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Da prova do esforço comum no direito de família.

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Agenda 26/01/2019 às 12:20

CONTRIBUIÇÃO, APOIO MORAL E MATERIAL. Analogia à Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a diferença de Namoro Qualificado e União Estável.

Com as redes sociais e outras ferramentas tecnológicas, as pessoas cada vez mais se conhecem pela via da internet, seja em sites de namoro ou mesmo aplicativos de paquera em geral. Estabelecem cada vez mais uniões de pessoas de cidades diferentes, relacionamentos que por inúmeros fatores dentre eles o encurtamento de distância, levam estas pessoas a viverem em uniões estáveis ou casamento, muitas vezes com poucas informações a respeito de seu companheiro. Este é um exemplo de constituição de união contemporânea, a qual podem se constatar inúmeros casos de sucesso, todavia, como há os pontos positivos desta conexão mundial entre as pessoas, surgem casos judiciais a demonstrar dentro da fluidez das relações familiares atuais, a constatação de que esta relação pode se demonstrar abusiva e as partes serem obrigadas a dividir seu patrimônio pela presunção absoluta de bens do regime de comunhão parcial de bens, forma supletiva, quando as partes não atribuíram outro regime de bens.

Ciente da nova formação social, o Superior Tribunal de Justiça tratou sobre o namoro qualificado como forma de afastar a configuração da união estável e consequentemente o direito de partilha de bens:

Nesse contexto, é de se reconhecer a configuração, na verdade, de um namoro qualificado, que tem, no mais das vezes, como único traço distintivo da união estável, a ausência da intenção presente de constituir uma família. Quando muito há, nessa espécie de relacionamento amoroso, o planejamento, a projeção de, no futuro, constituir um núcleo familiar. (...)[21].

Não se pode esvaziar os conceitos e princípios do Direito de Família, sob pena de não se encontrarem explicações técnicos-jurídicas, apresentando-se um emaranhado de decisões que não se encontram logicamente. Inclusive, especificamente, da temática do esforço comum no Direito de Família.

O direito pode evoluir com a sociedade, corporificando os anseios sociais sem discriminação. Evidentemente, muito se deve ao não acompanhamento legislativo das mudanças e anseios sociais, a necessidade interpretativa mediante a analogia, o que exige em determinados casos a aplicação excepcional da regra da presunção absoluta no regime de comunhão parcial de bens.

Nota-se que o Superior Tribunal de Justiça ao afirmar as diferenças do Namoro Qualificado para a União Estável, o próprio Tribunal Cidadão, reforça a necessidade de elementos de contribuição, apoio moral e material para a configuração da união estável:

Permissa venia, o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. (grifo no original)

Esta diferenciação além de ser importante para os marcos definidores do estágio do relacionamento, também, apresenta-se relevante no contexto de partilha de bens e do afastamento excepcional da presunção absoluta de esforço comum, sob pena de esvaziamento teórico das conceituações de Família e União Estável.

Não há como se falar que para diferenciar namoro qualificado de união estável imprescindível a prova “do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros” e ao analisar o contexto probatório da partilha de bens não fazer esta avaliação, principalmente e essencialmente, aos casos que o presente artigo aborda como sendo de relações familiares abusivas.

[...] não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que celebrada em contrato escrito, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família. Assim, o namoro aberto, a 'amizade colorida', o noivado não constituem união estável. É indispensável esse elemento subjetivo para a configuração da união estável. Para Zeno Veloso (op. cit.) é absolutamente necessário que entre os conviventes, emoldurando sua relação de afeto, haja esse elemento espiritual, essa affectio maritalis , a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família. A presença ou não deste elemento subjetivo será definida pelo juiz, diante das circunstâncias peculiares de cada caso concreto. Embora tenha o legislador imposto como elemento caracterizador da união estável a mera intenção de constituir família, o certo é que ela só será reconhecida como tal quando, além de os requisitos a) e b) anteriores forem atendidos, a família vier a ser efetivamente constituída - não mediante celebração solene, como se faz no casamento, ou diante do mero objetivo de constituição de família, pois, neste último caso, até mesmo o noivado poderia se enquadrar. (Carvalho Filho, Milton Paulo de. Código Civil comentado. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 6ª Edição, revisada e atualizada. 2012. Editora Manole. São Paulo. p. 2007⁄2008)  

Efetivamente, tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.

[...] Assim, para a constituição da união estável, o casal deve manifestar a sua vontade de constituir família, vivendo nesse sentido como se casado fosse. Isso significa dizer que deve haver assistência moral e material recíproca irrestrita, esforço conjunto para concretizar sonhos em comum, participação real nos problemas e desejos do outro etc. No namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita. (Maluf, Carlos Alberto Dabus; Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. Curso de Direito de Família. 2013. Editora Saraiva. p. 371-374)

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A exemplo, uma relação em que o/a cônjuge que não contribui financeiramente, ainda agride reiteradamente a honra e a dignidade, em qual contexto poderia ser enquadrado de esforço comum indireto? Ao caso deveria ser deferida a presunção absoluta de esforço comum?

Tendo havido o esforço material, não há dúvidas sobre a partilha. Contudo, ante a ausência de contribuição financeira somado ao abuso físico, moral e/ou psicológico do cônjuge ou companheiro, não se faz coerente no ordenamento jurídico, a permanência de relacionamento que corporifica em enriquecimento ilícito. Visto que inclusive afasta-se dos traços configuradores de união estável, muito menos, pode ser palco para proveito financeiro.


DOS COMPORTAMENTOS INDIGNOS. POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A MEAÇÃO

A jurisprudência do Rio Grande do Sul já discutiu em algumas oportunidades o direito de recebimento de meação, quando um cônjuge matou o outro. A questão é intrigante, sendo que em sede de homicídio entre cônjuges a indignidade estabelecida em lei atinge unicamente a herança, mas não a meação, assim afirmou a 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[22], em 22 de junho de 2017:

Considerando que a meação não decorre de direito sucessório, mas, isso sim, de direito próprio, pois ‘os bens que um cônjuge leva para o casamento se fundem com os trazidos pelo outro, constituindo uma única massa, e não voltando à propriedade originária quando do desfazimento do matrimônio’, sopesada a clareza do art. 1.814 do Código Civil Brasileiro no sentido de que a declaração de indignidade visa afastar a percepção do quinhão por herdeiro, com a devida vênia, não comporta reparos a sentença acoimada, que julgou improcedente o pedido inicial.

Referido processo tratava-se de questão de grave ofensa moral e física[23] de um cônjuge a outro, ou seja, o homicídio. Na visão do presente artigo, sobre a configuração de relacionamento abusivo, o fato de os cônjuges serem casados, inclusive, pelo regime de comunhão universal de bens, não deve ser impeditivo à exclusão deste regime, excepcionando-se a regra da comunicabilidade absoluta dos bens e exigindo, por fatores legais, éticos e morais o demonstrativo do esforço comum (material) por parte do cônjuge abusador, no caso assassino, sob pena de perda da meação. Prevalecendo-se, evidentemente, a regra do regime para o cônjuge ou companheiro que não praticou o ato de abuso.

Importante analisar a decisão da Desembargadora Revisora, Maria Berenice Dias, no processo 70005798004 do Tribunal do Rio Grande do Sul[24] em que uma ex-esposa buscava excluir da partilha de bens no divórcio o direito de seu ex-marido que havia matado o sogro. Ao caso aplicava-se o Código Civil de 1916, assim, o marido que não era herdeiro, não seria atingido pela exclusão de indignidade estabelecida no art. 1595, I do CC de 1916[25], favorecendo-se em processo divórcio cumulado com partilha de bens, em razão de ter celebrado o casamento sob o regime de comunhão universal de bens. Muito embora, atualmente estenda-se a indignidade ao cônjuge estabelecida no atual art. 1814 CC de 2002[26], pertinente a abordagem interpretativa da Desembargadora. Neste processo o relator e o Ministério Público foram contrários a tese firmada pela revisora, sustentando que a meação não era atingida pelo art. 1595, I, do CC de 1916. No voto vencedor que foi da revisora prevaleceu a tese de que o legislador, não pode cogitar de todas as hipóteses e, portanto, o decisor, na sua tomada de posição, deve considerar, naqueles casos omissos, os aspectos éticos, relevantes, morais, juntamente com os fundamentos legais:

Não se pode olvidar que não há plenitude do ordenamento jurídico, prova disso é que, modo expresso, tanto o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil quanto o art. 126 do Código de Processo Civil determinam que a Justiça aprecie todas as questões que lhe são postas. Em havendo omissão da lei, por evidente que a solução não é negar a pretensão, pois a própria lei dá o caminho: analogia, costumes e princípios gerais do direito. (...) Ainda que in casu não se possa aplicar o novo Código, cabível atentar que essa ampliação do dispositivo revela a aceitação da diretriz sinalizada pela doutrina. Confesso que tenho enorme dificuldade em fazer distinguir nos elencos legais se o rol é enumerativo, taxativo ou exemplificativo. No momento em que a lei prevê hipóteses - ainda que hipóteses de exclusão - nunca se pode ter o mesmo como exaustivo,  porque, às vezes a imaginação - ou a crueldade do ser humano, como no caso - vai além da previsão do legislador. (...) Assim, se há omissão de norma legal, deve sempre que prevalecer o princípio consagrado pelo legislador que, indiscutivelmente, é o de não permitir a quem atenta contra a vida de outrem possa dele receber alguma coisa, seja como sucessor, seja como cônjuge ou companheiro do sucessor, Essa é a intenção do  legislador e a função da Justiça é exatamente fazer incidir a orientação ditada pela lei. Aliás, para isso é que somos juízes, para fazer justiça segundo os princípios que regem o sistema jurídico. Não somos, como dizia Montesquieu: la bouche de la loi, juízes que simplesmente se limitam a repetir e aplicar a norma contida no elenco legal, permitindo que se conviva com a injustiça. Somos Juízes de Direito, integramos um Tribunal de Justiça. Confesso que fere meu senso de justiça fazer uma injustiça dessa ordem. No dia em que tomei posse como magistrada, jurei fazer justiça, não aplicar a lei de forma mecânica e casuísta.

(...) Se para isso, quem sabe, tiver que  afrontar a lei, a dar ensejo talvez  de ser acusada de ter me tornado adepto da nominada  justiça alternativa, paciência. Se for esse a qualificativo que mereço, vou aceitar, mas não posso permitir é o locupletamento de alguém com a própria torpeza.

A questão trazida, especificamente, de homicídio, apresenta-se de fácil assimilação, no que se refere ao inequívoco conflito com o sentido de justiça. Apesar de que, como demonstrado, a interpretação jurisprudencial encontre espaço, majoritariamente, para preservar o direito da meação do agressor. Contudo, ao operador do direito é possível utilizar da analogia para afastar eventual direito de agressor que atenta gravemente contra a vida, também, não somente em se tratando de homicídio, mas aos casos de grave ofensa a vida e à dignidade, ou seja, nos casos de relações conjugais abusivas.

Sobre o autor
Winderson Jaster

Especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JASTER, Winderson. Da prova do esforço comum no direito de família.: Presunção absoluta ou relativa. Da relação conjugal abusiva como causa excepcional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5687, 26 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69062. Acesso em: 5 nov. 2024.

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