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A pandemia do coronavírus e seus reflexos nas relações de trabalho.

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13 - DURANTE A PANDEMIA, CASO MEUS FUNCIONÁRIOS FIQUEM EM CASA, PRECISO CONTINUAR PAGANDO A INSALUBRIDADE OU PERICULOSIDADE?

João Roberto Monteiro: A priori, entende esse operador do direito que, uma vez cessado o contato do trabalhador com o ambiente insalubre e/ou perigoso, não há que se falar em afronta ao artigo 468 da CLT, pois não se trata aqui de alteração prejudicial ao obreiro.

 O foco a ser analisado tem que se dar pelo prisma de que o empregador não pode ser responsabilizado quanto à higiene e segurança do trabalho, pelo menos em tese, pois não terá como fiscalizar o ambiente de trabalho do obreiro e a forma como o mesmo desempenha seu labor, assim como o empregador não pode ser ver obrigado ao pagamento de vale transporte, já que não mais utiliza transporte para chegar ao trabalho, tratando-se de salário condição.

De forma diversa ocorre com a obrigatoriedade ao pagamento de plano de saúde, vale alimentação, ticket refeição, essas rubricas pagas por mera liberalidade pelo empregador ao trabalhador devem permanecer sob risco de afrontar o artigo 468 da CLT.

Conforme instrução normativa nº 28 de 25/03/2020 pelo Ministério da Economia, após o surgimento da pandemia do Coronavírus, estão suspensos para os servidores federais em teletrabalho, os adicionais de periculosidade e insalubridade, assim, por analogia, podemos e devemos aplicar aos trabalhadores em geral as mesmas regras daqueles, ou seja, como não há no home office contato com agentes insalubres ou perigosos, não justifica a manutenção do pagamento desses adicionais, a não ser que haja previsão em norma coletiva ou acordo individual escrito que tais adicionais devam ser mantidos mesmo em caso de teletrabalho.


14 - E EU FIZER UM ACORDO ESCRITO COM MEU FUNCIONÁRIO, MAS O SINDICATO FIZER ACORDO COLETIVO PREVENDO SITUAÇÃO MAIS VANTAJOSA PARA O EMPREGADO, O ACORDO ESCRITO QUE FIZEMOS ANTES PERDE A VALIDADE?

João Roberto M. Costa: Aqui existe um conflito aparente de normas e há de ser empregada ponderação de princípios para respondermos a essa questão. Explico: O artigo 2º da MP 927/20 é cristalino ao afirmar que o acordo individual entre patrão e empregado prevalecerá, nesse primeiro momento e em caráter excepcional pelo qual estamos vivendo, sobre as Leis em sentido “lato sensu” e normas coletivas, com o intuito da preservação ao emprego, desde que não entre em rota de colisão com a Constituição Federal.

Já o artigo 611- A da CLT, trazido ao nosso ordenamento jurídico pela Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), versa por sua vez que os instrumentos coletivos terão prevalência sobre a Lei. Como estamos diante de duas normas com mesmo status hierárquico, já que a Medida Provisória tem força de Lei ordinária, a hermenêutica clássica prega que a Lei posterior revoga a Lei anterior que versem sobre a mesma matéria, exatamente o que ocorre no caso em análise.

Neste diapasão, e conforme traçamos no primeiro parágrafo, há de ser empregado no caso concreto a ponderação dos princípios, devendo prevalecer, pelo menos por hora, a autonomia da vontade das partes que ensejaram o acordo escrito entre empregador e empregado, com o objetivo da manutenção do emprego frente o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, devendo este último ser mitigado em face do período já que estamos ultrapassando conforme já frisado acima, regime esse de exceção justificado pelo fenômeno da força maior, por conta do surgimento imprevisível da pandemia do Coronavírus, inteligência extraída do artigo 501 da CLT, nos levando a conclusão de que sim, o acordo individual entre patrão e empregado prevalecerá sobre a convenção coletiva ou acordo coletivo, mesmo que esses últimos sejam mais benéficos ao obreiro.


15 - NESTE PERÍODO DE PANDEMIA POSSO DEMITIR UM EMPREGADO ESTÁVEL NO EMPREGO?

João L. C. Barbuto: No caso de extinção do estabelecimento decorrente do estado de força maior, ou seja, queda no faturamento e inviabilidade de continuidade em razão por reflexos da pandemia, fica autorizada a dispensa do empregado estável nos termos do artigo 492 da CLT.

Para fins de indenização, aplica-se a regra contida no artigo 502, I da CLT, sendo devidas apenas as verbas rescisórias da dispensa comum. Neste caso, o empregado estável não fará jus ao aviso prévio e às verbas do período da estabilidade, nem é devida multa do FGTS.

Se a extinção decorrer de ordem da administração pública (factum principis), poderá o empregador dispensar empregado estável mediante pagamento das verbas rescisórias e ficando ao encargo da administração pública o pagamento da multa do FGTS, conforme dispõe o artigo 486 da CLT.

Cabe por fim destacar que se tornam estáveis os empregados que a partir de 01/04/2020 perceberem o Benefício Emergencial previsto na MP. 936/20, por período correspondente ao dobro do estipulado no acordo. Em caso de dispensa durante a estabilidade, a MP. 936/20 estipula que além das resilitórias, o empregador deverá pagar indenização calculada através de percentual sobre o salário a que o empregado teria direito durante a estabilidade.

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Para alguns doutrinadores, trata-se de estabilidade menos vantajosa que a tradicional, haja vista que não garante todas as verbas contratuais durante o período da estabilidade (salários, FGTS, etc).

Discordo em parte, pois durante o estado de força maior, em caso de dispensa decorrente de extinção da empresa, fazendo uso da regra do artigo 502,1, como já dito, tais verbas igualmente não seriam devidas. Caso contrário, não havendo extinção do estabelecimento, verdade que a estabilidade da MP 936/20 é deveras menos garantidora que a tradicional.

Max F. de Mendonça diverge em relação a estabilidade da gestante, e ressalta que o atual posicionamento do C. TST (vide julgado TST-RR-847-78.2016.5.08.0006) é no sentido de que, ainda que ocorra o encerramento das atividades da empresa, tal circunstância não pode ser utilizada como obstáculo a não concessão da estabilidade a que tem direito a gestante, pois, segundo o tribunal, tal garantia visa proteger o nascituro e os riscos da atividade econômica devem ser suportados pelo próprio empregador.


16 - TENHO EMPREGADOS EM CONTRATO COM PRAZO DETERMINADO E TIVE DE DEIXÁ-LOS EM CASA DURANTE A QUARENTENA. O QUE FAZER NESTE CASO? 

Max F. de Mendonça: Via de regra, caso não haja qualquer ajuste em sentido contrário, na forma do art. 3º da lei 13.979/2020, o contrato de trabalho mantido entre as partes estará interrompido durante o período que perdurar a pandemia e o necessário afastamento social, de modo que os empregados receberão seus salários normalmente, mesmo estando em casa.

Neste caso, transcorrido o prazo inicialmente estabelecido, o contrato será rompido, iniciando-se o prazo para o pagamento das verbas rescisórias.

Entretanto, é importante se notar que a Medida Provisória, visando sempre o enfrentamento do estado de calamidade pública e, ainda, com o objetivo de se preservar o emprego e a renda, previu em seu artigo segundo que empregado e o empregador poderão celebrar acordo individual escrito, a fim de garantir a permanência do vínculo empregatício, que terá preponderância sobre a lei e demais instrumentos normativos, devendo sempre serem respeitados os limites estabelecidos na Constituição.

Assim, nos parece razoável que as partes, em contrato de trabalho por prazo determinado, possam perfeitamente ajustar, através de aditivo contratual, a suspensão do contrato, de modo que tal período de enfrentamento da pandemia não seja computado para o fim do prazo previamente determinado e não ocorra o pagamento de salários neste período.

Não obstante, caso o contrato de trabalho seja rompido imediatamente em razão da pandemia, será devido ao empregado indenização correspondente a um quarto da remuneração a que teria direito até o termo do contrato.


17 -  POSSO CONTRATAR EMPREGADO APÓS A EDIÇÃO DA MP. 936/20 E UTILIZAR AS REGRAS DESSA MEDIDA NOS NOVOS CONTRATOS DE TRABALHO?

Max F. de Mendonça: O art. 2º da CLT prevê os objetivos da norma que devem ser analisados de forma cumulativa, conforme a seguir exposto: preservar o emprego e a renda; garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais; e reduzir o impacto social decorrente das consequências do estado de calamidade pública e de emergência de saúde pública.

Nota-se que a Medida Provisória foi criada com o objetivo de preservar os empregos e a renda já existentes, de modo que não parece razoável que um empregado já seja contratado e, no mesmo dia, acorde com o empregador a suspensão contratual ou até mesmo a redução de sua jornada proporcionalmente ao salário.

Tal previsão visaria apenas a habilitação do empregado no programa criado pelo governo, de modo que traria custos ao erário público sem qualquer contrapartida ou atendimento aos fins para os quais a MP 936/20 se destina. Tal conduta fugiria completamente ao espírito da norma criada em situação excepcionalíssima.

Lado outro, poderia o empregador, desde logo, contratar o novo empregado através da utilização de contrato de trabalho em regime de tempo parcial ou até mesmo mediante a utilização de contrato de trabalho intermitente, ajustando as suas necessidades ao novo cenário de calamidade.

João Roberto M. Costa entende no mesmo sentido e acrescenta que a MP 936/20 tem como escopo a preservação dos atuais postos de trabalho, e que nosso ordenamento jurídico prevê modalidades de contratação mais adequadas para a hipótese em análise.


18 -  MEUS EMPREGADOS ESTÃO DE FÉRIAS. POSSO CANCELAR AS FÉRIAS E APLICAR IMEDIATAMENTE AS REGRAS DA MP 936/20?

João L. C. Barbuto: O inciso XVII do artigo 7º da Constituição Federal prevê como direito social do trabalhador o gozo de férias anuais remuneradas, assim como o artigo 129 da CLT garante que todo empregado terá direito anualmente ao gozo de um período de férias.

O direito as férias é norma de natureza cogente e possui fundamento na necessidade do trabalhador de desconectar-se do labor para reorganizar sua saúde física e mental, dedicando-se nesse período a recuperação de valores sociais e humanos eventualmente colocados em segundo plano durante o cotidiano laboral.

Permitir que eventual acordo entre empregado e empregador, ainda que com crivo sindical, determine o cancelamento das férias em gozo para implementar a suspensão do contrato de trabalho ou redução de salário/jornada representa o esvaziamento do próprio instituto de férias, que tem status de direito fundamental do trabalhador.

Frise-se que o direito ao gozo de férias é irrenunciável, pois o descanso é medida necessária à preservação da saúde do trabalhador, alçado à esfera Constitucional (art. 7º, XVII). 

Por tais razões, não é possível o cancelamento de férias durante o gozo, ainda que a pedido do próprio empregado. 


19 - SOBRE REDUÇÃO DE SALÁRIOS E SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO: POSSO USAR PARA OS MESMOS EMPREGADOS OS DOIS MECANISMOS? POSSO SUSPENDER O CONTRATO DE TRABALHO DURANTE O PERÍODO DE REDUÇÃO SALARIAL, OU VICE VERSA?

João Roberto M. Costa: Com relação à possibilidade de utilização dos dois mecanismos para o mesmo empregado, entendo ser plenamente possível, uma vez que o artigo 16 da MP 936 traz em seu bojo a faculdade de uso sucessivo das duas modalidades, respeitado o limite total de 90 dias.

Sobre a possibilidade de suspender o contrato de trabalho durante o período de redução salarial, ou vice versa, entendo que não.

Caso o empregador decida pela suspensão do contrato de trabalho enquanto não cessado o período de redução salarial ou vice versa, obrigatoriamente terá que aguardar um dos dois benefícios findarem-se, para que, obedecendo o prazo de 48 horas desse término, em conjunto com o empregado, realizarem acordo escrito prevendo a mudança do regime adotado, deixando claro que tal cumulação não poderá exceder 90 dias.

 Nesta esteira, como o período máximo de suspensão do contrato são 60 dias e o da redução salarial acompanhado da redução de jornada são 90 dias, não pode o empregador somar os dois períodos totalizando 5 meses, mas apenas adotar, por exemplo, 60 dias de suspensão do contrato e 30 dias de redução.

Há que se observar que tanto a redução do salário quanto a redução da jornada tem que ser acompanhada dos respectivos percentuais, ou seja, se o empregador em conjunto com o empregado via acordo individual escrito decidirem reduzir a jornada em 50%, obrigatoriamente a redução salarial será na ordem de 50%, o mesmo ocorrendo com os percentuais de 25% e 70%. 

Sobre os autores
Joao Luiz Costa Barbuto

Advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho, graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós graduando pela EJUTRA.

João Roberto Monteiro

advogado da Pellon Advocacia empresarial.

Max Ferreira de Mendonça

Advogado do M. Mendonça advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBUTO, Joao Luiz Costa; MONTEIRO, João Roberto et al. A pandemia do coronavírus e seus reflexos nas relações de trabalho.: As 24 perguntas mais frequentes sobre o assunto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6131, 14 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80907. Acesso em: 2 nov. 2024.

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