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Contratos administrativos e cotas para mão de obra oriunda ou egressa do sistema prisional

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Agenda 23/05/2019 às 14:56

6. Restrição material para a exigência de cota para mão de obra oriunda do sistema prisional

A Lei restringiu a possibilidade dessas “cotas” para as licitações em que se objetiva a contratação de serviços. Entendemos inaplicável uma interpretação ampliativa que admita a mesma exigência para licitações envolvendo pretensões contratuais de natureza diversa, como aquisições ou obras. Como bem lembra Victor Amorim, o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da ADI nº 3.059 (MC),14 consignou que toda e qualquer instituição de tratamento diferenciado de concorrência, ainda que sob o pálio de ações afirmativas e de incentivos finalisticamente louváveis, só poderá ser implementada por lei da União.

A exceção criada pela Lei deve ser interpretada de forma restritiva, pois limita a competitividade, amplia custos e afeta direito de empresas e profissionais afastados da contratação pública, pela exigência de cotas.

Questão um pouco mais intrincada envolve a possibilidade de aplicação dessas cotas a contratos de serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra.

A Portaria Interministerial nº 3, de 11 de setembro de 2018, notadamente em seu artigo 7º, definiu a possibilidade de utilização das cotas para presos e egressos do sistema prisional “na contratação dos serviços que não exijam aplicação do regime de dedicação exclusiva de mão de obra, nos termos do que trata o art. 17 da Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 05, de 26 de maio de 2017”, indicando que, nessa hipótese, “a contratada deverá aplicar os percentuais dispostos no art. 6º do Decreto nº 9450, de 2018, conforme a quantidade de funcionários alocados na prestação dos serviços contratados com os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional”.

Acreditamos que há equívoco no texto do normativo. Em primeiro lugar, convém salientar que o artigo 17 da Instrução Normativa SEGES/MPOG nº 05, de 26 de maio de 2017 trata, justamente, dos contratos de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra. Vejamos:

Art. 17.  Os serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra são aqueles em que o modelo de execução contratual exija, dentre outros requisitos, que:

I - os empregados da contratada fiquem à disposição nas dependências da contratante para a prestação dos serviços;

II - a contratada não compartilhe os recursos humanos e materiais disponíveis de uma contratação para execução simultânea de outros contratos; e

III - a contratada possibilite a fiscalização pela contratante quanto à distribuição, controle e supervisão dos recursos humanos alocados aos seus contratos.

Parágrafo único.  Os serviços de que trata o caput poderão ser prestados fora das dependências do órgão ou entidade, desde que não seja nas dependências da contratada e presentes os requisitos dos incisos II e III.

Isso, per si, já prejudica a aplicação do mencionado dispositivo da Portaria Interministerial, visto que não há referência a serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra no indicado dispositivo da instrução normativa.

Ademais, o próprio Decreto parece definir que a exigência dessas cotas ocorrerá apenas nas contratações de serviços com dedicação exclusiva de mão de obra. Nesse prumo, ao tratar sobre a renovação contratual, ele define que a prorrogação (renovação) “de contratos de prestação de serviços com fornecimento de mão de obra”, cuja empresa tenha se beneficiado do disposto no art. 5º, “apenas poderá ser realizada mediante comprovação de manutenção da contratação do número de pessoas egressas do sistema prisional”.

No mesmo sentido, pode-se suscitar que os percentuais definidos no artigo 6º do Decreto definem proporções a serem aplicadas em relação aos funcionários utilizados na execução do contrato. Em uma contratação de serviço continuado sem dedicação exclusiva de mão de obra, esta proporção fica prejudicada, justamente pela indefinição ou desvinculação de um número determinado de profissionais, específica e exclusivamente àquela contratação.

Assim, não nos parece cabível a exigência da cota para presos e egressos do sistema prisional em serviços sem dedicação exclusiva de mão de obra, assim como também não é admitida para obras de engenharia e aquisições.


7. Da execução contratual quando admitida a cota

Pelo texto do Decreto, quando for admitido o emprego da mão de obra de pessoa presa em regime fechado, o edital e a minuta do contrato deverão prever as seguintes cautelas, a serem observadas pela contratada, em atendimento ao disposto nos artigos 35 e art. 36 da Lei nº 7.210, de 1984:

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• apresentação de prévia autorização do Juízo da Execução;  

• comprovação de aptidão, disciplina e responsabilidade da pessoa presa;  

• comprovação do cumprimento mínimo de um sexto da pena; e

• observância do limite máximo de dez por cento do número de presos na prestação do serviço.

Na fiscalização da execução do contrato, cabe à administração pública contratante:

• informar à contratada e oficiar a vara de execuções penais sobre qualquer incidente ou prática de infração por parte dos empregados, para que adotem as providências cabíveis à luz da legislação penal; e

• aplicar as penalidades à contratada quando verificada infração a qualquer regra prevista no regulamento.

O Decreto federal, em seu artigo 6º, define ainda proporções percentuais para a contratação de pessoas presas ou egressas do sistema prisional, para cada contrato firmado:

• 3% das vagas, quando a execução do contrato demandar duzentos ou menos funcionários;

• 4% das vagas, quando a execução do contrato demandar duzentos e um a quinhentos funcionários;

• 5% das vagas, quando a execução do contrato demandar quinhentos e um a mil funcionários; ou

• 6% das vagas, quando a execução do contrato demandar mais de mil empregados.

A efetiva contratação, importa salientar, apenas será exigida da proponente vencedora, quando da assinatura do contrato.

A contratada não deve discriminar as pessoas presas e egressos contratados para prestação do serviço, providenciando, entre outras coisas: transporte; alimentação; uniforme idêntico ao utilizado pelos demais terceirizados; equipamentos de proteção, caso a atividade exija; inscrição do preso em regime semiaberto, na qualidade de segurado facultativo, e o pagamento da respectiva contribuição ao Regime Geral de Previdência Social; e remuneração, nos termos da legislação pertinente.

Em relação à fiscalização do contrato, o órgão ou entidade licitante deverá exigir: a) que a contratada apresente mensalmente ao juiz da execução, com cópia para o fiscal do contrato ou para o responsável indicado pela contratante, relação nominal dos empregados, ou outro documento que comprove o cumprimento das proporções percentuais anteriormente indicadas; b) que nas hipóteses de demissão, a contratada comunique-a ao fiscal do contrato ou responsável indicado pela contratante, em até cinco dias.

Ocorrendo demissão ou outro fato que impeça o comparecimento da mão de obra, a contratada deverá, em até sessenta dias, providenciar o preenchimento da vaga em aberto para fins de cumprimento das proporções percentuais anteriormente indicadas. Nesse ponto, também é basilar ponderar a possibilidade de escassez de recursos humanos com essas características (presos ou egressos do sistema prisional), aptos e disponíveis à contratação para prestação do serviço. A inexistência ou escassez desta mão de obra pode justificar a substituição por trabalhador sem as mesmas características.

Como já explicado, quando for exigido no edital como condição para a contratação, nos termos do § 5º do art. 40 da Lei nº 8.666/93, a manutenção do número de pessoas egressas do sistema prisional será também condição para a renovação (prorrogação) de contratos de prestação de serviços com fornecimento de mão de obra.

A não observância dessas regras, de acordo com o Decreto federal, acarreta quebra de cláusula contratual e possibilita a rescisão por iniciativa da administração pública federal, além das sanções administrativas pertinentes. Novamente, é necessário compreender que a rescisão unilateral e o sancionamento, nesses casos, apenas seriam legítimos em situações extremas, nas quais a não utilização desta mão de obra específica decorresse de atitude emulativa, fraudulenta ou altamente reprovável da empresa contratada.


8. Considerações finais

Nada obstante a profunda relevância das políticas públicas para tornar efetiva a ressocialização de presos e egressos do sistema prisional, parece-nos que a opção adotada pelo Poder Executivo Federal, na regulamentação da regra prevista no § 5º ao artigo 40 da Lei nº 8.666/93, notadamente através do Decreto nº 9.450, de 24 de julho de 2018 e da Portaria Interministerial nº 3, de 11 de setembro de 2018, traz dificuldades diversas para aplicação.

É fundamental que seja previamente concluído um diálogo entre a Administração pública e órgãos responsáveis pela execução penal, para a definição de modelos e procedimentos que tornem aplicáveis, com segurança jurídica e econômica, a política pública intentada pelo legislador.

O afã de realização da política pública não justifica a tomada de medidas irrefletidas e precipitadas, comprometedoras das contratações públicas, notadamente na terceirização de serviços.

No que pese a regulamentação federal, diante da complexidade dos serviços contratados e da decisão de adoção das cotas para egressos ou presos, parece mais adequado admitir-se uma ampla avaliação técnica ou análise discricionária da autoridade competente pela contratação, para adoção das referidas cotas.

Nesse prumo, convém uma boa utilização da regra disposta no §4º do artigo 5º do Decreto federal nº 9.450/2018, segundo o qual a administração pública “poderá deixar de aplicar o disposto neste artigo quando, justificadamente, a contratação de pessoa presa ou egressa do sistema prisional se mostrar inviável”. Para tanto, é importante interpretar com certa flexibilidade a inviabilidade de adoção das cotas, afastando-a de um quadro de “impossibilidade”, para aproximá-la de um quadro de “inconveniência” ou “inadequação”, a ser identificada pelos gestores públicos, quando do planejamento da licitação.

Essa flexibilidade, natural ao juízo discricionário, permitirá uma aplicação adequada e gradual da política pública, sem prejuízos maiores ao interesse público contratual e, por conseguinte, às finalidades públicas que ele serve.

Sobre o autor
Ronny Charles Lopes de Torres

Advogado da União. Palestrante. Professor. Mestre em Direito Econômico. Pós-graduado em Direito tributário. Pós-graduado em Ciências Jurídicas. Membro do Grupo de Editais de Licitações da AGU. Membro da Câmara Nacional de Uniformização da Consultoria Geral da União. Atuou como Consultor Jurídico Adjunto da Consultoria Jurídica da União perante o Ministério do Trabalho e Emprego. Atuou, ainda, na Consultoria Jurídica do Ministério da Previdência Social, na Consultoria Jurídica do Ministério dos Transportes e na Consultoria Jurídica da União, em Pernambuco. Autor de diversos livros jurídicos, entre eles: Leis de licitações públicas comentadas (8ª Edição. Ed. JusPodivm); Licitações públicas: Lei nº 8.666/93 (7ª Edição. Coleção Leis para concursos públicos: Ed. Jus Podivm); Direito Administrativo (Co-autor. 7ª Edição. Ed. Jus Podivm); RDC: Regime Diferenciado de Contratações (Co-autor. Ed. Jus Podivm); Terceiro Setor: entre a liberdade e o controle (Ed. Jus Podivm) e Improbidade administrativa (Co-autor. 3ª edição. Ed. Jus Podivm). Autor da coluna mensal “Direito & Política” da Revista Negócios Públicos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TORRES, Ronny Charles Lopes. Contratos administrativos e cotas para mão de obra oriunda ou egressa do sistema prisional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5804, 23 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70187. Acesso em: 22 dez. 2024.

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