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Audiência de custódia: um avanço para a diminuição de presos provisórios no Brasil?

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Agenda 08/02/2019 às 12:39

4 SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA                         

Apenas no primeiro semestre de 2015, foram registradas 565 mortes violentas no sistema carcerário brasileiro, segundo dados do Departamento Penitenciário Federal (MONTENEGRO, 2015).

O motivo, conforme avaliação dos especialistas, seria a superlotação dos presídios. Desta forma, afirma o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional maranhense da Ordem dos Advogados do Brasil, “Com a superlotação exagerada, cresce a tensão entre os membros de facções criminosas e entre os presos e os os agentes prisionais”.

Por causa das mortes violentas nas prisões, o Estado brasileiro foi acionado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que recomendou a realização de audiências de custódia como uma das medidas para reverter o quadro prisional instalado no país.

Além disso, a superlotação viola normas e princípios constitucionais, trazendo como consequência para o preso, uma “sobrepena”, uma vez que a convivência no presídio trará uma angústia maior do que a própria sanção imposta em alguns casos.

Portanto, é importante destacar que, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) é um dos tratados internacionais mais importantes no que diz respeito à proteção dos direitos humanos e das garantias individuais do último século. Após ter sido ratificado pelo Brasil em 1992, era de se esperar que o país passasse a colocar em prática os direitos e garantias neles estabelecidos, muitos dos quais já previstos, expressamente, na Constituição de 1988.

Deste modo, Rogério Schietti Machado Cruz (2002, p. 132-133) afirma:

A possibilidade de que o próprio acusado intervenha, direta e pessoalmente, na realização dos atos processuais, constitui, assim, a autodefesa (...) Saliente-se que a autodefesa não se resume à participação do acusado no interrogatório judicial, mas há de estender-se a todos os atos de que o imputado participe. (...) Na verdade, desdobra-se a autodefesa em direito de audiência e em direito de presença, é dizer, tem o acusado o direito de ser ouvido e falar durante os atos processuais (...).

O atual quadro em que se encontra o sistema prisional brasileiro viola também a resolução do CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária), orgão vinculado ao Ministério da Justiça, que considera o valor de 137,5% como percentual máximo excedente de detentos nos complexos penitenciários (AMORIM, COSTA, BIANCHI, 2017).

Atualmente, o país tem uma taxa de superlotação nas cadeias de 197,4%, o que significa que existe quase o dobro de presos quando considerado o número de vagas. Esses dados foram divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e se referem a junho de 2016. São 726.712 mil presos para 368.049 vagas (AMORIM, COSTA, BIANCHI, 2017).

Importante destacar que os limites estipulados pela resolução não são respeitados por nenhum dos Estados nem pelo Distrito Federal, com exceção apenas para os presídios federais de segurança máxima, onde a taxa de lotação é de 52,5% (AMORIM, COSTA, BIANCHI, 2017).                                                                                        

O número de presos encaminhados às penitenciárias é cada vez maior e essas pessoas são colocadas em celas com 20, 30, até 60 outras pessoas, o que demonstra o total descaso e descontrole para com a dignidade humana e com o próprio próposito ressocializador que as prisões deveriam ter.

Referente à superlotação prisional expõe o autor Camargo (2006) que:

A superlotação devido ao número elevado de presos, é talvez o mais grave problema envolvendo o sistema penal hoje. As prisões encontram-se abarrotadas, não fornecendo ao preso um mínimo de dignidade. Todos os esforços feitos para a diminuição do problema, não chegaram a nenhum resultado positivo, pois a disparidade entre a capacidade instalada e o número atual de presos tem apenas piorado. Devido à superlotação muitos dormem no chão de suas celas, às vezes no banheiro, próximo a buraco de esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe nem lugar no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em rede. (...) Os estabelecimentos penitenciário brasileiro, variam quanto ao tamanho, forma e desenho. O problema é que assim como nos estabelecimento penais ou em celas de cadeias o número de detentos que ocupam seus lugares chega a ser de cinco vezes mais a capacidade.

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Longe de ser um procedimento meramente burocrático, a audiência de custódia é um instrumento de humanização do processo penal, pois dessa forma se reduzirão os índices da população carcerária.

Com a implantação da audiência de custódia, haverá um potencial auxílio na redução do alto índice de presos provisórios no país, que é de 42% da população carcerária, segundo recentes dados do CNJ, amenizando a superpopulação carcerária e o déficit de vagas, de modo a propiciar melhorias nas condições de cumprimento de pena nos estabelecimentos prisionais, aliadas a redução de custos (MASI, 2015, p. 83).


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o crescente número de pessoas encarceradas no Brasil, a audiência de custódia se tornou um instituto jurídico mais do que necessário, trazendo consigo a capacidade de garantir os direitos fundamentais dos presos e a capacidade de reduzir as prisões em massa.

Diante do que foi apresentado, é possível concluir que a audiência de custódia teve a sua implantação no Brasil em momento oportuno, haja vista a mora legislativa em resolver os problemas de celeridade e efetividade no processo penal brasileiro.

Ademais, com a análise do que foi apresentado, também foi possível constatar que as bases utilizadas para sustentar a criação da audiência de custódia são legítimas (Constituição, Tratados Internacionais e Código de Processo Penal), conforme importantes posicionamentos trazidos e a decisão do próprio STF.

É necessário se ater ao fato de que o sistema carcerário não suporta mais o número de presos provisórios que estão sendo postos em cárcere, além disso, a prática reiterada do encarceramento como regra, implica em consequências desastrosas, muitas vezes irreversíveis para essas pessoas.

Além disso, o Brasil passa a se adequar a tratados dos quais é signatário desde o início da década de 90, dando um grande passo rumo a um sistema processual penal mais eficiente e efetivo.

De outro modo, espera-se que direitos fundamentais como a integridade física dos presos seja respeitada cada vez mais, elevando a justiça brasileira a um novo patamar, de cunho mais humanístico. Para que isso ocorra de fato, é necessário que todos os envolvidos: juízes, promotores, advogados, autoridades policiais etc., se empenhem para dar a máxima efetividade ao instituto.     

Em síntese: se não existir um real comprometimento com a concretização da audiência de custódia, sobretudo, com a mudança da racionalidade dos operadores do direito, dos legisladores e dos demais envolvidos, tudo permanecerá como sempre esteve, isto é, continuará se reproduzindo e se perpetuando no tempo (encarceramento, encarceramento, encarceramento…).                                             

Como se sabe, não basta mudar a lei para que se mude a estrutura processual penal e se garanta o cumprimento da ordem democrática estabelecida pela Constituição. É necessária uma verdadeira mudança de mentalidade, pois, como observa PIRSIG:

(…) enquanto se atacarem os efeitos ao invés das causas, não haverá mudança nenhuma. O verdadeiro sistema é o nosso próprio modelo atual de pensamento sistemático, a própria racionalidade. Se destruirmos uma fábrica, sem aniquilar a racionalidade que a produziu, essa racionalidade simplesmente produzirá outra fábrica igual. Se uma revolução derrubar um governo sistemático, mas conservar os padrões sistemáticos de pensamento que o produziram, tais padrões se repetirão no governo seguinte. Fala-se tanto sobre sistema, e tão pouco se entende a seu respeito.


REFERÊNCIAS 

AMORIM, Felipe; COSTA, Flávio; BIANCHI, Paula. Cadeias brasileiras superam limite de superlotação estipulado pelo Ministério da Justiça. Do UOL, em Brasília, em São Paulo e no Rio. Publicado em 09 de dez. 2017. Disponível em https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/12/09/superlotacao-nas-cadeias-viola-resolucao-de-conselho-do-ministerio-da-justica.htm?cmpid=copiaecola. Acessado em: 25 de out. 2018. 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.  

______. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Audiência de Custódia. Brasília: CNJ, 2016. Disponível em:        http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2016/09/0a99a0ab0eb26b96fdeaf529f0dec09b.pdf. Acesso em: 15 de set. 2018.  

______. Resolução nº 213, DE 15 DE DEZEMBRO DE 2015. Dispõe sobre a apresentação de toda pessoa presa à autoridade judicial no prazo de 24 horas. Diário Oficial da União, Brasília, 15 de dez. 2015.

______. Decreto-Lei n° 3.689, de 3 de outubro de 1941. Dispõe sobre o Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, 3 de out. 1941.

______. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Dispõe sobre a promulgação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969. Diário Oficial da União, Brasília, 6 de novembro de 1992.

BARATTA, Alessandro. Direitos Humanos Entre a Violência Estrutural e a Violência Penal. Fasc. De Ciências Penais. Porto Alegre, v. 6, n.2, p. 44-61, abr/mai/jun, 1993.

CAMARGO, Virginia. Realidade do Sistema Prisional no Brasil. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 33, set 2006. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1299>.  Acesso em 05 de nov. 2018.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção americana sobre os direitos humanos: assinada na Conferência especializada interamericana sobre direitos humanos, San José, Costa Rica, em 22 de novembro de 1969.

DEPARTAMETO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Sistema Integrado de Informações Penitenciárias. Relatórios Estatísticos, Analíticos do Sistema Prisional Brasileiro. Atualizado em Junho de 2016. Disponível em: http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf. Acesso em: 20 outubro 2018.

HUMANS RIGHTS WATCH (HRW). Brasil: Crise Penitenciária Impulsiona Reforma. Disponível em: http://www.hrw.org/pt/news/2015/04/08/brasil-crise-penitenciariaimpulsiona-reforma. Acesso em 17 de outubro de 2018.

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LOPES, JR. Aury. Direito Processual Penal. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

LOPES, JR. Aury. O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Diversas. 2ª edição. Editora Lumen Juris, 2012.

MACHADO CRUZ, Rogério Schietti. Garantias Processuais nos Recursos Criminais, Ed. Atlas 2002.

MASI, C. V. A audiência de custodia frente à cultura do encarceramento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

MONTENEGRO. Manuel Carlos. Audiências de custódia interferem na superlotação e nas mortes em presídios. Publicado em 24 de julho de 2015. Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/79955-audiencias-de-custodia-interferem-na-superlotacao-e-nas-mortes-em-presidios.  Acesso em: 30 de out. 2018.

POLI, Camilin Marcie de. A (in)efetividade da audiência de custódia face à mentalidade inquisitória. Publicado em 20 de dezembro de 2017. Disponível em: http://www.justificando.com/2017/12/20/inefetividade-da-audiencia-de-custodia-face-mentalidade-inquisitiva/. Acesso em: 23 de outubro de 2018.

PIRSIG, Robert M. Zen e a arte da manutenção de motocicletas: uma investigação sobre valores. trad. Celina Cardim Cavalcanti. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.

TOSCANO JR., Rosivaldo. Muito Mais que Uma Audiência de Custódia. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/leitura/pirata-ou-sobrevivente-aplicacao-do-postulado-da-razoabilidade-por-rosivaldo-toscano-jr. Acesso em 12 de out. de 2018.


Notas

[3] Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.  

[4] Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. § 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.  

[5]Art. 9.3. Qualquer pessoa presa ou encarcerada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções judiciais e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença.

[6] Art. 7.5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.

[7]Art. 5, LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Sobre o autor
Rafael Almeida de Freitas

Graduando em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo Científico apresentado ao Curso de Direito da Universidade Católica do Salvador, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

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