4. PROJETO AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA – CONSELHO NACIONAL (RESOLUÇÃO Nº 213/15) E A SUA DINÂMICA PROCEDIMENTAL
Em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, à época sob a presidência do Ministro do STF, Ricardo Lewandowski, implantou, em um esforço institucional do referido ministro, por meio de provimento e resoluções e em conjunto com o Instituto do Direito de Defesa (IDD) e Tribunais de Justiças dos Estados da Federação, o Projeto “Audiência de Custódia” o qual visa(va) não só um melhor juízo acerca da necessidade da prisão do indivíduo flagranteado, bem como instituiu um programa de monitoração eletrônica, caso o magistrado entenda que a prisão do flagranteado é desnecessária.
Outrossim, em 12 de dezembro de 2015, o CNJ aprovou de maneira unânime a resolução n° 213/15, a qual disciplina de maneira detalhada como ocorre a apresentação do cidadão preso em virtude de flagrante delito ou por mandado judicial, em todo o território nacional.
A referida resolução, na esteira dos tratados internacionais de direitos humanos, disciplinou que qualquer pessoa presa em flagrante delito deverá ser obrigatoriamente apresentada à autoridade judiciária competente, nos termos dos regimentos internos dos tribunais de justiça dos entes federados.
Ademais, a resolução fixou o prazo de 24 (vinte e quatro) horas a partir da comunicação do flagrante e da respectiva expedição da nota de culpa, para o preso em flagrante ser apresentado e ouvido sobre as circunstâncias da sua prisão. E mais, vale registrar que obrigatoriedade da apresentação física do flagranteado não é suprida pelo simples envio do APF para o Juiz.
Assim, em homenagem ao sistema acusatório previsto na CF/88, o procedimento da audiência de custódia será realizado com o acompanhamento do membro Ministério Público, da Defensoria Pública ou Advogado, sendo expressamente proibida a presença dos agentes policiais responsáveis pela prisão do indivíduo.
Do mesmo modo, visando salvaguardar os postulados do contraditório e da ampla defesa, ao preso é garantido o atendimento com seu defensor de maneira prévia e reservada, em local condizente para resguardar a confidencialidade do diálogo. Ao final, um funcionário do juízo, qualificado e devidamente credenciado, explicará ao preso às razões, os fundamentos e a dinâmica do procedimento da audiência de custódia.
4.1. O papel do Juiz, Ministério Público, Advogado e flagranteado na audiência de custódia
Para uma melhor compreensão do procedimento da AC, é necessário analisar quais as atribuições e responsabilidades que a resolução n° 213/2015 – CNJ conferiu ao magistrado; ao membro do Ministério Público; ao advogado e ao cidadão detido.
Iniciada a audiência, o juiz advertirá o detido sobre a possibilidade de se manter em silêncio, bem como facultará ao preso exercer os seus direitos consagrados na CF/88, quais sejam, entrevistar-se de maneira reservada com o seu defensor; eventual atendimento ambulatorial; e comunicar-se com seus familiares.
Ato contínuo, o juiz esclarecerá ao cidadão detido qual a finalidade do ato, ou seja, analisar a legalidade da prisão em flagrante; verificar eventuais maus-tratos ou torturas no período em que o flagranteado esteve em poder dos agentes de segurança pública; analisar a necessidade ou não da manutenção da restrição da liberdade, decretar a prisão preventiva, relaxar a prisão em caso de ilegalidade ou conceder a liberdade provisória, com ou sem os vínculos das medidas cautelares diversas da prisão (art. 319, CPP). (ANDRADE; ALFEN, 2016, p. 108).
Deverá ainda, o magistrado, assegurar que o detido não permaneça algemado, salvo em casos de resistência, receio de fuga ou perigo à integridade física própria ou alheia, circunstância que será justificada por escrito, conforme a disciplina da súmula vinculante n° 11 do STF. (STF, SÚMULA Nº 11).
A autoridade Judiciária, ainda, questionará ao flagranteado sobre a dinâmica da sua prisão, indagará sobre o trato que lhe foi dispensado nos estabelecimentos em que ficou aguardando apresentação à audiência, formulará perguntas sobre a ocorrência de eventuais torturas e/ou maus-tratos. Caso o flagranteado reporte ao magistrado relatos de abusos por parte dos agentes públicos, deverá de imediato tomar as decisões para fazer cessar as ilegalidades e, posteriormente apurar a denúncia contra os agressores.
Prosseguindo, o juiz diligenciará no sentido de saber se ocorreu a confecção de laudo de exame de corpo de delito, ordenando a sua realização caso não tenha sido elaborado, para que se apure e constate a denúncia de tortura ou maus-tratos sofridos pelo detido.
De mais a mais, ao magistrado não é dado formular questionamentos de “mérito” que objetivam produzir provas sobre os fatos objeto do auto de prisão em flagrante, uma vez que o objetivo da audiência de custódia não é o de instruir uma eventual ação penal, ao revés, o referido ato visa tão somente avaliar a legalidade da prisão em flagrante e a necessidade ou não de sua conversão em prisão preventiva.
Prosseguindo, logo após proceder à oitiva do preso, o magistrado dará palavra ao Ministério Público e, seguidamente, à defesa do flagranteado, momento em que ambos poderão formular perguntas consentâneas com as características da audiência de custódia, sendo proibidas as perguntas sobre o mérito dos fatos relatados no auto de prisão em flagrante.
Após os questionamentos, o Ministério Público e a Defesa deverão requerer o relaxamento da prisão em flagrante em caso de ilegalidade, a concessão da liberdade provisória, com ou sem cumulação de medidas cautelares diversas da prisão, ou decretação da prisão preventiva, bem como o emprego de providências imprescindíveis para que se preservado os direitos do indivíduo preso.
Ao final, o magistrado irá decidir acerca da necessidade ou não de se converter a prisão em flagrante em preventiva, bem como analisará a necessidade de encaminhamento assistencial, caso o flagranteado seja portador de transtornos mentais, dependência química (CAPS) ou esteja desempregado (SINE).
Finda a audiência de custódia, cópia de sua ata será entregue a pessoa presa em flagrante, ao seu defensor e ao membro do ministério público. Caso a prisão seja relaxada ou for concedida a liberdade provisória o detido será colocado imediatamente em liberdade, mediante alvará de soltura, momento em que será cientificado de suas obrigações e direitos, ou caso o flagrante seja convertido em prisão preventiva, será o conduzido será encaminhado ao estabelecimento prisional adequado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na elaboração do presente artigo, variadas ideias foram elencadas, das quais, por questões didáticas, advém à síntese das mais relevantes anteriormente esposadas.
Inicialmente, verificou-se o conceito da audiência de custódia, seus princípios, sua previsão normativa nos Tratado e Convenções Internacionais de Direitos Humanos.
Nesse vértice, constatou-se que a audiência de custódia, trata-se de procedimento judicial pelo qual a pessoa presa em virtude de flagrante delito ou decisão judicial fundamentada, deve ser submetida, sem demora, na presença de um magistrado, a fim de averiguar a legalidade e necessidade da referida prisão e que o referido procedimento surgiu em âmbito internacional, após a segunda guerra mundial, visando à salvaguarda dos direitos humanos.
Prosseguindo, chegou-se à conclusão de que a audiência de custódia, trouxe inúmeras finalidades, das quais foram analisadas as principais, que são: a) conformar o CPP aos tratados internacionais de direitos humanos; b) prevenir e repreender a tortura policial; c) conter prisões arbitrárias, ilegais ou desnecessárias; d) combater a cultura do “encarceramento em massa”.
Outrossim, restou demonstrado que o referido procedimento é ferramenta útil ao combate à tortura policial, às prisões desnecessárias ou ilegais, vez que na oportunidade em que se realiza a audiência de custódia, o magistrado poderá analisar as circunstâncias da prisão em flagrante de uma maneira mais fidedigna e poderá indagar ao cidadão conduzido se os seus direitos e garantias foram assegurados.
De mais a mais, analisou-se, de forma pormenorizada, à iniciativa do Conselho Nacional de Justiça de implantar a audiência de custódia no território brasileiro, a qual foi levada a efeito por meio da Resolução n° 213-CNJ.
A referida resolução, conforme articulado no presente artigo, disciplinou que qualquer pessoa presa em flagrante delito ou em virtude de decisão judicial fundamentada, deverá ser obrigatoriamente apresentada à autoridade judiciária competente, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, nos termos dos regimentos internos dos tribunais de justiça dos entes federados, para que seja analisada a necessidade, legalidade e a circunstância de sua prisão. Analisou-se com o devido cuidado, cada passo do procedimento, desde as incumbências dos juízes presidentes, bem como do ministério público, do defensor e seu cliente.
Deste modo, concluiu-se pelo acerto da resolução, a qual, além de alinhar o código de processo penal aos tratados de direitos humanos, assegurou um procedimento de acordo com a Constituição Federal de 1988. Pois, ao acusado são garantidos todos os seus direitos e, ao seu defensor de igual forma. De maneira não diferente, o Ministério Público como titular da ação penal pública, representado por um membro ministerial, tem assento garantido neste procedimento, podendo formular pedidos e manifestações que melhor lhe provier.
Forte nisso, verificou-se que a audiência de custódia está, aos poucos, humanizando o processo penal. O referido procedimento retira os envolvidos em uma prisão de um lugar extremamente burocrático e, agora, os coloca juntos, frente a frente.
Por fim, conclui-se que a audiência de custódia trouxe a importante lição que é humanizar os atores do processo penal, vez que há muito são acostumados e treinados para lidar somente com a “papelada” e, hoje, se veem diante de uma desafiadora e sublime missão, qual seja, a de lidar com pessoas.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
[2] LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;