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O mau exemplo do Inquérito n.º 4.781/STF ("Inquérito das Fake News") para a magistratura brasileira, ameaça velada à democracia.

Agenda 22/06/2020 às 18:00

As controvérsias e polêmicas do notório e juridicamente inédito, "Inquérito das Fake News", a maior flexão de hermenêutica jurídica da história do direito brasileiro.

É cediço o conhecimento acerca do recente e juridicamente inovador Inquérito n.º 4781-STF, o chamado "inquérito das fake news", cujo objeto conforme despacho de 19 de março de 2019, é a investigação de notícias fraudulentas (fake news), falsas comunicações de crimes, denunciações caluniosas, ameaças e demais infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros; bem como de seus familiares, quando houver relação com a dignidade dos Ministros.

Muito bem, dita o artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF):

Art. 43. Ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro Ministro.
§ 1º Nos demais casos, o Presidente poderá proceder na forma deste artigo ou requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente.
§ 2º O Ministro incumbido do inquérito designará escrivão dentre os servidores do Tribunal.

Longe de mim, um réles advogado me parear ao elevado patamar e saber jurídico de um Ministro da Suprema Corte Brasileira, mas não poderia me furtar a expressar opinião pessoal como cidadão de razoável conhecimento jurídico calcado ao longo de anos de estudo e trabalho, inclusive, com o privilégio de acesso a aulas de graduação e pós-graduação ministradas por honoráveis magistrados, promotores, advogados e desembargadores do meu Estado, de largo e notório conhecimento jurídico; não fazê-lo, seria desprestigiar suas sapiências e dedidação docente de vários anos.

É patente pela análise dos trechos acima grifados, que o Exmo. Sr. Ministro Dias Tóffoli - Presidente do STF e o Exmo. Sr. Min. Relator Alexandre de Moraes, via do malogrado inquérito, extrapolaram os limites da legislação e do próprio regimento da Excelsa Corte de Justiça.

Claramente, o artigo 43 do RISTF em seu caput, tem aplicação contida para tal protagonismo na esfera de competência às dependências do próprio Supremo Tribunal Federal - e apenas isso. Os eventuais crimes de calúnia, difamação, injúria e ameaças, eventualmente perpetradas por autoridades, blogueiros, jornalistas e até mesmo, criminosos virtuais, não são, em tese, alcançados pelo referido dispositivo, não obstante o alcance da jurisdição nacional do STF (artigo 92§ 2º da CF/88).

Nessa linha, sinalo que cabe se muito, a aplicação da segunda parte do § 1º do citado dispositivo, ou seja, encaminhamento dos fatos por expediente formal do STF às autoridades competentes: o Ministério Público, juntamente com a Polícia Civil e/ou Polícia Federal com atribuição de investigação criminal regional correspondente sobre o (a) autor (a) da fake news ou expressões caluniosas, difamatórias ou injuriosas e ameaças. Discernir deste padrão constitucional, é, em tese, incorrer em abuso de autoridade.

Todavia, ao meu sentir, a interpretação equivocada e passional por parte dos ministros Dias Tóffoli e Alexandre de Moraes, extrapola e fere de morte, letras primárias da Carta Magna e da própria Lei Complementar n.º 35/79 (Lei Orgânica da Magistratura), as quais pregam respectivamente, o princípio da inércia do juiz. Visando ainda melhor ilustrar, cito o artigo 3º-A do Código de Processo Penal, recentemente alterado pela Lei n.º 13.964/2019, fruto do esforço do ex-Ministro da Justiça Sérgio Moro perante o Congresso Nacional; o qual transcrevo, in verbis:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

Como se pode perceber, a postura engendrada pelos citados ministros da Suprema Corte brasileira vai em corrente contrária ao que prega o ordenamento jurídico brasileiro, seja de forma explícita ou implícita. E isso representa um precedente perigoso para o ambiente jurídico nacional, pois inspirados por tal situação, muitos magistrados no Brasil, em tese, poderão perseguir e prejudicar de forma temerária, desafetos pessoais que os critiquem publicamente, ou se expressem convictos como inclusos nos ditames do artigo , incisos IV e IX, e artigo 220, todos da CF/88:

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(...) IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Não se trata aqui de defender as manifestações ilegais, nem tampouco, incentivar os crimes contra a honra e imagem das autoridades constituídas, realmente, não se pode confundir comunicações de cunho social, com expressões públicas de preconceitos, ofensas chulas, ameaças de morte, lesão corporal, e posições político partidárias antagônicas às das autoridades constituídas, dentre elas, os ministros do STF.

Deve a crítica, salvo exceções legais, ser respeitosa, urbana e civilizada. Criticar não é ofender, se ofender, pode-se incorrer em crime, e crime tem que ser punido doa a quem doer.

A crítica ao Inquérito n.º 4.781-STF parte do fato que os ilustres ministros com o seu poder e influência, seguindo os trâmites e normas legais, poderiam perfeitamente encaminhar suas denúncias e queixas às autoridades competentes para apuração e punição dos responsáveis como quase garantia de efetivas punições, dada as suas privilegiadas posições no Poder Judiciário, mas não é o que vemos, não é?

Desta forma, assumiram sem previsão legal, o protagonismo monocrático de severas diligências e prévias punições aos acusados para em tese, transpassar o recado equivocado e temerário que são "cidadãos acima dos outros", e que supostamente não se submetem ao arbítrio da lei — são ofendidos, acusam, julgam e condenam monocraticamente, só depois, firmam de forma midiática, manifesto de "participação plena do MP" nas apurações.

Isso é triste e preocupante, pois pode ocasionar o assassinato de reputações e comprometer a vida de milhões de pessoas e suas famílias, pelo simples fato de ojerizarem decisões judiciais proferidas pelo STF ou mesmo, manifestações de seus membros, que também têm direito à expressão não deve conduzir à violação da Carta Magna em si. É claro que tal inquérito não é unanimidade no STF, de modo que não se pode julgar todos pela falta de um, pois de fato há honrosa oposição ao citado inquérito por parte do Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio de Melo, aqui, digna de todos os elogios pela sapiência, coragem e serenidade jurídica na análise do caso pelo plenário.

Entretanto, ainda assim, aparenta-se haver falta de humildade, megalomania autoritária e sede infinita de poder, o Brasil não merece isso, seja do Judiciário, do Legislativo ou do Executivo. Decerto, ninguém gosta de ser diariamente sovado por ofensas e ameaças pessoais a si e sua família, tampouco, sofrer atos midiáticos ofensivos e criminosos na frente de suas residências ou quando em trânsito, sendo exposto a perigo iminente.

Todavia, resposta a tais atos deve AINDA, ser tolhida e regrada nos limites e previsão da LEI, não na sua ambígua e obscura interpretação para transpassar a pseudo idéia de retaliação. Não vivemos mais sob a Lei de Talião, o "olho por olho, dente por dente", não é civilizado, e não guarda nenhuma compatibilidade com o Estado Democrático de Direito.

Todos os ministros componentes do STF que lá se encontram, seguiram os ritos legais e regulares para tal nobre ascensão, não se pode afirmar que qualquer um deles, violou a lei, ou lá se encontra de forma ilegal, apenas por isso, são justos depositários do respeito e reverência pelo importante papel que desempenham.

Entretanto, não pode o cidadão comum, aquele que paga impostos e sustenta os poderes constituídos, se contentar passivamente com eventuais decisões arbitrárias e lesivas ao seu meio de vida e garantias fundamentais garantidas em lei.

Antes da instauração do "inquérito das fake news", seria salutar que os ilustres ministros do STF fizessem uma autocrítica e reflexão de humildade, se acaso desempenham seu nobre mister com coesão e pautados nos limites da Constituição Federal e interesses erga omnes da população brasileira. Eu humildemente entendo que não, e isso já há alguns anos em razão de dezenas de decisões polêmicas e da revisão de outras ao vento do momento político do país; mas se trata da minha opinião.

Entretanto, nem por isso, eu vou publicar e difundir injúrias, calúnias, ameaças e difamações em redes sociais e outros meios públicos contra qualquer Ministro do STF, há de se respeitar a liturgia.

“A justiça é a vingança do homem em sociedade, como a vingança é a justiça do homem em estado selvagem.” (Epicuro).
Sobre o autor
Rodrigo Reis Ribeiro

Advogado, sócio-gerente da firma de advocacia Costa e Reis Advogados e Associados com sede em Porto Velho-RO, professor, empresário, escritor.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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