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A violação do princípio da presunção de inocência ante a decisão do STF no Habeas Corpus 126.292

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Agenda 03/05/2019 às 16:15

O STF, no julgamento do HC 126.292, passou a entender que, após a decisão de segunda instância, o acusado já pode ser preso sem que isso ofenda o princípio da presunção de inocência.

Após oito anos adotando o entendimento de inconstitucionalidade da prisão provisória, o STF volta com o entendimento de possibilidade da execução provisória da pena. Segundo Kumode (2016, p. 41), “o Supremo Tribunal Federal retrocedeu e voltou a adotar entendimento antes superado, sob alegada mutação constitucional” (KUMODE, 2016, p. 41).  Com base nessa afirmação, fica claro que, ao cercear a liberdade de um sujeito que não apresenta riscos para a sociedade (o periculum in mora e o fumus boni iuris), existe um desequilíbrio entre a interpretação e o texto constitucional.

O que se busca é a harmonia entre a lei e sua aplicação. Soares (2013, p. 325) afirma que “em outras palavras, o objetivo da atividade interpretativa é extrair as finalidades supremas dos preceitos constitucionais para torná-los efetivos e harmônicos entre si”, e não utilizar da interpretação para mudar o sentido da norma, e restringir a liberdade da pessoa que não suscita risco para sociedade.

  No julgamento do habeas corpus, objeto do presente estudo, o que muito foi citado refere-se ao efeito devolutivo dos recursos especiais e extraordinários, que encerra a análise de prova e fatos, possibilitando a execução provisória da pena. Porém, segundo Kumode (2016, p.42), “o exaurimento do exame da matéria probatória não é sinônimo de trânsito em julgado, e são inúmeras as possibilidades de discussão de matéria de direito que ensejam a mudança de julgamento”.

Conforme explicação:

Um juiz cerceia completamente o direito de defesa, indefere testemunhas. Aí o réu é condenado sem direito de provar sua inocência. Vem um tribunal endurecido de segunda instância e mantém a condenação. O advogado entra com um recurso especial no STJ dizendo: “há uma nulidade processual brutal, diversas leis foram violadas, o réu tem direito a apresentar suas testemunhas”. O que acontece com muita frequência? O STJ anula o processo, manda o caso de volta para a primeira instância, o réu apresenta sua defesa adequadamente e acaba sendo absolvido. Tem muito, muito processo que é anulado no STJ por vício, falta de fundamentação da decisão judicial, etc. Mas até aí, se o réu ficou preso entre a condenação em segunda instância e o STJ anular o processo, como é que fica? O cidadão fica preso e o processo é anulado depois. Não importa se eu gosto ou não do réu, nós não podemos ter uma ética utilitária. É necessário respeitar os preceitos constitucionais e os direitos e garantias inerentes ao Estado Democrático de Direito. (FLORES, 2018, s.p).

Segundo o autor Badaró:

O novo posicionamento é equivocado. Os termos da Constituição são claríssimos, a presunção de inocência ou o estado de não culpabilidade vigora até “o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Essa expressão tem significado técnico e com tal deve ser interpretada. Diante disso, argumentos de direito comparado perdem total sentido, se a garantia no ordenamento em comparação não tiver expressa previsão de subsistência até o trânsito em julgado. Assim, o trânsito em julgado da sentença penal condenatória ocorre no momento em que a sentença ou o acórdão torna-se imutável, surgindo a coisa julgada material. Não há margem exegética para que a expressão seja interpretada, mesmo pelo Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o acusado é presumido inocente até o julgamento condenatório em segunda instância, ainda que interposto recurso para o Supremo Tribunal Federal ou Superior Tribunal de Justiça. (BADARÓ, 2018, s.p)

Já o autor João Paulo Charleaux (2018, s.p.) aborda que o efeito devolutivo não é fundamento para a execução provisória da pena devido ao número de processos modificados em recurso especial e extraordinário, como menciona o ministro Teori Zavascki ao afirmar que os juízes de instâncias ordinárias podem se equivocar: 

Vale ressaltar, porém, que o índice de reforma [quando a decisão de uma corte inferior é alterada por uma corte superior] das decisões que implicam em liberdade para acusados pelos tribunais superiores é de mais de 15%. Ou seja, os juízes de primeiro grau e tribunais de segundo grau erram, e bastante. Não podemos admitir que joguemos na cadeia pessoascondenadas por um sistema de justiça comprovadamente falho. (CÚSTÓDIO, 2018, apud CHARLEAUX, 2018, s.p)

As súmulas 716 e 717 do STF são mencionadas para comprovar o entendimento da Corte desde 2003 sobre a execução provisória da pena, porém o que se extrai é a exceção, isto é, só será aceita a aplicação da prisão antecipada da pena quando o sujeito já se encontra preso por uma medida cautelar prorrogada. Logo, ele terá direito a um benefício, como a liberdade antecipada, ou a um regime menos gravoso. Como já estudamos no capítulo anterior, as medidas cautelares são aplicadas ainda na fase investigatória ou processual, apresentando requisitos estabelecidos em lei.

Segundo o autor Badaró:

Todavia, em uma hipótese tem sido admitida a chamada execução penal provisória: quando seja mais benéfica ao acusado. O art. 2.º, parágrafo único, da LEP prevê que se aplicam ao preso provisório as disposições da Lei de Execução Penal. Assim, se houve recurso da sentença penal condenatória, mas o tempo de prisão provisória do acusado já lhe permite a obtenção de algum benefício, como a progressão de regime ou o livramento condicional, o condenado poderá requerer a execução provisória da pena. (BADARÓ, 2018, s.p)

O art. 637 do CPP, ao abordar que o recurso extraordinário não é dotado de efeito suspensivo, não deve ser levado em consideração para a execução antecipada da pena, visto que as leis infraconstitucionais devem respeitar a Constituição Federal, considerada como Lei Maior. Ademais, a CF não traz em seu texto legal o efeito do recurso, mas sim o trânsito em julgado. O Autor Zuza (2016,s.p) garante que “a Constituição, como maior norma no grau hierárquico na pirâmide de Kelsen, deve prevalecer sobre a legislação infraconstitucional”.

Sobre a decisão, o autor Baradó considera:

A decisão é equivocada, restringindo indevidamente a garantia constitucional. O art. 5.º, caput, LVII, da CR, estabelece como marco final da presunção de inocência o “transito em julgado da sentença penal condenatória”, e não “o acórdão condenatório em segundo grau”! A diferença prática das duas posições é que o novo posicionamento do STF implica negar efeito suspensivo ao recurso especial e extraordinário. Logo, poderão os tribunais locais, em caso de acórdão condenatório, determinar a expedição de mandado de prisão, como efeito da condenação a ser provisoriamente executada. Entre nós, contudo, a Constituição reforçou a presunção de inocência, estabeleceu um marco temporal mais amplo para sua incidência, indo além do momento em que se considera legalmente provada ou comprovada a culpa, ou que seja proferida sentença ou acórdão, ainda que recorrido. O acusado tem o direito que se presuma a sua inocência “até o trânsito em julgado” da sentença penal condenatória. (BARADÓ, 2018, s.p).

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Outro aspecto negativo da decisão foi o direito comparado com outros países democráticos que executam a pena provisoriamente. Observa-se que nos países que executam a pena provisoriamente, a Constituição destes não menciona a necessidade de aguardar o trânsito em julgado. Ao adotar tal modelo no nosso país, além de ferir a Constituição, ferem-se também os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. O ministro Celso de Mello, no voto proferido no habeas corpus supramencionado, é categórico:

É por isso que se mostra inadequado invocar-se a prática e a experiência registradas nos Estados Unidos da América e na França, entre outros Estados democráticos, cujas Constituições, ao contrário da nossa, não impõem a necessária observância do trânsito em julgado da condenação criminal. (STF, 2016) (“destaque do original”)

A lei garante ao sujeito um rol taxativo de recursos cabíveis. Com base nela, é direito da pessoa que teve uma sentença desfavorável recorrer. A morosidade da Justiça não deve ser utilizada para suprimir direitos fundamentais e alegar aprescrição da pretensão punitiva, uma vez que a pessoa apenas está exercendo seu direito de recorrer, e, se a justiça não fosse demorada, o processo não tramitaria vagarosamente ao ponto de prescrever. Destaca-se que, além de inúmeros processos frente à insuficiência de juízes e servidores, existem os recessos, além 60 dias de férias para os magistrados, tornando a justiça ainda mais morosa, e não será a execução antecipada da pena que vai resolver a situação.

Segundo o advogado David Teixeira Azevedo:

Mas o que o réu tem a ver com o desaparelhamento do Estado, do Judiciário (que gasta 1,3% do orçamento público)? O que o réu tem a ver com o fato de os juízes tirarem dois meses de férias por ano e quando voltam ainda emendam no recesso? A morosidade do Judiciário não é justificativa para desrespeitar a Constituição e permitir prisão em segunda instância. O Estado e o Judiciário precisam se aparelhar, proporcionar meios materiais e humanos para ter uma Justiça rápida, mas o réu não tem nada a ver com isso. (AZEVEDO, 2018, s.p).

É preferível deixar o sujeito livre até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória a prender o sujeito que posteriormente poderá ser absolvido. Qualquer mudança posterior mais benéfica ao acusado – absolvição ou redução da pena – acarretará ao Estado o dever de indenizar o sujeito por erro judiciário, conforme está previsto no art. 5º da Constituição Federal, inciso LXXV, que dispõe: “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Não será o magistrado que irá arcar com o valor da indenização, mas o próprio Estado. Entretanto, como já sabemos, o Estado não tem condições financeiras para suportar o valor dessas indenizações.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO ILICITO. ILEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA. 2. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DO ESTADO. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente público, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, ao qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art.37, §6º, da CF/88. 5. Recurso Extraordinário conhecido e provido (RE 228.977-2/SP. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA. Julgamento: 05/03/2002. Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA. Publicação: DJ 12-04-2002 PG-12977 EMENT VOL-2064-4 PG-10.

Quando se dá uma nova interpretação ao texto da Constituição Federal, ocorre a denominada “mutação constitucional”, conforme explica o autor Pedro Lenza (2015, p. 168): “mutação constitucional é uma interpretação diferente do que consta previsto em lei. Altera o sentido da norma sem mudar o texto legal. Só poderá acontecer ante a ocorrência de um fato novo, que não foi previsto anteriormente”. Dessa forma, o novo entendimento para prisão em segunda instância não é passível de nova interpretação, porque em 2009 o habeas corpus 84.078 reconheceu ser inconstitucional a prisão provisória da pena, por ferir o princípio da dignidade da pessoa humana. E nada novo aconteceu após o referido julgamento, todos os motivos mencionados como morosidade da justiça, prescrição punitiva, dentre outros, já haviam sido discutidos anteriormente.

Segundo a doutrina:

A mutação constitucional caracteriza uma incongruência entre as normas constitucionais, por um lado, e a realidade constitucional de outro. Trata-se, pois, de situação entre a Constituição escrita e a realidade constitucional. A autorização para que se faça mutação constitucional por meio de nova interpretação jurisdicional do texto constitucional somente pode ocorrer se “no alcance da norma constitucional aparecerem fatos novos que não foram previstos anteriormente, ou se os antigos fatos já conhecidos se apresentarem no desenvolvimento de sua organização, em uma nova relação ou em um novo significado”, mas, repita-se ainda uma vez, essa autorização provém de processo natural, não intencional e imperceptível, pois é inadmissível mutação constitucional anunciada previamente. (NERY; ABBOUD, 2017, s.p).

Quando, em seu art. 5º, LXI, a CF dispõe que “ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita fundamentada de autoridade judiciária competente”, ela já se refere ao trânsito em julgado do inciso LVII, que dispõe: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”; o direito de liberdade supracitado está no rol exemplificativo dos direitos e garantias fundamentais. Logo, entendemos que o Supremo Tribunal Federal de 2009 acertou [ao determinar o início do cumprimento da pena após o esgotamento dos recursos], e o de 2016 [ao determinar o início do cumprimento da pena de prisão após decisão de tribunal de segunda instância] errou. E consideramos estranho se falar em “impunidade” num país que possui a terceira maior população carcerária do mundo. (CÚSTÓDIO, 2018, s.p apud CHARLEAUX, 2018, s.p).

Outro argumento apontado é a redução do grau da seletividade dos recursos interpostos, que, em tese, não acontecerá. Pois as pessoas sem condições financeiras não terão subsídios para contratar um advogado para sequer defendêlas, e utilizarão da defensoria pública, cujo número de defensores é insuficiente para atender as pessoas necessitadas. As pessoas com poder aquisitivo maior, envolvidas em crimes de grande repercussão, prestarão delação premiada, isto é, o acusado concede informações relevantes sobre outras pessoas envolvidas no mesmo crime com o objetivo de reduzir o tempo de prisão ou até mesmo alcançar a absolvição em troca de informações.

Segundo Badaró:

A delação premiada caracteriza-se por um conjunto de atos consistindo um verdadeiro incidente probatório. Assim, inicia-se com o acordo de vontades entre o investigado ou acusado delator e o Ministério Público, no qual são estabelecidos os limites do acordo, o seu conteúdo, as obrigações do delator, as exigências a serem satisfeitas, os processos em que poderão ser utilizados, os efeitos pretendidos em termos de redução ou mesmo isençãode pena, entre outras questões. (BADARÓ, 2018, s.p).

Nota-se que a delação confere premiações ao participante e, nesse contexto, torna-se pouco provável um rico ser preso provisoriamente. Vale ainda destacar a possibilidade de invenções por parte do delator, com o intuito de obter vantagens. Conforme se menciona abaixo:

Quais são as “premiações” da delação? A legislação brasileira prevê que, de acordo com a relevância das informações obtidas por meio da delação premiada, o juiz poderá reduzir a pena do acusado entre 1/3 e 2/3. Entretanto, o juiz ainda poderá consentir: a) Que a pena possa ser cumprida em regime semiaberto; b) Anulação total da condenação; e c) Perdão pela participação no crime (EDUQC CONSULTORIA, 2016). Com isso, a pessoa pobre, sem condições de defesa, será presa para cumprir a pena provisória, enfrentando as situações precárias do sistema prisional brasileiro, enquanto o rico desfrutará da pena no conforto de seu lar. Dessa forma, a seletividade não é justificativa para a execução antecipada da pena.

Segundo Priscilla Miwa Kumode:

Isso porque, ao se adotar como regra a prisão, o réu, para revertê-la precisará interpor recurso, seja um habeas corpus, seja um requerimento de tutela de urgência para atribuir efeito suspensivo ao recurso especial ou extraordinário. E, como bem observado, a grande maioria da população carcerária não tem recursos para contratar um advogado, precisando se socorrer à defensoria pública, a qual, em que pese o excelente trabalho realizado, tem um elevado déficit de defensores. Quem, certamente, ficará preso enquanto aguarda a decisão de um Judiciário reconhecidamente moroso será o pobre. No Direito Penal, o tempo é precioso não apenas para o Estado-acusador, mas também, e principalmente, para o réu, que tem interesse em um julgamento célere. (KUMODE, 2016, p. 49). 

Em 2015, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) ajuizou uma ação deArguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 347) no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo reconhecimento da violação de direitos fundamentais da população carcerária e, diante disso, impôs a adoção de providências para sanar lesões a preceitos fundamentais previstos na Constituição Federal. A Suprema Corte concedeu o prazo de 3 anos para que o Estado apresente um plano que venha regularizar a situação precária do sistema carcerário.

Desse modo, podemos verificar que, antes da decisão desse julgamento, o sistema prisional já se encontrava em condições desumanas, sem nenhuma expectativa de melhorias e, após a decisão acerca da prisão em segunda instância, elevou-se ainda mais o número de presos que vivem em situações degradantes. O Estado não tem condições financeiras para realizar melhorias e ainda precisa indenizá-los pela violação à dignidade da pessoa humana.

Segundo o entendimento do STF:

Considerando que é dever do Estado, imposto pelo sistema normativo, manter em seus presídios os padrões mínimos de humanidade previstos no ordenamento jurídico, é de sua responsabilidade, nos termos do art. 37, § 6º da Constituição, a obrigação de ressarcir os danos, inclusive morais, comprovadamente causados aos detentos em decorrência da falta ou insuficiência das condições legais de encarceramento. (BRASIL, STF, 2017 RE 580252).

Conforme apontado, a superlotação dos presídios já era assunto discutido antes do STF mudar seu entendimento sobre a execução antecipada da pena, portanto, a alegação de impunidade sobre aguardar o trânsito em julgado não é razoável. Se houvesse impunidade, o sistema carcerário não estaria lotado. O que está ocorrendo é um acréscimo dessa superlotação em condições indignas. Os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) apontam que o Brasil possui a terceira maior população prisional do mundo, com mais de 726 mil pessoas presas. A taxa de ocupação de 197,4% revela que tanto as pessoas privadas de liberdade quanto os servidores e colaboradores que ocupam os espaços das prisões estão vivendo em condições insalubres.

Segundo o levantamento efetuado pelo Depen, em junho de 2016, os números de presos aumentaram consideravelmente, chegando pela primeira vez ao número de setecentos mil presos, representando um aumento da ordem de 707%em relação ao total registrado no início da década de 90, esses dados foram coletados da fonte Depen. Antes mesmo da decisão, já ocorria um acréscimo anual de presos, o que aumentou de maneira exorbitante após o julgamento. Por outro lado, o que deve ser analisado é o gasto que cada preso gera ao Estado. Segundo o autor (MONTENEGRO, 2017, s.p): “é mais barato fazerpresidiários cumprir pena fora dos presídios, trabalhar e estudar do que mantê-los encarcerados”.

Quando o Conselho Nacional de Justiça traz esse artigo na sua página de notícias, refere-se ao cumprimento de pena após o trânsito em julgado. Ou seja, os recursos financeiros estão cada vez mais escassos e, com o aumento da população carcerária, a ideia é uma alternativa para desafogar o sistema prisional. Ante esse quadro de crise, o Supremo Tribunal Federal fecha os olhos para a situação carcerária atual, até mesmo depois de julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 347), e profere a decisão injusta para agravar esse quadro. 

É de se considerar que, se cada preso aguardar o trânsito em julgado, o Estado estaria economizando para possíveis melhorias no sistema carcerário, já que o custo mensal para a manutenção do preso, conforme disposto no site no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é bastante elevado, mesmo considerando que há variação conforme o estado – em Rondônia custa R$ 3.000,00 (três mil reais), no Paraná, R$ 2.300,00 (dois mil e trezentos reais).

Diante da responsabilidade civil do Estado, caso a decisão do recurso especial ou extraordinário venha a ser favorável ao acusado, o Estado terá que efetuar a indenização referente ao erro judiciário e por culpa das situações impróprias inerentes aos presídios a que os sujeitos condenados em segunda instância se submeteram. A Lei da Ficha Limpa foi citada como exemplo de que a decisão proferida de órgão colegiado tem aplicação imediata, reconhecendo a inelegibilidade dos envolvidos. Contudo o ministro Carlos Ayres Britto (2009, pg. 7 apud Kumode, 2016, p. 43), em seu voto no julgamento do HC 84.078/MG, pondera: “é que a esfera eleitoral é o reino do coletivo ou da representatividade popular, obedecendo a outros critérios, a outros vetores e a outros parâmetros constitucionais”.

Desse modo, compreende-se que a aplicabilidade da presunção de inocência na esfera eleitoral é diferente da esfera penal. Por fim, muito se discutiu sobre a interpretação literal do art. 5º, LVII da Constituição Federal, mas, perante a clareza que a Constituição traz em seu texto, dispensa-se qualquer interpretação contrária, pois ela é clara e objetiva ao abordar a presunção de inocência e exigir o trânsito em julgado. Para complementar, citamos o Ministro Marco Aurélio, que afirma: 

A literalidade do preceito não deixa margem para dúvidas. Há uma máxima, em termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual onde o texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. (STF, HC126.292/SP, 2016, p. 78).

Segundo o autor José Andrade Da Silva:

Com a devida vênia, entendemos que referido entendimento encontra-se totalmente equivocado e, doravante, não merece prosperar, sob o risco de ser violado o texto constitucional. O princípio da presunção da inocência é garantia de suma importância, conquistado a duras penas após séculos de persecução penal inquisitória e absolutista, onde o acusado era relegado ao posto de mero objeto, vítima dos desmandos – muitas vezes arbitrários – do Estado. Este entendimento foi reproduzido em diversas esferas mundiais de tratados internacionais a respeito de direitos humanos. O afastamento da presunção de inocência não é um valor que coaduna com nenhum regime democrático, posto que impõe aos cidadãos restrições claramente não autorizadas pela legislação vigente no país. Assim, temos que, ainda que o Supremo Tribunal Federal seja a Côrte máxima do país, este órgão não detém competência para alterar o texto constitucional conforme foi feito no julgamento em análise. Não pode ser arbitrariamente negado a um cidadão seu direito resguardado na Constituição Federal de ser considerado culpado apenas e tão somente com o trânsito em julgado de sentença condenatória. (SILVA, 2016, s.p). 

A mutação constitucional não pode modificar um direito fundamental previsto na Constituição, visto que o legislador constatou ser necessário o trânsito em julgado. Essa mudança de entendimento só seria válida com o congresso nacional elaborando uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), devendo ela ser aprovada pelo Plenário em dois turnos, com os votos de 3/5 dos deputados (308 votos). Porém, por se tratar de um direito fundamental e uma cláusula pétrea, a presunção de inocência não deveria ser sequer tema debatido, já que se trata de um direito consagrado e imutável, inerente a todos os brasileiros.

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMPOS, Rosângela Góes. A violação do princípio da presunção de inocência ante a decisão do STF no Habeas Corpus 126.292. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5784, 3 mai. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/72782. Acesso em: 22 dez. 2024.

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