3 A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS EXTRALEGAIS NA PRÁTICA
Como exposto anteriormente a operação Lava Jato levou evidência ao instituto da colaboração premiada ao fazer uso frequente de acordos para desmantelar grandes grupos de organização criminosa.
Tal notoriedade trouxe também evidência aos benefícios constantes nos acordos entre colaborador e o Ministério Público que ultrapassaram os limites da Lei 12.580/13 e, a fim de lançar um olhar crítico sobre a flexibilidade da Lei faz-se adiante uma análise de colaborações premiadas firmadas por Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Pedro Barusco Fillho, acordos esses públicos e que contém benefícios sem base na Lei de Organização Criminosa.
Esclarece-se que a análise dos três casos se deu exclusivamente acerca dos benefícios extralegais concedidos, deixando, para os fins do artigo, de analisar aspectos gerais do acordo, como particularidades, benefícios concedidos que se adequam ao contido na Lei 12.580/13, justificativa de interesse público existente em cada acordo, dentre outros, focando, portanto, nos benefícios extralegais existentes em cada documento.
Muito embora tenham sido analisados criticamente três acordos premiados na operação lava-jato em que foram concedido benefícios extralegais ao colaborador, estes não são exceção à regra: Rosa (2018, p. 100) cita que a Revista Consultor Jurídico publicou em outubro de 2015 uma análise feita de vinte e três acordos de colaboração premiada homologadas na referida operação e foi constatado que todos os acordos continham cláusulas que violavam dispositivos da Constituição Federal, Código Penal, Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal, o que denota, na prática, que a concessão de benefícios extralegais se tornou regra e não exceção.
3.1 ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA DE PAULO ROBERTO COSTA
O acordo de colaboração premiada firmado entre Paulo Roberto Costa e o Ministério Público Federal se deu em 27 de agosto de 2014 tendo sido posteriormente homologado pelo STF.
O acordo utiliza como base legal o art. 129, I da CRFB, artigos 13 a 15 da Lei n. 9.807/99, artigo 1º, §5º da Lei n. 9.613/98, artigo 26 da Convenção de Palermo, artigo 37 da Convenção de Mérida e os artigos 4º a 8º da Lei 12.850/13.
Além de benefícios admitidos pela Lei 12.580/13, o acordo celebrado concede vários benefícios inexistentes na Lei, evidenciando o caráter negocial e de barganha existente no acordo firmado.
Verifica-se no acordo a inovação na fixação da pena e na forma como se dará seu cumprimento ao substituir, na cláusula 5ª, I e na cláusula 5ª, §1º a prisão cautelar por prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica apesar de não se enquadrar em nenhum dos incisos do artigo 318 do Código de Processo Penal, que estabelece as condições para substituição da prisão preventiva por domiciliar.
A Cláusula 5ª, I, b do o acordo fixa ainda o tempo máximo de cumprimento de pena privativa de liberdade em dois anos, independente da pena a ser reconhecida na sentença, a ser cumprida em regime semiaberto, sendo o restante da pena, qualquer que seja, cumprida no regime aberto, ignorando as regras constantes no artigo 33 o Código Penal que estabelece o regime inicial de cumprimento de pena.
Chama atenção a limitação da prisão cautelar prevista na cláusula 5ª, §6º que prevê que não será inferior a 15 dias e não superior a 30 dias, sendo que não há previsão legal para tal benefício.
Em resumo, o acordo de colaboração firmado por Paulo Roberto Costa demonstra a existência de benefícios materiais e processuais que vão além dos previstos em Lei.
3.2 ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA DE ALBERTO YOUSSEF
No acordo firmado em 24 de setembro de 2014 pelo Ministério Público e Alberto Youssef e homologado pelo Supremo Tribunal Federal traz outros incentivos não previstos na Lei 12.80/13, como o constante na Cláusula 5ª, III, IV que estabelece o cumprimento de pena privativa de liberdade, independente das penas definidas em sentença em no mínimo três e no máximo cinco anos a ser cumprida em regime fechado, com progressão per saltum para o regime aberto, mesmo que ausentes os requisitos para tanto.
A cláusula 7ª do acordo trata da renúncia, por parte do colaborador, de bens provenientes do crime, no entanto o §3º permite a utilização de dois veículos blindados, frutos de crimes, para a família do colaborador, como medida de segurança a perdurar enquanto o colaborador estiver preso em regime fechado.
Sem constar no acordo a informação acerca de imóveis existente em nome do colaborador são ou não frutos de crime, o acordo prevê a liberação de um dos imóveis em favor da ex-esposa e outro para as filhas do colaborador.
Nota-se que os benefícios concedidos no acordo ultrapassaram até mesmo os da esfera do colaborador, tendo sido permitindo até mesmo a utilização de bens produto de crimes aos familiares deste.
3.3 ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA DE PEDRO BARUSCO FILHO
Por fim, o acordo firmado com Pedro Barusco Filho dispõe que o colaborador cumprirá todas as penas privativas de liberdade pelo prazo de dois anos, independente da pena que venham a ser aplicada em sentença judicial, em regime aberto diferenciado, muito embora, conforme destaca Bottino (2016, p. 21)
Não existe, em nenhuma lei da República, previsão de “regime aberto diferenciado”, criado por meio desse acordo de colaboração premiada específico e que consistiria no: (a) recolhimento domiciliar noturno entre 20h e 6h; (b) comunicação de viagens internacionais para tratamento médico com uma semana de antecedência; e (c) entrega de relatórios bimestrais de suas atividades profissionais e viagens realizadas em território internacional.
Consta, ainda, o compromisso do Ministério Público Federal em requerer não sejam aplicadas penalidades ao colaborador ou suas empresas nas ações cíveis e de improbidade administrativa que por ventura forem ajuizadas (Bottino, 2016, p. 9)
Observa-se, portanto, que nos três casos brevemente analisados foram concedidos inúmeros benefícios não previstos na Lei 12.580, fruto da possibilidade de uma suposta livre negociação entre colaborador e Ministério Público.
3.4 CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS EXTRALEGAIS
É certo, portanto, que os acordos citados acima, firmados na operação Lava Jato, demonstra a existência de verdadeiros contratos firmados entre as partes e que são norteados pela Lei 12.580/13. Nota-se ainda que os benefícios concedidos aos colaboradores ultrapassam em muito os limites da Lei, quer seja estendendo os benefícios a familiares do colaborador, quer seja limitando a duração de prisão cautelar, ou, ainda, criando regimes diferenciados para o cumprimento da pena no regime aberto.
Bottino (2016, p. 9) critica tais concessões argumentando que a lei é taxativa e fruto de ponderação do legislador sobre quais benefícios devem ser concedidos para estimular o criminoso a colaborar e, da mesma forma, quais benefícios não devem ser concedidos.
Ainda, para o autor, a flexibilização nos benefícios “aumentam enormemente os riscos de que tais colaborações contenham elementos falsos (ou parcialmente verdadeiros)”.
No mesmo caminho é a manifestação do Ministro Edson Fachin, quando do julgamento da Questão de Ordem 7.074/DF em que afirmou que embora o acordo de colaboração premiada seja um negócio jurídico personalíssimo no campo do Direito Público, “a discricionariedade permitida para a celebração nunca é absoluta, pois balizada pela Constituição e pela legislação, sob pena de poder-se converter em arbitrariedade”.
O Ministro Gilmar Mendes, em seu voto na mesma Questão de Ordem expõe que um “sistema que oferece vantagens sem medida e propicia a corrupção dos imputados, incentivados a delatar não apenas a verdade, mas o que mas for solicitado pelos investigadores”.
Canotilho e Brandão (2016, p. 29), ao defenderem a taxatividade legal dos benefícios premiais criticam as vantagens penais e processuais indevidas como a redução de pena de multa, progressões de regime pactuada entre as partes bem como pactuação de acordos com cláusulas de que o cumprimento de pena privativa de liberdade com início a partir da assinatura do acordo, que sequer foi homologado, eis que entende fere o princípio da presunção de inocência e do devido processo legal.
Por outro lado, como já exposto, há os que defendam a possibilidade de concessão de benefícios extralegais desde que encontre subsídio legal capaz de embasar o benefício por analogia, mesmo que a lei seja de outra esfera do direito que não a penal.
Assim, em que pese não haja decisão específica acerca da im(possibilidade) de concessão de benefícios extralegais a colaboradores, a manifestação favorável à essa concessão pelo Ministro Luís Roberto Barroso (citada no capítulo 2.2) vem norteando muitos dos acordos com cláusulas extralegais de benefícios, dando-nos a percepção de que os entendimentos contrários serão superados.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A colaboração premiada surgiu como eficaz meio de combate ao crime organizado no país e é concebida como um dos principais instrumentos investigatórios na operação Lava-jato. Tal fato pode ser verificado pela quantidade expressiva de acordos de colaboração premiada firmados na operação: 184 acordos até o mês de julho de 2019.
Ainda que seja inegável o avanço trazido pela Lei 12.580/13, é também perceptível que a falta de instrumentalização dos acordos de colaboração premiada traz insegurança jurídica e demasiada margem discricionária a membros do Ministério Público e Polícia na elaboração de acordos que ferem os princípios da legalidade, da reserva legal e da separação dos poderes, mas cujos efeitos vem sendo homologados pelo Supremo Tribunal Federal.
Entende-se que essa flexibilização nos acordos, com a concessão de benefícios extralegais, incentivam colaborações com elementos fantasiosos, muitas vezes falsos bem como acabam por beneficiar o colaborador com possibilidades negociais melhores do que outros integrantes da organização criminosa, dando a sensação de impunidade.
O fato é que a ausência de rigidez ou mesmo de um entendimento jurisprudencial sedimentado acerca da taxatividade da lei ou da possiblidade de concessão de benefícios extralegais é maléfica ao instituto da colaboração Premiada uma vez que pode estimular as partes a desenvolver durante as negociações técnicas que se distanciam em muito dos ideais pela busca por justiça, vez que para obter ainda mais vantagens o colaborador, muitas vezes, está disposto a quase tudo, inclusive distorcer a realidade dos fatos ou mesmo mentir deliberadamente, sabendo que muitas vezes, dada a situação que se encontra, tais condutas valem o risco.
Inobstante tal sentimento, a orientação doutrinária e jurisprudencial dominante prega que, que dado o caráter negocial da colaboração premiada, o rol de benefícios a serem concedidos nos acordos não é taxativo: o entendimento predominante da doutrina e da corte Suprema é de que se pode extrapolar o contido na lei desde que não ultrapassem os limites da Constituição da República e que deverão ser considerados válidos os acordos em que os benefícios propostos sejam mais benéficos aos colaboradores do que aqueles previstos na Lei 12.580/13, tudo para que o acordo seja amoldado ao caso concreto.
Entende-se necessário, a fim de evitar insegurança jurídica e debates sobre afronta de princípios constitucionais acerca do instituto, maior solidez acerca do procedimento a ser adotado nos acordos de colaboração premiada bem como que se determinem os limites da negociação entre colaborador e Ministério Público ou Polícia.