Um dos casos que gerou mais polêmica aconteceu na Faculdade de Direito da UFF (Universidade Federal Fluminense), alvo da Justiça por ter na fachada uma bandeira em que aparece a mensagem "Direito UFF Antifascista".
Uma série de operações da Justiça Eleitoral que impediu a realização de eventos políticos contra o fascismo e a ditadura em diferentes universidades públicas pelo país foi encarada por especialistas em direito eleitoral como “um grave atentado à democracia e à liberdade de expressão”.
As medidas, na maior parte delas relacionadas à fiscalização de suposta propaganda eleitoral irregular, vêm acontecendo nos últimos três dias. Críticos das operações apontam censura.
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse no dia 26 de outubro do corrente ano que certa “ebulição” em ambientes universitários é inerente “ao processo democrático” e que é preciso “ter cautela” diante da sequência de ações em universidades públicas por todo o país que apontam propaganda eleitoral irregular nos campi.
Para o ministro Marco Aurélio, “a quadra é de extremos” e o Estado Democrático de Direito corre perigo.
— Universidade é campo do saber. O saber pressupõe liberdade, liberdade no pensar, liberdade de expressar ideias. Interferência externa é, de regra, indevida. Vinga a autonomia universitária. Toda interferência é, de início, incabível. Essa é a óptica a ser observada. Falo de uma forma geral. Não me pronuncio especificamente sobre a atuação da Justiça Eleitoral. Mas reconheço que a quadra é de extremos. Por isso é perigosa, em termos de Estado Democrático de Direito. Esse é o meu pensamento. — declarou.
Vive-se no ambiente universitário um ambiente plural de discussão e que visa a formação de conhecimento.
Assim a interferência externa é incabível.
Digo mais: há uma afronta à liberdade de expressão.
Sampaio Dória (Direito Constitucional, volume III) ensinava, a liberdade de pensamento é “o direito de exprimir, por qualquer forma, o que se pense em ciência, religião, arte ou o que for”. É forma de liberdade de conteúdo intelectual e supõe o contacto do indivíduo com seus semelhantes.
A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento intimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).
De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.
A liberdade de manifestação de pensamento que se dá entre interlocutores presentes ou ausentes, tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir, de forma clara, a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros.
Ainda se fala em liberdade de expressão intelectual, artística e cientifica e direitos conexos, de forma que não cabe censura, mas classificação para efeitos indicativos (artigo 21, XVI).
Deve-se respeitar a liberdade de expressão, o direito de se expressar livremente, a faculdade de apresentar um pensamento, um dos pilares da democracia.
Tenha-se em conta que o direito de criticar, publicamente, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas. O que não se pode é ofender a honra, seja ela objetiva ou subjetiva, de alguém a quem se desferem os comentários ou expressões.
A atuação contestada ainda afrontou a autonomia universitária.
Nenhuma autoridade pode gostar ou desgostar do que se ensina em qualquer universidade. Age, como nas ditaduras civis ou militares, marchando contra a liberdade universitária e sua autonomia.
A autonomia universitária vem consagrada no Texto de nossa Lei Maior, em seu artigo 207. Coube à Constituição de 5.10.1988 elevar, pioneiramente na história da universidade no Brasil, a autonomia das universidades ao nível de princípio constitucional. Dispõe o artigo 207:
"Art. 207 - As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".
Como se vê, desde logo, nossa Lei Maior preocupa-se em definir o conteúdo da autonomia das universidades, que abrange "a autonomia didático-científica" ou seja, suas atividades-fim e a "autonomia administrativa e financeira", suas atividades-meio.
Quis o constituinte originário, em boa hora, resgatar e compor, em nosso sistema jurídico-constitucional, uma renovada figuração da autonomia das universidades, tão antiga quanto necessária, para que possa ela cumprir sua missão, emprestando-lhes assim o prestígio de se instalar em nossa Lei Maior. Autonomia que é de longa data reconhecida em todo o mundo. Isto mesmo aponta Celso Antônio Bandeira de Mello:
"16. As universidades, notoriamente, são das mais antigas instituições em que se expressou um sentimento autonômico e de auto-organização. Não há descentralização de atividade especializada alguma que tenha tão forte e vetusta tradição. Em rigor, ela é tão antiga que precede à própria noção de Estado. Lafayette Pondé, em poucas palavras e com o auxílio de uma citação expõe a tradição e o espírito essencial da universidade.
"A noção de Estado, como fonte centralizada e soberana de poder e da ordenação jurídica, não surge senão no Século XVI. O termo "Estado" vem de Maquiavel. Na França, por exemplo, ele somente se fixa ao tempo de Luiz XIII - "Le mot État triomphe au debut du XVII siécle, à l´époque de Louis XIII et de Richilieu" - e a Universidade de Paris já era velha de quatro séculos, e a de Bolonha vinha de 1158, a da Alemanha de 1348, a de Lisboa de 1290.
"Nascida nas catedrais, desenvolvida nos mosteiros, a educação universitária era assunto "espiritual", de que se incumbia a Igreja, dona da mundo civilizado. A cristandade era a civilização, a civilização a cristandade integrada no Sacro Império Romano. A lei emanava da vontade deliberada de um legislador - assembléia ou governante único. O direito era "achado" ou "recolhido" como um aspecto da vida coletiva. Por isto Ortega y Gasset pôde dizer, à comemoração do quarto centenário da universidade de Granada: `La Universidad significó um princípio diferente y originário, aparte, quando frente al Estado. Era el saber constituido como poder social. De aqui que apenas gana sus primeras batallas la universidad se constituya com fuero próprio e originales franquias. Frente ao poder político, que es la fuerza, y la Iglesia, que es el poder transcedente, la magia de la universidad se alzó como genuino y exclusivo y autêntico poder espiritual: era la inteligência como tal, exenta, nuda y por decirlo aí, en persona una energia histórica - La inteligencia como institución´" (ob. e loc. cits. pp. 34 e 35).
A autonomia universitária leva em conta quatro concepções:
- ao pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
- a gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais;
- a gestão democrática do ensino público, na forma da lei.
- a garantia do padrão de qualidade.
A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu liminarmente neste sábado, dia 27 de outubro de 2018, os atos judiciais e administrativos que determinaram o ingresso de agentes em universidades públicas e privadas pelo País. A ministra atendeu ação movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) nesta sexta-feira (26) para garantir a liberdade de expressão e de reunião de estudantes e de professores nas instituições de ensino. Na decisão, Cármen afirma que “toda forma de autoritarismo é iníqua” e “pior quando parte do Estado”. “Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos”, assinala a ministra.