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O tabagismo e direito de vizinhança

Agenda 15/05/2020 às 14:50

Uma visão imparcial da disputa entre vizinhos fumantes e não-fumantes e o contraponto entre o direito de propriedade e o direito de vizinhança.

Vencida a fase do registro no livro de ocorrências, do diálogo, da mediação e da composição, vem a lide.

Síndicos e administradores de imóveis sofrem rotineiramente com essa querela.

Quem nunca foi incomodado por algum vizinho?

É bastante comum que a relação entre pessoas que moram em propriedades próximas (não necessariamente contíguas) passe por momentos conflitantes. Isso porque, muitas vezes, a satisfação do direito de um morador pode provocar restrições e até mesmo violação dos direitos do seu vizinho.

Quem tem razão? Qual direito deve prevalecer?

Não há dúvida de que é terminantemente proibido fumar nas áreas comuns do condomínio, em decorrência da Lei nº 9.294/1996 que traz a seguinte previsão:

“Art. 2º - É proibido o uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público.”

“§ 3º - Considera-se recinto coletivo o local fechado, de acesso público, destinado a permanente utilização simultânea por várias pessoas.”

As sanções previstas nessa lei não são voltadas a pessoas naturais, mas, em caso de descumprimento, o síndico deverá aplicar a medida prevista no regimento ou na convenção (ou em ambos), conforme o caso.

No Rio de Janeiro existe a Lei nº 5517/09, a exemplo de outras legislações regionais e locais.

Uma opção extrema pode chegar à aplicação do art. 1337, parágrafo único, do C.C., o qual conceitua o morador que, por seu reiterado comportamento, gerar incompatibilidade de convivência com os demais moradores, poderá ser declarado como antissocial. Ressalta-se que será necessário demonstrar que ele não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o condomínio (art. 1.336, IV, do CC), por deliberação de três quartos dos condôminos restantes.

No entanto, o que fazer com as pessoas que, mesmo utilizando cinzeiros no interior de sua unidade, possuem o hábito de lançar a fumaça pela janela ou sacada e o cheiro incomoda terceiros?

Note-se que a propriedade é o mais importante e complexo direito real (sobre a coisa), por ser o único direito real sobre a coisa própria.

Talvez por isso, nosso ordenamento proteja a propriedade em nível constitucional (Artigo 5º, XXII e 170, II da CF/88).

Há quem entenda que esse direito seja absoluto (no que concordo), mas destaco que essa característica não é mais plena, pois o direito moderno tanto exige que a coisa cumpra uma função social, quanto o uso racional (Art. 5º, XXIII da CF/88 c/c, § 1º[1] do Artigo 1228[2] do Código Civil).

Importante é ressaltar que o uso da propriedade, ainda que dentro dos limites da lei, pode ensejar um ato ilícito.

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Mas, identificar se o ato praticado pelo vizinho decorre de exercício regular de direito ou é abuso de direito é árduo e de difícil caracterização.Isso em virtude de o inc. I do art. 1.335 do Código Civil garantir que são direitos do condômino, usar, fruir e livremente dispor das suas unidades.

Nestes casos, não há como proibir o morador de fumar em seu apartamento, pois a área é privativa, portanto, de propriedade exclusiva da pessoa.

Contudo, o Código Civil, em seu art. 1.336, IV, expressamente prevê que são deveres do condômino: dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes.

Então, judiciar a questão deve ser ponderado tecnicamente e ser utilizado somente caso a situação se torne realmente extrema, pois como qualquer demanda contenciosa, enfrentará um processo com produção de provas, além de outros procedimentos e circunstâncias que tornam imprevisível o resultado do pleito.

Feita essa observação, para conter o mau uso, os vizinhos encontram algumas alternativas técnicas, basicamente: notificação extrajudicial, ação cominatória, ação de dano infecto e ação reparatória (as mais corriqueiras).

Constituem mal uso da propriedade e justificam a ação de dano infecto, com fundamento material nos artigos 1.277 a 1.281 do Código Civil, as situações presentes nas quais o dano ainda esteja ocorrendo, ou seja, nas situações presentes e dotadas de continuidade.

A dicção do art. 1.277 do referido Código garante ao proprietário ou o possuidor de um prédio o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

Se o dano já se consumou não haverá alternativa senão uma ação de reparação por responsabilidade civil, com supedâneo no artigo 186 do Código Civil.

Pela sutileza na caracterização da infração à lei, cabe uma análise acurada e profunda da situação fática, da disposição condominial, da legislação aplicável, da jurisprudência e do impacto nas relações de convivência e harmonia social.


Notas

[1] Art. 1.228 do CC, § 1º - O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

[2] Art. 1.228, caput: O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

Sobre o autor
Rafael Joubert de Carvalho

Advogado, MBA em Gestão Empresarial, Síndico profissional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Rafael Joubert. O tabagismo e direito de vizinhança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6162, 15 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/81712. Acesso em: 22 dez. 2024.

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