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A adoção por casais homoafetivos

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5. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE AUXILIAM NA DEFESA DO DIREITO DE ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

É de extrema importância para a análise de temas como o aqui proposto, o entendimento de princípios que foram conquistados ao longo da história e que corroboraram na estruturação do Estado Democrático de Direito. Esses princípios são a base, na modernidade, de valores morais e espirituais inertes à pessoa e defendem o total respeito às diferenças que se possam encontrar nas sociedades.

Elencado no rol de direitos fundamentais da CRFB/1988 (artigo 1º), o princípio da dignidade da pessoa humana assegura que o homem não é mais um mero existir, pelo contrário, deve ter sua condição natural de ser anexada ao respeito a sua inteligência, sua ampla liberdade, sua saúde, sua educação, seu trabalho, lazer, moradia, segurança e previdência social. Esse princípio pode ser definido de forma abrangente, por isso muitos autores consideram em seu bojo questões como a honra, o respeito à infância e à moradia. Em resumo, a dignidade da pessoa humana é o direito de todo ser humano de viver a sua vida com respeito e decência, sem qualquer tipo de abuso e de forma que possa se desenvolver ao longo de sua existência.

Esse princípio se encaixa na questão da adoção por pares homoafetivos, visto que se a CRFB/1988 garante a dignidade da pessoa humana, automaticamente ela garante o direito a igualdade e o da proibição de qualquer tipo de discriminação. Não se pode mais diferenciar um casal heterossexual e de um homossexual, visto que, de acordo com Garighan, 2015:

Com o entendimento da importância do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal é perceptível que a adoção desse valor acarreta a garantia constitucional de outros princípios e direitos fundamentais, como o da igualdade e o da proibição de qualquer tipo de discriminação. Esse princípio demonstra sua relevância prática quando há a análise do fato concreto de que, cada vez em maior número, existem decisões dos Tribunais justificando a aplicação do que consideram justo pela dignidade da pessoa humana como ‘critério hermenêutico, isto é, como fundamento para a solução das controvérsias’ [...]. Nesse sentido, no que diz respeito ao reconhecimento dos direitos aos casais homossexuais, embasando-se no princípio da dignidade da pessoa humana, a doutrina e a jurisprudência passaram a compreender que os casais homossexuais não são meros casais formados por pessoas do mesmo sexo, mas, sim, uniões estruturadas sob o afeto, elemento considerado fundamental à constituição da família, motivo pelo qual não é possível negar tutela jurídica para esse tipo de união.

Logo, se os casais homossexuais são iguais aos casais heterossexuais, não se pode negar o direito que é dado a um, ao outro. Torna-se, assim, relevante, compreender que não é privilégio nenhum a prerrogativa da adoção por parte dos pares homoafetivos, mas sim uma garantia constitucional amparada por diversos princípios como o da dignidade da pessoa humana.

Além da percepção de igualdade entre todos derivada da análise do princípio da dignidade da pessoa humana, é recorrente a ideia de que toda criança tem o direito a uma criação digna, a pais presentes, e a possiblidade de desenvolvimento proporcionada pelo amor, carinho, moradia, educação e outras questões. Assim, encaixa-se no bojo do princípio da dignidade da pessoa humana o direito da criança de ser adotada, caso precise, por pessoas honrosas, sérias e que a tratem com dignidade, não importando o seu sexo ou orientação sexual.

Colabora com essa ideia o princípio da igualdade, definido no artigo 5º, I da CRFB/1988 com a máxima: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Assim, como dito antes, todos são iguais e tem os mesmos direitos e garantias fundamentais. Penno (2015, s/p) afirma que:

Diante de tal posicionamento, exsurge que o princípio da igualdade deve ser considerado, também, fundamento para o reconhecimento de direitos havidos entre casais homoafetivos, transpondo-se, no mesmo sentido, como embasamento garantidor do reconhecimento da possibilidade jurídica de adoção.

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Por último, o princípio do melhor interesse da criança é também uma das garantias constitucionais que auxiliam na percepção do direito de adoção por casais homoafetivos. Peres (2006, p. 126) enfatiza que o princípio do melhor interesse da criança “vigora em nosso sistema jurídico por força do art. 5º, § 2º da CRFB/1988 e da Convenção Internacional dos Direitos da Criança realizada em 1989 e ratificada pelo Brasil através do Decreto n. 99.710/90”, sendo, portanto, norma cogente, de obrigatória observação.

Como colocado por Penno (2015, s/p): “este princípio, entrelaçado aos demais, dá respaldo jurídico a possibilidade jurídica de adoção por casais homoafetivos, porquanto traz entranhado em sua definição o sustentáculo do interesse de agir”. Nesse contexto, a família, por ser instituição que recebe ampla proteção estatal, não tem somente direitos, mas tem, também, o dever, aliada à sociedade e ao Estado, de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais da criança e do adolescente. Estes direitos configuram-se, entre outros, como o respeito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Dessa forma, uma criança que não tem uma família digna e se encontra em situação de risco deve ser tutelada pelo Estado para que possa ser recebida por uma família que a garanta (junto ao Estado e a comunidade) os direitos citados anteriormente. Nesse norte, anota-se que não se pode mencionar à sexualidade de possíveis adotantes como critério de exclusão, visto que a sexualidade não inibe o potencial de prover a criança os recursos materiais e pessoais, incluindo-se aspectos de ordem emocional e moral.

Nesse contexto, a principiologia constitucional analisada – dignidade da pessoa humana, direito à igualdade e efetivação da defesa do melhor interesse da criança –, é de suma importância para dar embasamento jurídico ao reconhecimento de direitos inerentes a todo e qualquer cidadão enquanto inserido em um núcleo familiar, independentemente de sua orientação sexual.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando-se as mudanças que ocorrem na sociedade, e, por conseguinte, as transformações por que passa o instituto familiar, buscou-se no presente trabalho analisar os novos critérios para adoção frente a sua possibilidade jurídica por casais homoafetivos.

Tendo sido a finalidade da adoção alterada, passando do mero interesse do casal em ter filhos, para a busca do melhor interesse do menor, têm-se buscado posicionamentos favoráveis à adoção de menores por casais homoafetivos levando-se em consideração o princípio da dignidade humana e o princípio da isonomia.

Foram evidenciadas as possibilidades jurídicas da adoção por casais homoafetivos porque tal união caracteriza-se como uma entidade familiar, sendo as relações de carinho, afeto e respeito entre os membros da família superior à opção sexual dos seus membros. Mostrou-se também que o princípio da dignidade humana, sendo um princípio fundamental de todo e qualquer ser humano, dissipa toda e qualquer possibilidade de negativa desse direito frente a critérios de adoção imbuídos de discriminação por orientação sexual. Nesse sentido ressalta-se a concretização do princípio da igualdade como proibição de discriminação por orientação sexual; a liberdade sexual é elemento integrante e próprio do ser humano.

Assim sendo, não há impeditivos para que casais homossexuais adotem conjuntamente uma criança ou adolescente, desde que cumpram os critérios já previstos em norma e seguidos também para casais heterossexuais. Após o reconhecimento da união homoafetiva estável como entidade familiar em 2012 pelo STF, a jurisprudência brasileira, através de um Recurso Extraordinário, deferido em março de 2015 pela ministra Carmem Lúcia, tem demonstrado que os casais homoafetivos possuem direitos em seu favor com base nos princípios da dignidade humana e da isonomia (ou seja, um casal hoafetivo se forma pelas mesmas regras e tem as mesmas consequências de um casal heteroafetivo), e que deixar de proteger crianças e adolescentes em face à opção sexual dos adotantes é uma flagrante discriminação.


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Sobre as autoras
JULIANA PEREIRA GOMES

Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros.

ANNY CAROLINE BARBOSA CAVALCANTE

Acadêmico de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros.

Esdra Carolyne Primo Miranda

Advogada inscrita nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG), atuante na área cível. Bacharel em direito pela Universidade Estadual de Montes Claros-MG (Unimontes), com especialização em andamento em Direito Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O objetivo é analisar o conceito de adoção, a evolução histórica deste instituto, a atual situação da adoção no Brasil, os princípios que auxiliam no debate deste tema e a nova face do Direito Civil Brasileiro. Os resultados esclarecem que têm-se buscado posicionamentos favoráveis à adoção por casais homoafetivos levando-se em consideração o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da isonomia.

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