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DPVAT: indenização por morte de quem ainda não nasceu, é possível?

Agenda 21/02/2019 às 15:30

Reflexões sobre a possibilidade do recebimento de indenização por morte em acidentes de trânsito, com morte de nascituro.

O título da presente abordagem pode parecer estranho à primeira vista, pois, como poderia alguém morrer sem ter nascido? Como poderia a família ser indenizada pela morte de quem ainda não teve vida?

Pois bem, antes de mais nada, é importante frisar que o presente artigo trata, exclusivamente, da possibilidade de recebimento de indenização do seguro DPVAT/modalidade morte, no caso de interrupção da vida intrauterina em virtude de acidente de trânsito.

Prosseguindo, é relevante mencionar que a frota de veículos no Brasil tem crescido rapidamente nos últimos anos, exemplo disso é estudo realizado pelo IBPT – EMPRESÔMETRO[1], concluindo que a frota de veículos no país em 2017 chegou a um total de 50,7 milhões de autoveículos e 15,1 milhões de motocicletas.

Ademais, com o crescimento do número de veículos no país, consequentemente, o número de acidentes cresceu. Estima-se, no último levantamento feito pela seguradora líder do consórcio do seguro DPVAT, responsável pelo controle do referido seguro que, em 2017, cerca de 380 mil indenizações foram pagas nas 3 modalidades de cobertura, número expressivo e que deixa sequelas nos lares brasileiros.

Feitas estas primeiras observações, é relevante mencionar que o seguro DPVAT foi criado por meio da Lei 6.194/74, prevendo essa a possibilidade de recebimento de indenização DPVAT em 3 hipóteses: Morte, Invalidez permanente e reembolso à vítima, no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas, tudo conforme previsto no art. 3º[2] da referida Lei.

Em seu art. 5º, a Lei que trata do DPVAT faz a seguinte observação: O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado.

Dentre as três hipóteses previstas, a situação de morte é a mais objetiva, pois, em regra, somente se analisa a existência do acidente de trânsito, o nexo causal entre o acidente e a morte e logicamente a consequência fatal do sinistro.

Mas, imaginemos a seguinte situação: Uma mulher, grávida, dirigindo o seu veículo, sofre acidente de trânsito, é levada ao hospital e se observa que a consequência do acidente fora a perda do filho que nutria em seu ventre, seria possível o recebimento de indenização na modalidade morte em virtude da interrupção da gestação?

Por ser uma análise sucinta do tema e que não aborda detalhadamente as teorias de nascimento da personalidade da pessoa, podemos afirmar que sim! É possível o recebimento de indenização DPVAT por morte do nascituro.

Tal fato tem sido abordado nos nossos Tribunais de forma mais tímida do que as outras situações de cobertura do DPVAT. Mas, de qualquer forma, grande parte das decisões são favoráveis aos pleitos desta natureza.

Tais entendimentos, em parte, tomam por base o preceito contigo no art. 2º do Código Civil, dispondo esse que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.

A segunda parte do referido dispositivo legal tem a sua finalidade e não foi inserido injustificadamente; mas sim, por ter o legislador a sensibilidade em entender que o nascituro deve ser tratado como sujeito de direito, já existente no mundo e consequentemente dotado de proteção legal.

Na decisão do REsp 1120676, julgado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça e que tratava de um caso desta natureza, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino ponderou que o cerne da discussão jurídica situa-se em estabelecer se o caso se enquadra na expressão "indenizações por morte", do artigo 3º da lei 6.194/74, que definiu com mais precisão os danos pessoais a serem cobertos pelo seguro.

Segundo o ministro, a interpretação mais razoável da lei, centrada na proteção dos direitos fundamentais, "é no sentido de que o conceito de 'dano-morte', como modalidade de 'danos pessoais', não se restringe ao óbito da pessoa natural, dotada de personalidade jurídica, mas alcança, igualmente, a pessoa já formada, plenamente apta à vida extrauterina, que, embora ainda não nascida, por uma fatalidade, acabara vendo sua existência abreviada em acidente automobilístico".

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Tal entendimento é acompanhado pelos Tribunais do País afora, como exemplo podemos citar:

REPARAÇÃO DE DANOS. SEGURO DPVAT. DIREITO DOS GENITORES, NA CONDIÇÃO DE HERDEIROS, DE RECEBEREM INDENIZAÇÃO POR MORTE DO NASCITURO. PERSONALIDADE CIVIL QUE COMEÇA COM O NASCIMENTO COM VIDA QUE NÃO EXCLUI A PRESERVAÇÃO DOS DIREITOS DESDE A CONCEPÇÃO, NA FORMA DO ART. 2º DO CÓDIGO CIVIL. NEXO CAUSAL ENTRE O ACIDENTE E A INTERRUPÇÃO DA GESTAÇÃO COMPROVADOS ATRAVÉS DE ATESTADO DE NATIMORTO E BOLETINS DE ATENDIMENTO HOSPITALAR. INCIDÊNCIA DA CORREÇÃO MONETÁRIA À PARTIR DA DATA DO FATO (SUMULA 580 DO STJ). JUROS MORATÓRIOS A CONTAR DA CITAÇÃO. SÚMULA Nº 14 DAS TURMAS RECURSAIS CÍVEIS. PROVIMENTO ULTRA PETITA. IMPOSIÇÃO DE SUCUMBÊNCIA DIANTE DA PECULIARIDADE DO CASO CONCRETO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71006774707, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Vivian Cristina Angonese Spengler, Julgado em 23/08/2017).

APELAÇÃO CÍVEL. DPVAT. SEGUROS. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DPVAT. NATIMORTO. Correta a sentença que reconheceu o direito da herdeira ao recebimento da indenização do seguro obrigatório DPVAT pelo natimorto, decorrente de acidente de trânsito. Apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70067841353, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Elisa Carpim Corrêa, Julgado em 03/03/2016).

Assim sendo, a despeito da controvérsia acerca do momento em que se inicia a personalidade civil, infere-se das teorias natalista, concepcionalista e da personalidade condicional um ponto em comum: que o nascituro, assim compreendido como o ser já concebido, mas ainda inserido no meio intrauterino, titulariza, sim, alguns direitos e merece a devida atenção legal.

Dessa forma, entendemos que o que não se pode, em hipótese alguma, é ignorar a existência do nascituro, que, diga-se de passagem, teve a sua vida ou nascimento interrompido, única e exclusivamente, em virtude de acidente de trânsito. Pensar de forma diferente seria, em uma análise mais apurada, negar a própria existência deste ser humano.


Notas

1. Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação

2. Art. 3o Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada:

I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte;

II - até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente; e

III - até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas.

Sobre o autor
Maicon Alves

Advogado civel/trabalhista, atualmente atuando na cidade de Santiago RS. Bacharel em direito formado pela Universidade de Caxias do Sul - UCS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, Maicon. DPVAT: indenização por morte de quem ainda não nasceu, é possível?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5713, 21 fev. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72068. Acesso em: 22 dez. 2024.

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