo patamar.

Sobre os autores
Bruna Mayara de Oliveira

Assessora de Promotor no Ministério Público do Estado do Paraná. Pós-graduanda em Direito Processual Civil (UNINTER) e em Direito Aplicado (ESCOLA DA MAGISTRATURA DO ESTADO DO PARANÁ).

João Conrado Blum Júnior

Promotor de Justiça no Paraná. Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa.

Gabriel Andreata Dall'agnol

Acadêmico de Direito na UEPG. Estagiário de graduação.

Gabriela Antoniácomi Maschio

Estagiária de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Bruna Mayara; JÚNIOR, João Conrado Blum et al. A convencionalidade e constitucionalidade do crime de desacato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5549, 10 set. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/68429. Acesso em: 24 dez. 2024.

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