2. OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS
Para o devido entendimento do tema abordado neste estudo, faz-se necessária uma breve explanação acerca dos conceitos e das espécies de contratos administrativos existentes no Direito Brasileiro, principalmente no que diz respeito aos contratos de concessão.
Pode-se entender como contrato administrativo, segundo Di Pietro (2010, p. 251), “[…] os ajustes que a Administração, nessa qualidade, celebra com pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, para a consecução de fins públicos, segundo regime jurídico de direito público”. Nessa mesma linha, Carvalho Filho (2015, p. 177) define o contrato administrativo como “[…] o ajuste firmado entre a Administração Pública e um particular, regulado basicamente pelo direito público, e tendo por objeto uma atividade que, de alguma forma, traduza interesse público”.
Existem, pelo menos, três grandes e divergentes correntes acerca do contrato administrativo: a primeira delas é aquela que nega a existência dos contratos administrativos, tomando como base o argumento de que estes não observam alguns dos princípios básicos e caracterizadores dos contratos; a segunda corrente, por sua vez, mostra-se diretamente oposta à primeira, uma vez que entende que todos os contratos celebrados pela Administração são contratos administrativos, não admitindo a existência de contratos privados, uma vez que a presença da Administração gera, automaticamente, a aplicação de regime jurídico próprio; e por fim, a terceira corrente, “[…] adotada pela maioria dos administrativistas brasileiros, admite a existência de contratos administrativos, com características próprias que os distinguem do contrato de direito privado” (DI PIETRO, 2010, p. 252).
Nesse mesmo sentido, é possível, ainda, citar Rosa (2011, Vol. 20, p. 60) quando este afirma que:
Há doutrinadores que sustentam a inexistência de contrato administrativo, porque não é observado o princípio da igualdade entre os contratantes e há mitigação da autonomia da vontade; outros, que todos os ajustes celebrados pela Administração são contratos administrativos, ante a imposição do regime jurídico administrativo e seus consequentes; por fim, há os que defendem a existência dos contratos administrativos como espécie do gênero contrato, possuindo características próprias, exorbitantes e derrogatórias do direito privado. Essa é a posição prevalente, como visto.
Os contratos administrativos, juntamente às licitações, são regulados especificamente pela Lei n. 8.666/93 — sendo esta conhecida como o Estatuto dos Contratos e das Licitações Públicas, conforme afirma Carvalho Filho (2015, p. 179) — e subsidiariamente pelas normais gerais dos contratos, presentes do Código Civil de 2002. Assim é que:
A Lei 8.666/93, com as alterações posteriores, abrange todos os contratos por ela disciplinados sob a denominação de contratos administrativos (arts. 1° e 54), embora nem todos tenham essa natureza. […]
No entanto, alguns desses contratos regem-se basicamente pelo direito privado, com sujeição a algumas normas de direito público constantes dessa lei. Tal é o caso da compra, da alienação, da locação de imóvel, da concessão de direito real de uso. (DI PIETRO, 2010, p. 259)
No que diz respeito às características básicas dos contratos administrativos, de acordo com ROSA (2011, vol. 20, p. 58), pode-se apontar: 1) a participação da Administração Pública, na condição de Poder Público; 2) o objeto do contrato em conformidade com o interesse público; 3) a submissão dos contratos às formas prescritas e não defesas em lei; 4) a presença de cláusulas exorbitantes, tais como a alteração ou a rescisão unilateral; 5) a submissão ao rito procedimental previsto em lei; 6) a mutabilidade do regime do contrato; e 7) a exigência das garantias previstas na legislação.
Os contratos administrativos subdividem-se em algumas modalidades, sendo elas: a) o contrato de concessão; b) o contrato de prestação ou locação de serviços; c) o contrato de obra pública; d) o contrato de fornecimento; e) o contrato de empréstimo público; e d) o contrato de função pública. O presente estudo, por sua vez, terá como foco, principalmente, os contratos de concessão de serviços públicos e as autorizações, conforme será visto mais adiante.
2.1 O Contrato de Concessão
Trata-se o contrato de concessão de uma modalidade de contrato administrativo, realizado por meio de uma delegação negocial, que nada mais é do que a transferência, realizada pelo Estado, a um terceiro particular, do dever de prestar os serviços públicos necessários à coletividade (CARVALHO FILHO, 2015, p. 385).
Pode-se apontar como causa dessa delegação de dever, de acordo com Moreira Neto (2014), a preocupação que o legislador teve de poupar o Poder Público no que diz respeito à execução das tarefas de exploração econômica, delegando, assim, estas ao setor privado; fato este que mostra-se nítido nos princípios da livre iniciativa, da restrição à atividade de exploração econômica pelo Estado e da limitação interventiva geral restrita às funções de fiscalização, incentivo e planejamento, presentes nos arts. 1°, IV e 170, caput; 173, caput; e 174, caput, da Constituição Federal de 1988, respectivamente.
No que diz respeito a natureza jurídica dessa espécie de contrato, pode-se apontar, apesar da grande divergência doutrinária existente, que esta, conforme afirmado anteriormente, deriva dos contratos administrativos e encontra-se sujeita ao regime jurídico de direito público (DI PIETRO, 2010, p. 291; ROSA, 2011, v. 20, p. 73).
Por fim, há de se ressaltar que, em meio a divergências doutrinárias, a corrente mais aceita hoje é aquela que dá aos contratos de concessão um sentido mais restrito, além de os subdividir em três diferentes modalidades: a concessão de serviços públicos; a concessão de obras públicas; e a concessão de uso de bens públicos (DI PIETRO, 2010, p. 287-289).
2.1.1 Contratos de Permissão e Concessão de Serviço Público
Pode-se apontar a concessão de serviços públicos como a primeira forma, utilizada pelo Poder Público, de delegação de poderes estatais relativos à execução de serviço público (DI PIETRO, 2010, p. 291).
Embora as concessões tenham tido os seus primeiros sinais ainda no início do Estado Moderno, foi a partir do “fim do liberalismo” que o Estado passou a assumir responsabilidades no campo social e econômico. A partir desse momento, em razão da insuficiência de capitais à disposição do Estado, passou a existir a necessidade da criação de uma nova forma de gestão do serviço público, bem como da atividade privada que era exercida pela Administração Pública (DI PIETRO, 2010, P. 291; MOREIRA NETO, 2014).
A solução encontrada pelo Estado foi, justamente:
[…]a delegação da execução de serviços públicos a empresas particulares, mediante concessão; [de modo que] por meio dela, o particular (concessionário) executa o serviço, em seu próprio nome e por sua conta e risco, mas mediante fiscalização e controle da Administração Pública, inclusive sob o aspecto da remuneração cobrada ao usuário – a tarifa –, a qual é fixada pelo poder concedente. (DI PIETRO, 2010, p. 291)
Dessa forma, a modalidade da concessão de serviços públicos expandiu-se exponencialmente com o objetivo de prestar os serviços de alto custo mais relevantes à sociedade, tais como os de luz, gás, telefone, saneamento público, água etc.
Entretanto, após o crescimento excessivo experimentado pelos setores político, social e econômico, em razão da Primeira Guerra Mundial, cumulado às mudanças políticas geradas pelas notáveis consequências do período da Guerra Fria e da crescente preocupação com a segurança nacional, as concessões perderam espaço de forma considerável (MOREIRA NETO, 2014).
Ademais, de acordo com Bilac Pinto (RDA 32:3 apud DI PIETRO, 2010, p. 292), em razão da alteração de algumas características originárias pertencentes aos contratos de concessão de serviços públicos, este passou a adotar um modelo que tornou-se lesivo ao Poder Público, uma vez que este, apesar de não mais gozar dos benefícios eventuais anteriormente concedidos, agora se via “[…] obrigado a participar das perdas da exploração do serviço público concedido”, o que levou o instituto a um inevitável declínio.
Apesar do inegável declínio sofrido pelo instituto da concessão de serviços públicos, este nunca chegou a desaparecer completamente, mostrando-se presente em alguns setores dos transportes públicos, como bem afirma Moreira Neto (2014). Assim, com término da Guerra Fria, o fim da tensão armamentista e a impossibilidade da obtenção de capital público por meio de tributos — além, é claro, dos crescentes investimentos em tecnologias destinadas ao serviço público — foi que o Brasil, acompanhando o movimento existente em outros países, voltou a utilizar o instituto da concessão, só que dessa vez tendo como concessionárias as empresas estatais controladas de forma acionária pelo próprio Estado (MOREIRA NETO, 2014; DI PIETRO, 2010, p. 292).
Posteriormente, como bem ressalva Di Pietro (2010, p. 293), com o crescente movimento da privatização, voltou o Poder Público a delegar os serviços públicos às empresas privadas, sem, é claro, deixar de lado as empresas estatais.
Assim, de acordo com a Constituição Federal de 1988, art. 175, ficou definido como dever do poder público a prestação de serviços públicos, seja na forma de concessão ou permissão.
Dessa forma, pode-se classificar a concessão de serviço público como:
[…] o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e rico, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga pelo usurário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço. (DI PIETRO, 2010, p. 294)
Nesse mesmo viés, é possível complementar tal conceito com a observação feita por Rosa (2011, vol. 20, p. 73), onde este afirma que o concessionário recebe apenas a execução do serviço, ou seja, a titularidade continua sendo do Poder Público, podendo este, a qualquer tempo e de acordo com a sua conveniência, proceder com a rescisão unilateral do contrato e retomar a execução do serviço, mesmo que o referido contrato ainda se encontre no período de vigência, conforme art. 37 da Lei n° 8.987/95.
De acordo com a definição de Carvalho Filho (2015, p. 386), pode-se classificar as concessões de serviços públicos em duas categorias distintas: a) as concessões especiais; e b) as concessões comuns.
Assim, por concessões especiais pode-se entender aquelas concessões reguladas pela Lei n. 11.079/04, usualmente conhecidas como Parcerias Público-Privadas. Tanto a referida lei, quanto a grande maioria dos doutrinadores admitem para tais concessões duas modalidades — a patrocinada e a administrativa — sendo estas definidas como aquelas concessões onde o Poder Público delega a execução de um serviço público a um terceiro, para que este o execute, em seu próprio nome e mediante uma contraprestação em pecúnia por parte do próprio Poder Público. (DI PIETRO, 2010, p. 304; CARVALHO FILHO, 2015, p. 386; ROSA, 2011, Vol. 20, p. 74).
As concessões comuns, por sua vez, são aquelas reguladas pela Lei n. 8.987/95, e podem ser divididas em duas modalidades, a concessão de serviço público e a concessão de serviço público precedida da execução de obra pública, conforme art. 2°, II e III, da referida lei:
Art. 2° Para os fins dispostos nesta Lei, considera-se:
[…]
II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;
III – concessão de serviço público precedida da execução de obra pública: a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para a sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou da obra por prazo determinado; […] (BRASIL, 1995, grifo nosso)
Apesar das distinções, as concessões de serviço público, de modo geral, guardam algumas características em comum, sendo possível apontar como tais: a concessão da execução do serviço a terceiro, que deve realizá-la em seu próprio nome; a titularidade exclusiva do Poder Público; a obrigatoriedade do processo licitatório; a presença da tarifa que, quando for cabível, terá a natureza de preço público e será fixada pelo preço da proposta que vencer a licitação, sendo facultado aos contratos o mecanismo de revisão tarifária; a responsabilidade objetiva do concessionário, cabendo ao Poder Público a responsabilidade subsidiária, caso o prejuízo esteja diretamente ligado à execução do serviço; a rescisão unilateral por parte da Administração Pública; a prerrogativa do poder concedente quanto a possibilidade de intervenção na empresa concessionária (DI PIETRO, 2010, p. 295-299; CUNHA JÚNIOR, 2010, p. 580-585).
Assim, conforme mencionado anteriormente, toda concessão deverá ser precedida de uma licitação, devendo esta ser realizada na modalidade concorrência e sujeita aos termos da Lei n. 8.666/93 e a alguns princípios específicos. Já em relação à forma de extinção do contrato de concessão, preceitua o art. 35 da Lei n. 8.987/95 que:
Art. 35. Extingue-se a concessão por:
I – advento do termo contratual;
II – encampação;
III – caducidade;
IV – rescisão;
V – anulação; e
VI – falência ou extinção da empresa concessionária e falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual. (BRASIL, 1995)
Assim, trata-se a extinção por advento do termo contratual, também conhecida como extinção por termo final do prazo, de uma forma extintiva natural, onde o contrato chega ao fim no prazo estabelecido previamente, sem que seja necessária a realização de qualquer tipo de comunicação às partes (CARVALHO FILHO, 2015, p. 425).
A encampação, por sua vez, encontra-se regulada no art. 37, da Lei n. 8.987/95, e trata-se de uma rescisão unilateral decorrente do interesse da Administração Pública, que opta pela retomada dos serviços concedidos ao particular. Ainda neste sentido, afirma Carvalho Filho (2015, p. 428) que “nessa modalidade extintiva, não há qualquer inadimplência por parte do concessionário; há, isto sim, o interesse da Administração em retomar o serviço.”.
Em relação ao instituto caducidade, pode-se afirmar, de acordo com o art. 38 da Lei n° 8.987/95, que trata-se esta modalidade de uma extinção resultante da inexecução total ou parcial do contrato de prestação de serviço, devendo ser precedida por processo administrativo onde será realizada a devida verificação da inadimplência da concessionária.
A rescisão, quarta hipótese de extinção do contrato de prestação de serviço, caracteriza-se pela ocorrência de fato, posterior ao nascimento do contrato, de responsabilidade da Administração Pública, e com condão para desfazer o vínculo existente entre as partes do contrato (CARVALHO FILHO, 2015, p. 425). Ou seja, diferente do instituto da caducidade, trata-se a rescisão de uma prerrogativa do concessionário, uma vez que poderá este, frente ao descumprimento contratual do concedente, pedir a extinção do contrato.
A penúltima hipótese de extinção contratual encontra-se disposta no art. 35, V da Lei n° 8.987/95, e diz respeito a possibilidade de anulação do contrato. Tal hipótese ocorrerá em razão de vício de legalidade, e poderá ser decretada por meio de decisão administrativa ou judicial, momento em que produzirá efeitos ex tunc (CARVALHO FILHO, 2015, p. 425).
Por fim, a última hipótese de extinção do contrato de concessão de serviços encontra-se presente no art. 35, VI da Lei n° 8.987/95 e diz respeito ao instituto da falência e a extinção da empresa concessionária. A hipótese de extinção por falência encontra-se previsa também na própria Lei 11.101/2005, em seu art. 195, onde fica definido que a decretação da falência de tais concessionárias acarretará a extinção dos contratos de concessão, o que torna-se compreensível uma vez que o devedor será obrigado a se afastar das suas atividades, tornado-se, assim, incapaz de dar continuidade ao contrato firmado (CARVALHO FILHO, 2015, p. 429).
Diretamente ligado às possibilidades de extinção dos contratos, encontra-se o instituto da reversão, que nada mais é do que uma incorporação, mediante indenização, por parte da Administração, daqueles bens do concessionário que se fazem extremamente necessários para a execução do serviço público (DI PIETRO, 2010, p. 297). Nesse mesmo sentido, afirma Cunha Júnior (2010, p. 585, grifo do autor) que após extintos os contratos de concessão, “[…] retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário conforme previsto no edital e estabelecido no contrato”.
Por fim, cumpre fazer uma breve explanação acerca dos institutos da permissão e da autorização, muito embora a legislação não faça referência a este último, conforme pode-se observar no art. 175 da CF/88.
De acordo com Di Pietro (2010, p. 301), trata-se a permissão de um “[…] ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o Poder Público transfere a outrem a execução de um serviço público, para que o exerça em seu próprio nome e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usurário”.
No que diz respeito à natureza jurídica deste instituto, de acordo com Carvalho Filho (2015, p. 438), tem ele natureza de contrato administrativo de adesão, restando afastada qualquer tipo de distinção conceitual entre este instituto e o instituto da concessão.
Assim, pode-se observar que a permissão em muito pouco difere da concessão, possuindo, inclusive, formas de extinção semelhantes, dentre elas: a extinção por termo final do prazo; a anulação; a encampação; a caducidade; e o desfazimento por iniciativa do permissionário (rescisão) (CARVALHO FILHO, 2015, p. 442 – 445).
Finalmente, quanto ao instituto da autorização, de acordo com Di Pietro (2010, p. 300), os serviços decorrentes desta modalidade destinam-se “[…] aos próprios particulares beneficiários da autorização […]”, e recebem a denominação de serviços públicos em razão, unicamente, da titularidade exclusiva pertencente ao Estado. Tal posição é defendida também por Carvalho Filho (2015, p. 465, grifos do autor) quando este afirma tratar-se a autorização, não de uma atividade caracterizada como serviço público, mas de um “[…] ato administrativo discricionário e precário pelo qual a Administração consente que o indivíduo desempenhe atividade de seu exclusivo ou predominante interesse […]”.
Dessa forma, resta claro que, diferente da concessão e da permissão, o instituto da autorização não versa sobre uma prestação de serviço público, razão pela qual não encontra-se devidamente prescrito em lei.
2.1.2 A Recuperação Judicial e os Contratos de Concessão
Conforme mencionado anteriormente, a extinção dos contratos de concessão pode se dar por diferentes formas, dentre elas pela falência da concessionária. Entretanto, há na doutrina um questionamento quanto a possibilidade de extinção de tais contratos em razão de uma recuperação judicial da empresa concessionária.
Tal discussão torna-se compreensível se tomarmos como base o disposto nos arts. 31, II e 55, XIII, ambos da Lei 8.666/ 93 (Lei de Licitações), uma vez que estes dispõem sobre os requisitos de habilitação nas licitações e de manutenção dos contratos administrativos, respectivamente.
Assim, traz o art. 31 da Lei de Licitação a lista dos documentos necessários à qualificação econômico-financeira dos interessados nos contratos administrativos, dispondo, mais especificamente no inciso II, sobre a necessidade da certidão negativa de falência ou concordata, conforme pode-se observar abaixo:
Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:
[…]
II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;
[…] (BRASIL, 1993)
Já o art. 55, desta Lei, em seu inciso XIII, traz a obrigatoriedade do contratado de manter, durante o período de vigência do contrato, todos os requisitos relativos à habilitação e qualificação anteriormente exigidos e comprovados na fase de licitação. Ou seja, torna-se claro o fato de que a manutenção do contrato firmado dependerá, dentre outros fatores, da apresentação da certidão negativa mencionada no art. 31, II, Lei 8.666/93.
Diante disto, torna-se compreensível o questionamento existente, uma vez que o devedor em Recuperação Judicial não dispõe das certidões negativas necessárias à manutenção dos referidos contratos administrativos. Confirmando essa ideia, pode-se mencionar, ainda, o art. 52, II, da Lei n° 11.101/05 (Lei de Falências), uma vez que este afirma:
Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:
[…]
II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;
[…] (BRASIL, 2005, grifo nosso)
Dessa forma, ao se levar em consideração a ausência das certidões negativas e, por consequência, o inadimplemento do contrato — uma vez que estará a concessionária descumprindo com as cláusulas estabelecidas — pode-se, então, pensar na possibilidade de uma extinção contratual resultante de um processo de caducidade.
Entretanto, diante de tal questão é necessário levar em consideração as novas premissas trazidas pela nova Lei de Falências, que toma como princípio norteador o Princípio da Preservação da Empresa e visa, conforme mencionado anteriormente, a preservação da atividade econômica e do interesse de terceiros direta ou indiretamente ligados a ela (COELHO, 2012, vol. 2).
Assim, ao realizar uma análise a partir do ponto de vista do princípio da preservação da empresa, torna-se controversa a ideia da extinção dos contratos administrativos das empresas recuperandas, uma vez que tal ação iria diretamente contra os propósitos de preservação e soerguimento da empresa. Nesse sentido, pode-se citar Di Pietro (2010, p. 298, grifos da autora), quando esta afirma que:
[…] o fato de ter a empresa pedido recuperação judicial, na forma do art. 47 e seguintes da Lei n° 11.101/05 não é suficiente para a declaração de caducidade. O objetivo do processo no art. 47, é precisamente o de “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.
Nesse mesmo viés, pode-se mencionar também Saddy (2013, p. 47), uma vez que este defende a inexistência de qualquer tipo de previsão legal no sentido de autorizar, em razão da recuperação judicial da empresa, um processo de caducidade que possa resultar na extinção do contrato.
Assim, presume-se como perfeitamente possível a hipótese da continuação do cumprimento do contrato de concessão pela empresa em recuperação, fato que implicaria na falta de um requisito essencial para a declaração da caducidade, qual seja, a inexecução total ou parcial do contrato (DI PIETRO, 2010, p. 298; MOREIRA NETO, 2014).
Ademais, cumpre fazer menção também ao art. 80, §2° da Lei 8.666/93, que apesar de ter sido consagrado sob a vigência da Lei de Falência anterior, mostra-se bastante útil e esclarecedor diante de tal discussão, uma vez que afirma ser faculdade da Administração a decisão relativa à manutenção dos contratos da concessionária no caso de uma concordata.
Dessa forma, pode-se observar que desde o diploma anterior já havia uma preocupação quanto ao que se fazer com os contratos administrativos das concessionárias em crise, estando o posicionamento dos legisladores voltado no sentido de dar à Administração a autonomia de realizar uma análise da dimensão da crise e decidir com base na situação mais benéfica ao Poder Público.
Dito isto, pode-se apontar como um dos fatores preponderantes para a manutenção desses contratos, aliando-se ao próprio princípio da manutenção da empresa, a nítida relação de dependência existente entre a concessionária e o concedente, uma vez que os benefícios existentes são mútuos, tendo em vista que a extinção deste vínculo contratual pode gerar grandes prejuízos não só ao contratado, mas também à Administração Pública.
Posto isto, conclui-se que a extinção do contrato fundada em processo de caducidade não necessariamente será a única opção diante da recuperação da empresa concessionária, cabendo à Administração analisar e decidir pela manutenção ou extinção do contrato.