Capa da publicação Esforço comum: quando contestar a partilha
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Da prova do esforço comum no direito de família.

Presunção absoluta ou relativa. Da relação conjugal abusiva como causa excepcional

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26/01/2019 às 12:20
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Há uma presunção de esforço comum no regime de comunhão parcial de bens. Mas será viável excepcionar esta regra em determinados casos, quando da dissolução do vínculo conjugal?

Resumo: O presente artigo se propõe a analisar a presunção de esforço comum no Direito de Família, a viabilidade de excepcionar a regra da presunção absoluta de esforço comum no regime de comunhão parcial de bem e como deve ser interpretada, no Direito de Família, a presunção de esforço comum em relações conjugais abusivas.

Palavras-chave: Direito de Família; Regime de Bens; Comunhão Parcial de Bens; Presunção Absoluta; Presunção Relativa; Relação Conjugal Abusiva.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca analisar o conceito de esforço comum no Direito de Família, a sua relação com os regimes de bens e sua aplicação na esfera da partilha de bens conjugais.

Dentro do contexto de estudo do tema, observa-se a aplicação de conceitos da presunção absoluta (iuris et de iure) e relativa (iuris tantum) do esforço comum, desdobrando-se em relevância temática no campo processual do Direito de Família. Haja vista que a presunção absoluta do esforço comum não requer a produção probatória de que os bens amealhados advieram de uma situação concreta em que um consorte ajudou o outro, a própria contribuição vem do entendimento pretoriano e predeterminado sobre as relações maritais e de união estável. Excepcionando-se as hipóteses taxativamente previstas em lei, como a demonstração de que o bem é proveniente de doação, sub-rogação, herança ou adquirido em data anterior à relação conjugal. Enquanto que na presunção relativa de esforço comum permite a discussão probatória, no que se refere a contribuição de cada cônjuge e companheiro, tais análises serão aprofundadas neste artigo.

Apesar de a jurisprudência majoritária afirmar sobre a presunção absoluta do esforço comum no regime de comunhão parcial de bens, o presente artigo considera hipóteses de excepcionalidade à regra além daquelas do art. 1.659 do Código Civil, isto desdobrando em pontos importantes de produção probatória.

A importância da análise do conceito de esforço comum, tanto direto como indireto, demonstra-se importante, quando analisado que em diversas situações de discussões patrimoniais no âmbito de uniões estáveis e casamentos, ao debruçar-se na análise dos regimes de bens, os tribunais pátrios vêm a decidir escorando-se nesta temática.


DA CONTRIBUIÇÃO DIRETA E INDIRETA

O esforço comum pode ser divido entre contribuição direta e indireta:

A contribuição direta é aquela que advém do trabalho (salário, 13º salários, 1/3 de férias, FGTS, Verba Rescisória e Indenização), renda (aluguel, dividendos e proventos), que cada cônjuge ou companheiro dispõe para efetivação do conjunto patrimonial. Também, pode advir do trabalho manual, seja através da edificação de uma casa ou através da pintura de um quadro.

A contribuição indireta, em regra, possui uma compreensão imaterial, como contribuição moral, psicológica e afetiva1, as quais, normalmente, são menosprezadas como fator de contribuição e aquelas que podem ser verificadas no lar, através dos cuidados dos afazeres domésticos. Na esteira, de entendimento do Ricardo Calderon2, sobreleva-se no Direito de Família o Princípio da Afetividade, o que corrobora com o que afirma o presente artigo e apresenta-se de coerência com a definição de contribuição indireta como norteador das relações familiares e conjugais.


DA PRESUNÇÃO DO ESFORÇO COMUM NO CASAMENTO E NA UNIÃO ESTÁVEL E NOS REGIMES DE BENS (COMUNHÃO PARCIAL DE BENS E SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS).

DO CASAMENTO SOB O REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

No casamento quanto ao Regime de Comunhão Parcial de Bens a jurisprudência majoritariamente fixa como presunção absoluta de esforço comum (Iuris et de Iuri) os bens adquiridos na constância, exceto as disposições legais do art. Art. 1.659. do Código Civil3, como se depreende dos julgados ora colacionados:

Apelação. Partilha de bens amealhados na constância do casamento entre as partes. Regime da comunhão parcial de bens. Terreno recebido pelo réu por herança. Pretensão a recebimento de quota parte referente à edificação de prédios comerciais e residencial durante o casamento. Presunção absoluta de esforço comum. Pretensão acolhida. Avaliação do bem a ser feita em sede de cumprimento da sentença, ocasião que eventual perícia deverá ser solicitada. Preliminar de cerceamento de defesa afastada. Sentença mantida. Recursos improvidos.

(TJ-SP - APL: 00067031820128260101 SP 0006703-18.2012.8.26.0101, Relator: Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, Data de Julgamento: 22/03/2017, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/03/2017)

Apelação. Recurso. Redistribuição pela Resolução OE nº 737/2016 e Portaria nº 02/2017 do TJSP. Partilha de bens. Preliminar de cerceamento de defesa afastada. PARTILHA. Casamento contraído sob o regime da comunhão parcial de bens. Presunção absoluta de esforço comum. Relevância da contribuição imaterial para a formação do acervo patrimonial. Precedentes. O fato de o marido ter adquirido bens antes do casamento não elimina o direito de a mulher incluir na comunhão as parcelas pagas, durante ele, a título de financiamento. O contrato do veículo foi firmado em nome da mãe do requerido. Prova estritamente documental. Sentença reformada em parte. RECURSO DESPROVIDO.

(TJ-SP 40013235220138260604 SP 4001323-52.2013.8.26.0604, Relator: Beretta da Silveira, Data de Julgamento: 15/03/2018, 31ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Data de Publicação: 16/03/2018)

Neste viés, também, posiciona-se a Doutrina:

O regime de comunicação patrimonial presume a concorrência dos cônjuges em desenvolver um esforço matrimonial solidário, que empreendem para levar à frente os propósitos do casamento e a viabilizar a aquisição dos bens e das riquezas necessárias para a subsistência e conforto da família constituída. Essa presunção não admite prova em contrário, e pouco importa tenha um dos cônjuges vertido uma contribuição econômica e o outro se dedicado às tarefas da casa e dos filhos4.

É de se analisar que dentro do quadro estabelecido de presunção absoluta, repercute-se na instrução processual, inclusive a produção probatória podendo ser indeferida pelo juiz, viabilizando, em muitos casos, o julgamento antecipado da lide, visto que a matéria restará adstrita à prova documental de propriedade em nome de um dos cônjuges e que possibilite a verificação da data aquisitiva, sendo que a instrução probatória através de testemunhas será dispensável.

A presunção estabelecida pela jurisprudência é de que a relação marital advém de mútua contribuição, solidariedade e contribuição material e imaterial. A despeito da jurisprudência conceber a presunção absoluta do esforço em comum, o operador do direito não está alijado de repercutir questões sérias, graves e excepcionais que fogem à normalidade do regime de comunhão de parcial bens, de modo que para obstar a presunção absoluta, este artigo aborda a necessidade prévia de alegação da inexistência de contribuição material e imaterial em decorrência de abusividade da relação conjugal.

DO ESFORÇO COMUM NA UNIÃO ESTÁVEL

No mesmo aspecto interpretativo, é majoritária a jurisprudência no aspecto da presunção absoluta do esforço comum na União Estável, vejamos:

Apelação Cível. Embargos de Terceiro. Penhora sobre bem imóvel da companheira. Desconstituição. Impossibilidade. Companheiro. Direito a meação. união estável. aplicação do regime geral de comunhão parcial de bens. bens adquiridos durante a constância da relação. Presunção absoluta de contribuição de ambos os companheiros. Sentença mantida. 1. “Na união estável, vigente o regime da comunhão parcial, há presunção absoluta de que os bens adquiridos onerosamente na constância da união são resultado do esforço comum dos conviventes5

Contudo, deve ser observada que a interpretação quanto à presunção legal de esforço comum quanto aos bens adquiridos onerosamente prevista no art. 5º da Lei 9.278/1996, não se aplica à partilha do patrimônio formado pelos conviventes antes da vigência da referida legislação. Assim, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça6.

Ainda, dentro da temática da união estável, é de se destacar aquela proveniente de pessoa casada, separada de fato, mas que ingressa em união estável, na exata perspectiva do art. 1723. do Código Civil7, uma vez que não houve a definição da partilha de bens. A interpretação que se faz é aquela estabelecida decorrente da separação obrigatória de bens8, ou seja, que permite a divisão dos bens amealhados pelos esforço comum. Ocorre que a presunção é relativa.

DO ESFORÇO EM COMUM NO REGIME DE SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS.

Como se sabe o Regime de Separação Obrigatória de bens por força de disposição legal9 determina que às pessoas que se enquadrem a exemplo de idade (septuagenário) e que não partilharam seus bens no divórcio, não possuem opção de escolha de regime de bens.

No que se refere ao regime de separação obrigatória de bens, em conformidade com a súmula a súmula 377 do STF, observa-se instabilidade jurisprudencial a exigir a prova10 ou a presumir relativamente o esforço comum11. Em análise da questão o Tribunal do Rio Grande do Sul em uniformização de divergência, julgou pela presunção relativa12.

DOS RELACIONAMENTOS CONJUGAIS ABUSIVOS

Importante asseverar que, majoritariamente, as mulheres em sede de violência doméstica, são vítimas e sofrem abusos de seus parceiros, no campo psicológico, financeiro, moral e sexual. Diante disso, a Lei Maria da Penha trouxe avanços na proteção de seus interesses, legislação que deve ser valorizada e ser instrumento concreto de aplicação de proteção às mulheres pelo Poder Judiciário.

Contudo, há operadores do direito que se afastam da afirmativa da existência de relações familiares em que os homens sofrem nas mãos de suas esposas ou companheiras, atos de evidente perseguição moral, psicológica e física. Talvez, esta asserção seja negligenciada por uma compreensão equivocada do Direito de Família que faz um enquadramento de seus atores de modo hermético e retórico, não reconhecendo a existência de uma pluralidade de comportamentos sociais que devem ser analisados caso a caso, examinado objetivamente os elementos exteriores, tanto de dependência financeira, estabilidade emocional, idade, entre outros fatores. A relação abusiva pode ser ato decorrente do comportamento abusivo tanto do homem como da mulher.

O que vêm a ser relações conjugais abusivas? São aquelas relações familiares em que cônjuge ou companheiro de maneira reiterada aflige a outra parte através de diminuição de sua autoestima, ameaçando e/ou injuriando ou também ferindo fisicamente, num contexto em que se demonstra a falta de respeito à dignidade do seu companheiro/cônjuge, não havendo solidariedade entre o casal ou conviventes.

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A família na compreensão constitucional13 de espaço de desenvolvimento dos anseios pessoais e sociais, categorizada como a base da sociedade, não pode ser palco para aproveitamento financeiro e estelionato emocional, onde aproveitadores, assaltadores, violentadores e abusadores, são acobertados pela ausência de legislação a respeito, adquirindo direito patrimonial, tanto a título de partilha de bens em sede de divórcio ou dissolução de união estável, inclusive, sendo amparados pela presunção absoluta de esforço comum no regime de comunhão parcial de bens. Apesar do presente artigo focar nas hipóteses do regime de comunhão parcial de bens, afirma que os fundamentos também são válidos para o regime de comunhão universal de bens14, destacando-se a excepcionalidade interpretativa.

A jurisprudência tem admitido que o casamento realizado por puro interesse econômico caracteriza erro quanto à pessoa do cônjuge e, portanto, passível de anulação no prazo de três anos contados da celebração do casamento (arts. 1.550, III; 1.557, I; 1.560. III, CC)15. Apesar das questões relativas à anulação do casamento, por erro essencial sobre a figura do cônjuge ou companheiro, mesmo aos casos em que não aplicável a anulação dos efeitos do casamento ou união estável, passível a aplicação excepcional da figura da presunção relativa esforço comum, mediante a contraprova da não contribuição direta e indireta, quando demonstrado que o relacionamento conjugal é abusivo, neste caso específico, não devendo prevalecer a regra da presunção absoluta no regime de comunhão parcial de bens.

A prova a ser produzida não é diabólica, o fato negativo é constatável por silogismo, ou seja, se observado abusividade do relacionamento logo conclui-se pela ausência de contribuição indireta.

O artigo 7º da Lei Maria da Penha16, 1.566 do Código Civil17 e art. 1.814. do Código Civil trazem um vetor interpretativo de configuração de relacionamento conjugal abusivo, por analogia. Não se está a estabelecer que a mera tipificação em um dos artigos e incisos caracterize o relacionamento em abusivo, mas é um fator indicador ao juiz.

O ideal seria contar, concomitantemente, com estrutura de equipe psicossocial do juízo para aquilatar a configuração de um relacionamento abusivo, observando-se elementos que demonstrem controle e dominação por parte do abusador, o qual através do medo, culpa, vergonha e intimidação mantém a pessoa refém, num cenário que pode alternar entre dominação financeira, física ou psicológica.

Não se pretende, neste artigo, analisar a culpa18 pela ruptura conjugal ou mesmo a responsabilidade civil (indenização) decorrente deste ato; o que se pretende é analisar os atos deletérios à saúde psicológica, física e moral que não corroboram com os conceitos de família, matrimônio ou união estável e que devem refletir no campo da decisão judicial sobre a formação do patrimônio em comum, afastando-se consequentemente a presunção absoluta de esforço comum no regime de comunhão parcial de bens.

A culpa da dissolução da união tem significado diverso do relacionamento abusivo, este se calca, essencialmente, no desrespeito à dignidade da pessoa, em confronto com a proteção da Constituição Federal e o Princípio da Afetividade nas relações familiares19. A dissolução decorrente de traição, incompatibilidade de gênios, desinteresse e outros fatores que encaixam no elemento culpa são fatores típicos da ruptura conjugal, não se encaixando na excepcionalidade ora esposada. Enquanto que a configuração de uma relação abusiva não impede a concomitância e aplicabilidade de interpretação excepcional sobre o regime de bens e a indenização por ato ilícito que provoque dano material a fim de recompor o patrimônio do ofendido ou indenização por dano moral buscando a atenuar o sofrimento através de compensação financeira.

A interpretação excepcional da regra da presunção absoluta no regime de comunhão parcial de bens, possibilita que o cônjuge que exclusivamente contribuiu com o crescimento patrimonial e que sofreu abusos na relação, não se veja desprovido de proteção legal e judicial, tendo inclusive que repartir seus bens havidos na constância do casamento ou união estável, por esforço unilateral. Visto que a configuração da relação abusiva, logicamente, exclui a configuração de um relacionamento pautado por apoio indireto (imaterial), um dos elementos essenciais da união. Se o casamento e a união não forem um ambiente para o indivíduo prosperar em suas faculdades humanas, familiares e sociais, não pode ser um caminho de aproveitamento do instituto por abusadores.

É de se ver que tais apontamentos trazidos já foram preocupações doutrinárias, o que podemos ler da exposição de Álvaro Villaça Azevedo, especificamente abordando a presunção de esforço comum na união estável:

Veja-se, mais, que a presunção estabelecida nesse artigo é iuris tantum (e não iuris et de iure), pois admite prova em contrário. Realmente, a união pode ser conturbada, de tal sorte, por um dos concubinos, que reste comprovada sua completa ausência de colaboração, como, por exemplo, a vida irresponsável, de má conduta ou de prodigalidade; a de mero companheirismo, na relação aberta; a pautada por vícios de embriaguez, de jogo etc.

Assim, o legislador presume a situação de condomínio natural nessa aquisição de bens, como regra; todavia, para que ocorram as referidas exceções, deverão ser elas provadas, judicialmente20.

Não se pode desproteger o indivíduo, a suscitação de que a ausência prévia de escolha de regime mais adequado esteja no campo da autonomia privada, tal premissa não desnatura a excepcional hipótese de que o indivíduo precise justamente de proteção, evitando-se o locupletamento por quem não respeitou regras básicas de dignidade humana. A permissividade de que o casamento e a união estável sejam palcos para abusadores, não possui coerência com a proteção conferida pela Constituição Federal à família, ao casamento e a união estável.


CONTRIBUIÇÃO, APOIO MORAL E MATERIAL. Analogia à Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a diferença de Namoro Qualificado e União Estável.

Com as redes sociais e outras ferramentas tecnológicas, as pessoas cada vez mais se conhecem pela via da internet, seja em sites de namoro ou mesmo aplicativos de paquera em geral. Estabelecem cada vez mais uniões de pessoas de cidades diferentes, relacionamentos que por inúmeros fatores dentre eles o encurtamento de distância, levam estas pessoas a viverem em uniões estáveis ou casamento, muitas vezes com poucas informações a respeito de seu companheiro. Este é um exemplo de constituição de união contemporânea, a qual podem se constatar inúmeros casos de sucesso, todavia, como há os pontos positivos desta conexão mundial entre as pessoas, surgem casos judiciais a demonstrar dentro da fluidez das relações familiares atuais, a constatação de que esta relação pode se demonstrar abusiva e as partes serem obrigadas a dividir seu patrimônio pela presunção absoluta de bens do regime de comunhão parcial de bens, forma supletiva, quando as partes não atribuíram outro regime de bens.

Ciente da nova formação social, o Superior Tribunal de Justiça tratou sobre o namoro qualificado como forma de afastar a configuração da união estável e consequentemente o direito de partilha de bens:

Nesse contexto, é de se reconhecer a configuração, na verdade, de um namoro qualificado, que tem, no mais das vezes, como único traço distintivo da união estável, a ausência da intenção presente de constituir uma família. Quando muito há, nessa espécie de relacionamento amoroso, o planejamento, a projeção de, no futuro, constituir um núcleo familiar. (...)21.

Não se pode esvaziar os conceitos e princípios do Direito de Família, sob pena de não se encontrarem explicações técnicos-jurídicas, apresentando-se um emaranhado de decisões que não se encontram logicamente. Inclusive, especificamente, da temática do esforço comum no Direito de Família.

O direito pode evoluir com a sociedade, corporificando os anseios sociais sem discriminação. Evidentemente, muito se deve ao não acompanhamento legislativo das mudanças e anseios sociais, a necessidade interpretativa mediante a analogia, o que exige em determinados casos a aplicação excepcional da regra da presunção absoluta no regime de comunhão parcial de bens.

Nota-se que o Superior Tribunal de Justiça ao afirmar as diferenças do Namoro Qualificado para a União Estável, o próprio Tribunal Cidadão, reforça a necessidade de elementos de contribuição, apoio moral e material para a configuração da união estável:

Permissa venia, o propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado "namoro qualificado" –, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída. (grifo no original)

Esta diferenciação além de ser importante para os marcos definidores do estágio do relacionamento, também, apresenta-se relevante no contexto de partilha de bens e do afastamento excepcional da presunção absoluta de esforço comum, sob pena de esvaziamento teórico das conceituações de Família e União Estável.

Não há como se falar que para diferenciar namoro qualificado de união estável imprescindível a prova “do efetivo compartilhamento de vida, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros” e ao analisar o contexto probatório da partilha de bens não fazer esta avaliação, principalmente e essencialmente, aos casos que o presente artigo aborda como sendo de relações familiares abusivas.

[...] não é qualquer relação amorosa que caracteriza a união estável. Mesmo que celebrada em contrato escrito, pública e duradoura, com relações sexuais, com prole, e, até mesmo, com certo compartilhamento de teto, pode não estar presente o elemento fundamental consistente em desejar constituir família. Assim, o namoro aberto, a 'amizade colorida', o noivado não constituem união estável. É indispensável esse elemento subjetivo para a configuração da união estável. Para Zeno Veloso (op. cit.) é absolutamente necessário que entre os conviventes, emoldurando sua relação de afeto, haja esse elemento espiritual, essa affectio maritalis , a deliberação, a vontade, a determinação, o propósito, enfim, o compromisso pessoal e mútuo de constituir família. A presença ou não deste elemento subjetivo será definida pelo juiz, diante das circunstâncias peculiares de cada caso concreto. Embora tenha o legislador imposto como elemento caracterizador da união estável a mera intenção de constituir família, o certo é que ela só será reconhecida como tal quando, além de os requisitos a) e b) anteriores forem atendidos, a família vier a ser efetivamente constituída - não mediante celebração solene, como se faz no casamento, ou diante do mero objetivo de constituição de família, pois, neste último caso, até mesmo o noivado poderia se enquadrar.

(Carvalho Filho, Milton Paulo de. Código Civil comentado. Coordenador Ministro Cezar Peluso. 6ª Edição, revisada e atualizada. 2012. Editora Manole. São Paulo. p. 2007/2008)

Efetivamente, tampouco a coabitação, por si, evidencia a constituição de uma união estável (ainda que possa vir a constituir, no mais das vezes, um relevante indício), especialmente se considerada a particularidade dos autos, em que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, pelo estudo) foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente. Este comportamento, é certo, afigura-se absolutamente usual nos tempos atuais, impondo-se ao Direito, longe das críticas e dos estigmas, adequar-se à realidade social.

[...] Assim, para a constituição da união estável, o casal deve manifestar a sua vontade de constituir família, vivendo nesse sentido como se casado fosse. Isso significa dizer que deve haver assistência moral e material recíproca irrestrita, esforço conjunto para concretizar sonhos em comum, participação real nos problemas e desejos do outro etc. No namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita.

(Maluf, Carlos Alberto Dabus; Maluf, Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus. Curso de Direito de Família. Curso de Direito de Família. 2013. Editora Saraiva. p. 371-374)

A exemplo, uma relação em que o/a cônjuge que não contribui financeiramente, ainda agride reiteradamente a honra e a dignidade, em qual contexto poderia ser enquadrado de esforço comum indireto? Ao caso deveria ser deferida a presunção absoluta de esforço comum?

Tendo havido o esforço material, não há dúvidas sobre a partilha. Contudo, ante a ausência de contribuição financeira somado ao abuso físico, moral e/ou psicológico do cônjuge ou companheiro, não se faz coerente no ordenamento jurídico, a permanência de relacionamento que corporifica em enriquecimento ilícito. Visto que inclusive afasta-se dos traços configuradores de união estável, muito menos, pode ser palco para proveito financeiro.

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Sobre o autor
Winderson Jaster

Especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JASTER, Winderson. Da prova do esforço comum no direito de família.: Presunção absoluta ou relativa. Da relação conjugal abusiva como causa excepcional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5687, 26 jan. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/69062. Acesso em: 5 dez. 2025.

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