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I'll kill you: emoção e paixão como excludentes de culpabilidade no feminicídio por adultério:

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As intensas mudanças da sociedade passaram a exigir, tanto do mundo jurídico quanto da indústria cultural, a assunção de uma postura não mais conivente e/ou apática perante a violência de gênero, a fim de romper com o ciclo das desigualdades e agressões.

Sumário:1. Introdução. 2. Desenvolvimento.    2.1: Analisando a canção “I’ll Kill You” em seu contexto.    2.2: A emoção e a paixão como causas de exclusão da culpabilidade do feminicídio por adultério.    2.3: Atual contexto histórico: avanços e personagens. 3. Conclusão. 4. Referências


1.   Introdução

Na conjuntura hodierna, de intensas lutas por emancipação feminina, tal como de flagrantes avanços sociais, exsurge a necessidade de maior amparo jurídico e tutela do Direito Penal ao sexo feminino. Enquanto vítimas históricas do patriarcalismo institucionalizado e enraizado nas estruturas sociais, as mulheres empenham-se na luta pela ruptura de instituições e símbolos que perpetuam o machismo, fragilizando a figura feminina (MENDES et al, 2015, p. 89).

Atrelados a uma visão de mundo sexista e retrógrada, estão os inúmeros casos de violência de gênero até hoje tão comuns na sociedade brasileira. Entende-se por feminicídio o homicídio qualificado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino (PEREIRA, 2017). Levados por um sentimento de posse sobre a companheira e pela incapacidade que esses homens têm em aceitar o fim de um relacionamento e ou uma traição, observa-se crescentes taxas de homicídio por adultério, durante séculos banalizado socialmente e legitimado pelo próprio ordenamento jurídico, como nas Ordenações Filipinas e posteriormente, durante décadas, motivo de abatimento na pena pela perturbação do equilíbrio psíquico e dos sentidos, materializada através dos conceitos de emoção e paixão.

Partindo desse pressuposto, o presente artigo objetiva compreender que tipo de trato a emoção e a paixão têm recebido ao longo das décadas, jurídica e socioculturalmente falando. À luz do elemento culpabilidade, buscamos investigar os dois conceitos supracitados em análise comparativa, destacando fundamentos originários tanto do Direito Penal quanto da vida em sociedade considerada em si mesma. Tal investigação se faz necessária haja vista a acelerada mudança na visão da mulher frente à sociedade desde a primeira metade do século XX, podendo o universo jurídico nos trazer grandes contribuições para o assunto, em especial ao fazermos um recorte no cenário brasileiro.

Para tal, pretendemos traçar uma análise comparativa entre os Códigos Penais brasileiros datados de 1890 e 1940, jamais perdendo de vista os seus respectivos contextos históricos. Tal apreciação é relevante na medida em que o ordenamento jurídico em si e suas mudanças são requisitos fundamentais para a compreensão de como se dão as questões de gênero numa dada sociedade.

É evidente também que, de início, a cultura - bem como quaisquer ações humanas - não são, de per si, inatas aos indivíduos, mas sim construídas socialmente, de modo que o homem é objeto passivo em um sistema de sentimentos de uma comunidade (RADCLIFFE-BROWN, 1922, p. 106). As músicas, nesse contexto, refletem muito mais do que mera subjetividade, mas, e, sobretudo em um contexto de Indústria Cultural, são a expressão cerimonial de fatos e sensos de uma coletividade. Desse modo, a fim de indagar o papel da indústria musical para a validação do paradigma sexista, nos utilizaremos da canção “I’ll Kill You” (“Eu irei te matar”), do Dr. Hook, para compreender a tratativa sociocultural do tema.

Nesse caminhar histórico, por fim, não perderemos de vista importantes marcos da consolidação dos direitos femininos, como a extinção do crime de adultério e a promulgação da Lei Maria da Penha e da Lei do Feminicídio, para uma possível mudança de mentalidade. Por consequência, intentamos apontar a relevância de tais avanços para uma transformação que ainda se encontra em curso, tanto no âmbito jurídico como no âmbito sociocultural.

Em síntese, a base metodológica para o desenvolvimento do presente artigo é essencialmente qualitativa e bibliográfica, partindo da análise dos Códigos Penais brasileiros datados de 1890 e 1940, bem como a composição “I’ll Kill You”, do Dr. Hook & The Medicine Show, a fim de entender se houve uma mudança jurídica e social na compreensão dos elementos emoção e paixão e a existência de uma perpetuação de visões e práticas machistas através de expressões artísticas como a música.


2. Desenvolvimento

   2.1: Analisando a canção “I’ll Kill You” em seu contexto

A representação da mulher nas produções culturais é intrinsecamente ligada ao contexto histórico-social, funcionando a mídia como fonte ativa para a construção de uma narrativa – majoritariamente fetichista, mercadológica e objetificadora - do (e sobre) o público feminino.

Ao longo da história, a música, que funciona como uma “voz da sociedade”, serviu - e serve -, também, para legitimar e propagar os preconceitos e as desigualdades de um povo. Em se tratando da violência de gênero e patriarcalismo, há um número considerável de composições que romantizam relações abusivas, validam agressões contra mulheres (em tom de banalização e comédia) ou que objetificam o público feminino. Tais melodias, que ecoam ao redor do mundo, contribuem, paradoxalmente, para silenciar as lutas feministas, além de fomentar a violência de gênero.

“I’ll Kill You” (“Eu vou te matar”) é uma música gravada no ano de 1998 e interpretada pelo grupo musical Dr. Hook & The Medicine Show. A banda americana de pop e country, que na década de 70 teve relativo sucesso com as canções "Sylvia's Mother", "The Cover of the Rolling Stone" e "A Little Bit More" (LAST.FM, 2009), dedica-se a composições que versam sobre relacionamentos amorosos numa conotação romântica e, por vezes, animalesca e agressiva.

 A canção em análise nos traz a visão de um eu lírico masculino acerca do seu relacionamento com uma garota.  Ainda em seus versos iniciais, é possível observarmos que esse personagem se utiliza de estratégias persuasivas para que sua “amada” fique, transbordando-a de elogios e declarando seu “amor” por ela:

Before you go, I already miss you so

Come here let me kiss you, change your mind

I Love you

Please don't leave me

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A história ainda traz em seu bojo intensos sentimentos de posse sobre sua parceira, chegando a afirmar que prefere que a “amada” esteja morta a vê-la com outro homem:

If you try to walk away on them pretty legs

I would saw them off and pick you up and walk us home

Because I love you

But I'll kill you if you leave me

Now if you ever think of lying in another man's bed 

I would break your neck and make you wish that you were dead

Because I love you

But I'll kill you if you leave me

Now I can't stand to see you looking at another man

I would punch your lights out then you'll see and understand

I love you

But I'll kill you if you leave me

O sentimento de posse, em um relacionamento abusivo, projeta-se de tal forma que o agressor, analogamente ao eu lírico da música supracitada, frente à possibilidade de rompimento da relação afetiva ou às suposições de traições sofridas, torna-se grande algoz, transformando todo o seu fascínio e “amor” em ódio. De acordo com Kreigger e Branco (2013), “o indivíduo não está disposto a abrir mão do objeto em que projetou seu ideal egóico”. Nesse sentido, os mesmos autores dizem que:

sob a circunstância de perda do objeto de amor, o ‘homicida passional’ cede aos apelos desse supereu tirânico, cometendo o assassinato por recusar-se a abrir mão do prazer de posse deste objeto, que, narcisicamente, considera somente seu. (KREIGGER, BRANCO, 2013, p. 63).

Sentimentos como os explicitados pelo eu lírico na canção do grupo musical Dr. Hook, nessa e em outras de suas composições, representam fatores responsáveis pela perpetuação de visões de mundo e de práticas machistas, que diminuem e objetificam as mulheres. Curiosamente ou não, o eu lírico se utiliza de uma estratégia comum nos relacionamentos violentos entre homem e mulher: intercalado com os momentos de conflitos, agressão psicológica e física, estão as “declarações de amor” e as promessas.

É o que explica a psicóloga estadunidense Lenora Walker através do seu Ciclo da Violência. Sua obra “The Battered Woman”, publicada no ano de 1979, apresenta a teoria que explica como os relacionamentos abusivos, caso não sejam interrompidos, tendem a um movimento circular e destaca as fases presentes. São essas (BARNETT, 1993, p. 26-28):

1) Período do Acúmulo de Tensão: período no qual subsistem conflitos e a troca de ofensas verbais.

2)  Período de Agressão: momento em que ocorrem as agressões, abusos e acusações entre os parceiros.

3) Período de Reconciliação: nesse momento, também chamado de “fase da lua de mel”, o companheiro aparenta estar arrependido e promete não voltar a cometer as agressões.

Destarte, depreende-se que as produções musicais não são apenas um reflexo das complexas relações sociais, como podem também estimular e perpetuar certas ações humanas, como a violência contra a mulher, perfeitamente abarcada pela canção supracitada. Apesar dos avanços que já tivemos na luta pela equidade dos direitos entre os sexos, a mídia segue massificando a cultura machista, uma vez que teme perder seu poder simbólico (BOURDIEU, 2010). Confunde-se frequentemente a luta feminista com uma busca incansável pela “inversão de papéis”, o femismo, o subjugar do sexo masculino. Em sua essência, o feminismo empenha-se na consolidação de direitos que se dizem fundamentais, na conquista do seu espaço e do respeito e valorização da mulher pelo seu trabalho e sua trajetória.

A seguir, estudaremos de que modo a emoção e a paixão, importantes elementos para a análise da culpabilidade, foram vistos nos códigos penais brasileiros. Através de tal investigação, objetivamos compreender se uma mitigação desses dois conceitos poderia acabar justificando o feminicídio por adultério, reduzindo ou até excluindo a pena do companheiro que o pratica.

   2.2: A emoção e a paixão como causas de exclusão da culpabilidade do feminicídio por adultério

O sentimento de possessividade, como mecanismo de defesa, é intrínseco ao indivíduo em seu processo de socialização, podendo ser percebido já nas comunidades primitivas. Freud reconhece, em seu texto de 1930, “Mal-estar da Sociedade”, que a agressividade é inata ao homem e, pois, o principal fator de ameaça a vida de uma comunidade. (EVANGELISTA, KANETA, OLAVO, SILVA, CHAVES, 2016, p. 5). Freud enuncia que:

o ser humano não é manso, amável, no máximo capaz de defender-se se for atacado, mas é lícito atribuir à sua dotação pulsional uma boa dose de agressividade. Em consequência disso, o próximo não é apenas um possível auxiliar e objeto sexual, mas uma tentação para satisfazer nele a agressão, para usá-lo sexualmente sem seu consentimento, para despojá-lo de seu patrimônio, humilhá-lo, infligir-lhe dores, martirizá-lo e assassiná-lo. (FREUD, 1930, p. 108).

O ser humano, enquanto ser movido por impulsos, tende a agir movido por suas paixões - entretanto nunca de todo irracionalmente -, acima de tudo quando se vê diante de um conflito que envolva sua “posse”, assim como são vistas as mulheres presas em um relacionamento abusivo, de violência conjugal. Tal sentimento, de posse e controle dos homens sobre as mulheres, continua preponderante ao longo dos séculos e, com a consolidação dos ordenamentos jurídicos e a posterior positivação do direito, tais práticas passaram a ser legitimadas pelos códigos de leis.

Em vigor durante o Brasil-Colônia, as Ordenações Filipinas equivalem ao sistema jurídico da época, importado de sua metrópole, Portugal (MACIEL, 2006). Tal dispositivo legal autoriza de maneira explícita o homicídio motivado pelo adultério, nem mesmo precisando o marido apresentar grandes provas da infidelidade e podendo até contar com a colaboração de seus amigos, alegando assim agir em honra a sua imagem (BRASIL COLÔNIA, 1603). Apesar de tipificação aparentemente tão retrógrada e irracional, o crime de adultério é somente abolido através da Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005, quando, em seu art. 5º, revoga o art. 240 do Código Penal (SOUZA, 2001, p. 83).

O primeiro Código Penal brasileiro data de 1890, tendo sido decretado por Manoel Deodoro da Fonseca. O que há de mais significativo para a nossa investigação em tal compilação está disposto em seu art. 27, inciso 4º, o qual deixou de considerar crime o homicídio praticado em estado de completa perturbação dos sentidos, legitimando, nesse sentido, que o homem - supostamente traído e agindo em defesa de sua honra - ceifasse a vida de sua companheira, querendo exercer, “por meio da eliminação física, o ilimitado direito de posse que julga ter sobre a mulher e mostrar isso para os outros” (ELUF, 2002, p. 164). De acordo com Ribeiro (1997), a descoberta de um adultério faria com que o homem experimentasse um estado tão intenso de insensatez que a tal sujeito não poderia ser imposta culpabilidade.

Segundo Sosa (2012),

como esse código ainda se apoiava na chamada Escola Clássica do Direito que se assentava no livre-arbítrio ou na responsabilidade moral do autor de um crime, advogados de defesa começaram a construir seus discursos no sentido de chamar a atenção para a paixão apresentada como uma loucura momentânea, tomando os criminosos passionais por ela possuídos como irresponsáveis no momento do crime (SOSA, 2012. p. 26).

O atual Código Penal brasileiro, de 1940, no art. 28º, I, no entanto, não exclui a imputabilidade penal dos convencionalmente chamados homicídios passionais, uma vez que a “emoção e paixão” não tornam os autores dos crimes inimputáveis. Versa a atual redação do código da década de quarenta (grifamos):

“Art. 28 - Não excluem a imputabilidade penal:

I - a emoção ou a paixão;

II - a embriaguez, voluntária ou culposa, pelo álcool ou substância de efeitos análogos. (...)”.

Ainda que as modificações acima empreendidas apresentem-se enquanto salutar inovação, o machismo, enraizado na sociedade, criou uma nova categoria de delito, vulgarmente intitulada de “homicídio privilegiado”, já que, até a década de 70, ainda permanecia a ideia de que o homem traído tinha  o direito de matar a mulher e lavar sua honra; o marido traído era visto pelos Jurados como vítima da infidelidade praticada pela mulher e em seu julgamento a defesa usava a alegação de legítima defesa da honra e dignidade (KREIGGER, BRANCO, 2013, p. 59)

Desse modo, advogados dos réus, agora sob a vigência do código de 1940, continuam a utilizar-se de dispositivo presente em tal compilação para conseguir a diminuição na pena de seus clientes:

Art. 121 do Código Penal. Caso de diminuição da pena: § 1.º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço. (BRASIL, 2004, p. 77).

A conservação de artifícios como estes acima mencionados mitiga o feminicídio e reforça tanto o machismo como a culpabilização da vítima. Conforme destaca brilhantemente Maria Clarice Rodrigues de Souza (2011),

Tudo isso contribui para que antes de se julgar o crime em si, julgue-se a possibilidade de homens e mulheres se adequarem aos paradigmas do ser feminino e masculino em nossa sociedade cristã ocidental, ou seja, os assassinatos cometidos contra mulheres são revestidos de normas e funções que tanto homens quanto mulheres deveriam cumprir, de acordo com a naturalização biológica dada aos mesmos. Caso a mulher não fosse submissa ao homem que a matou, este ganharia atenuantes para seu crime. (SOUZA, 2011, p. 82).

Não podemos negar, no entanto, que muito já foi conquistado desde o contexto das Ordenações Filipinas e em especial sob a vigência do nosso atual Código Penal. Não obstante, o fim do preconceito de gênero é uma luta que apenas começa a ser legalmente travada e disciplinada por conteúdo legal através da Constituição Federal de 1988, uma vez que foi através de tal carta maior, que

equipara homens e mulheres em direitos e obrigações, proibindo todas as formas de discriminação, sem deixar qualquer dúvida quanto à plena cidadania feminina, que tornou-se, pois, inadmissível que um defensor ouse apresentar a tese de legítima defesa a honra em plenário do júri, por ser inconstitucional (ELUF, 2022, p. 165, grifo nosso).

Como salienta Eluf,

a ‘honra’, de que tanto falavam os passionais, é usada em sentido deturpado, refere-se ao comportamento sexual de suas mulheres. É a tradução perfeita do machismo, que considera serem a fidelidade e a submissão feminina ao homem um direito dele, do qual depende sua respeitabilidade social. Uma vez traído pela mulher, o marido precisaria ‘lavar sua honra’, matando-a. (ELUF, 2007, p. 166).

A promulgação da Constituição Cidadã emanou de uma ânsia social por positivação de direitos e conquistas, bem como o rompimento com estruturas retrógradas institucionalizadas pelo próprio ordenamento jurídico, tendo a sociedade brasileira, analogamente à comunidade global, passado por grandes mudanças referentes ao papel social da figura feminina e as modificações dos seus modelos de família em si.

 Não podemos deixar de mencionar, no entanto, que não apenas aos atores do mundo jurídico que devemos as visíveis conquistas já alcançadas pelas mulheres nas codificações brasileiras. A seguir, pretendemos abordar alguns eventos e personagens que marcaram a história da luta feminina pela consolidação dos seus direitos, reconhecidas e louvadas não só em âmbito nacional, como em todo o mundo.  

2.3: Atual contexto histórico: avanços e personagens:

A tendência histórica de naturalização da violência doméstica ou de entendimento dessa como problema da esfera privada não somente provocam uma aprovação, ainda que tácita, dessas violências, como põem as mulheres que convivem com tais agressões em maior situação de vulnerabilidade.

Entretanto, os grandiosos avanços sociais, políticos e econômicos influíram, inegavelmente, para a intensificação das lutas em prol dos direitos femininos. As legislações, nesse sentido, frutos de clamor popular e evidente importância social, a fim de tutelar a desigual relação entre os gêneros e coibir os atos de violência contra mulheres, ganham espaço no ordenamento jurídico e valia no cotidiano de tantas vítimas do sistema patriarcal estruturado.

A lei 11.340/2006, Lei Maria da Penha, carrega o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de severas e extenuantes agressões de seu cônjuge, as quais, inclusive, provocaram a paralisia dos seus membros inferiores. Tal legislação nasceu em um contexto de combate a violência contra a mulher, visando a prevenção, punição e erradicação da violência de gênero, sobretudo no âmbito doméstico, e revela-se como um imenso avanço no contexto de busca por equidade de gênero.

O crime de Feminicídio, tipificado com a criação da lei 13.104/15, refere-se àqueles nos quais a mulher é morta por sua condição de mulher, sendo, pois, um crime de ódio contra o gênero feminino, fruto de um histórico de dominação e autoridade masculina. (GOMES, BATISTA, 2015, p. 3). As cláusulas qualificadoras e agravantes que aumentam a pena do agressor, bem como o caráter repressivo da lei no que tange à dificuldade imposta pela lei para a progressão de regime dos condenados e a inclusão do crime no rol de crimes hediondos foram alguns dos mecanismos propostos pela legislação para minar os efeitos do patriarcalismo enraizado e os números alarmantes de violência de gênero. Nesse sentido,

a morte das mulheres pelo fato de serem mulheres é produto das relações de desigualdade, de exclusão, de poder e de submissão, trata-se de um fenômeno que abarca todas as esferas da vida de mulheres, com o fim de preservar o domínio masculino nas sociedades patriarcais. Sendo assim, em homenagem ao Princípio da Isonomia, de moldura constitucional, os desiguais devem ser tratados desigualmente, na medida de sua desigualdade. (GOMES, BATISTA, 2015, p. 4).

É inegável, nesse sentido, que os avanços jurídicos contribuem para o destrinchamento das amarras que a história de desigualdade de gênero e subjugação feminina impõem às mulheres. No entanto, a maioria absoluta dos casos de violência acontecem em âmbito doméstico, sendo esses, portanto, a materialização do pensamento patriarcal legitimado pela sociedade, o que exige, nesse sentido, uma atuação multisetorial do Estado para que tais agressões deixem de estampar diariamente os veículos de notícias da mídia nacional.

Sobre os autores
Laura Lima Porto

Bacharelanda em Direito pela Universidade Estadual de Feira de Santana

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Amanda Maria F. S.; PORTO, Laura Lima. I'll kill you: emoção e paixão como excludentes de culpabilidade no feminicídio por adultério:: análise comparativa entre os Códigos Penais de 1890 e 1940 sob uma perspectiva jurídica e histórica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5648, 18 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/70863. Acesso em: 2 nov. 2024.

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