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O instituto da limitação administrativa na perspectiva da responsabilidade civil estatal

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Agenda 18/07/2020 às 11:00

VI – CONCLUSÃO

A essência do Poder Público é atuar para atender o interesse público, expressão esta que traduz um conceito jurídico indeterminado ou aberto e, portanto, a sua concretização depende da intermediação legislativa para estabelecer qual ou quais serão os conteúdos do interesse público que deverão ser atendidos pelo Poder Público, já antecipando que tal definição é cambiável no tempo e no espaço. 

Diversos são as prerrogativas e os instrumentos construídos para fins de atender o interesse público, a exemplo das modalidades de intervenção do estado na propriedade, destacando, no presente ensaio, a limitação administrativa como ato geral e abstrato, que condiciona o uso e gozo da propriedade e o exercício da atividade privada, o que acaba por refletir na liberdade.

Não existindo uma normatização específica com relação à limitação administrativa, o seu conteúdo e os seus contornos vêm sendo construídos pela doutrina e pela jurisprudência, a exemplo do dever de indenizar. Isto porque se antes o entendimento era pela não indenização, de uns tempos para cá, doutrina e jurisprudência reconhecem a excepcionalidade da indenização em decorrência da limitação administrativa, quando esvaziado o conteúdo econômico da propriedade e/ou atividade privada.

A proposta trabalhada nesse ensaio foi no sentido de que a indenização pleiteada quanto aos prejuízos advindos da instituição da limitação administrava encontra fundamento na responsabilidade civil estatal, registrando que referida indenização não decorre, propriamente, do exercício da função administrativa, mas da própria função legislativa, na qual a responsabilidade civil estatal é encarada como excepcionalidade, enumerando, a doutrina, as situações. Nesse caso, passíveis de ensejar indenização: a) lei declarada inconstitucional; b) lei de efeitos concretos; e c) omissão legislativa.

A limitação administrativa, em que pese decorrer do exercício da função legislativa, não se enquadra nas hipóteses excepcionais, acima listadas, a uma, porque a partir da edição da lei instituidora da limitação não há que se falar em omissão legislativa; a duas, porque referida lei instituidora pode ser constitucional e, mesmo assim, ocasionar danos quando da análise de sua aplicação à realidade concreta; a três, porque referida lei não deixa de ter as características da abstração e da generalidade, mas gera uma restrição desproporcional a sujeitos e/ou objetos determináveis, diferente da lei de efeitos concretos que já nasce direcionada para sujeitos e/ou objetos determinados.

O dever de reparar prejuízos provenientes de limitação administrativa tem fundamento na responsabilidade civil estatal quando do exercício da função legislativa, porém com conteúdo próprio, não se confundindo com outras hipóteses excepcionais já reconhecidas na doutrina e na jurisprudência, distinguindo-se, ainda, a limitação administrativa da desapropriação indireta, visto que esta exige o apossamento físico da propriedade pelo Poder Público.

 Sem a pretensão de esgotar o tema, a proposta foi instigar a reflexão para a necessidade do estudo sistêmico dos institutos do direito administrativo, uma vez que a intervenção do estado na propriedade e a responsabilidade civil do estado são estudadas de forma apartada, em capítulos próprios dessa disciplina.

Os fundamentos aplicáveis à limitação administrativa e o dever de indenizar, nos casos que envolvam o esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade e/ou da atividade privada, já estão desenvolvidos na responsabilidade civil do estado no que concerne ao exercício da função legislativa, cuja regra é a ausência de dano indenizável. No entanto, a doutrina e a jurisprudência reconhecem, excepcionalmente, a viabilidade de indenização nos casos de leis inconstitucionais, leis de efeitos concretos e omissões legislativas.

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O pleito indenizatório com base na instituição de limitação administrativa não se confunde com as exceções, acima listadas, tendo formato próprio, a exigir a presença de lei constitucional, geral e abstrata, que acarrete em uma realidade concreta um ônus desproporcional, a partir da verificação de um dano anormal, específico e passível de quantificação econômica.


VII – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2007.

CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Parte Geral, Intervenção do Estado na Propriedade e Estrutura da Administração. Ed. Salvador: Juspodvim. 2008.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª Ed. São Paulo: Atlas. 2019.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2016.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo moderno. 21ª Ed. Belo Horizonte: Fórum. 2018.

MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2016.

MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2000

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª Ed. Malheiros: São Paulo. 2003.

MOREIRA, João Batista Gomes. Direito Administrativo: Da Rigidez Autoritária à Flexibilidade Democrática. Belo Horizonte: Fórum. 2016.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Saraiva. 2009.


Notas

[1] ADMINISTRATIVO. PODER DE POLÍCIA. TRÂNSITO. SANÇÃO PECUNIÁRIA APLICADA POR SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. IMPOSSIBILIDADE. 1. Antes de adentrar o mérito da controvérsia, convém afastar a preliminar de conhecimento levantada pela parte recorrida. Embora o fundamento da origem tenha sido a lei local, não há dúvidas que a tese sustentada pelo recorrente em sede de especial (delegação de poder de polícia) é retirada, quando o assunto é trânsito, dos dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro arrolados pelo recorrente (arts. 21 e 24), na medida em que estes artigos tratam da competência dos órgãos de trânsito. O enfrentamento da tese pela instância ordinária também tem por conseqüência o cumprimento do requisito do prequestionamento. 2. No que tange ao mérito, convém assinalar que, em sentido amplo, poder de polícia pode ser conceituado como o dever estatal de limitar-se o exercício da propriedade e da liberdade em favor do interesse público. A controvérsia em debate é a possibilidade de exercício do poder de polícia por particulares (no caso, aplicação de multas de trânsito por sociedade de economia mista). 3. As atividades que envolvem a consecução do poder de polícia podem ser sumariamente divididas em quatro grupo, a saber: (i) legislação, (ii) consentimento, (iii) fiscalização e (iv) sanção. 4. No âmbito da limitação do exercício da propriedade e da liberdade no trânsito, esses grupos ficam bem definidos: o CTB estabelece normas genéricas e abstratas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (legislação); a emissão da carteira corporifica a vontade o Poder Público (consentimento); a Administração instala equipamentos eletrônicos para verificar se há respeito à velocidade estabelecida em lei (fiscalização); e também a Administração sanciona aquele que não guarda observância ao CTB (sanção). 5. Somente os atos relativos ao consentimento e à fiscalização são delegáveis, pois aqueles referentes à legislação e à sanção derivam do poder de coerção do Poder Público. 6. No que tange aos atos de sanção, o bom desenvolvimento por particulares estaria, inclusive, comprometido pela busca do lucro - aplicação de multas para aumentar a arrecadação. 7. Recurso especial provido. (REsp 17.534/MG, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2009, DJe 10/12/2009)

[2] Oportuno indicar entendimento diferente do aqui defendido, a exemplo, de ALEXANDRE MAZZA, que após indicar a confusão da expressão poder de polícia com os órgãos de segurança explica que “...recentemente alguns administrativistas passaram a substituir a designação clássica “poder de polícia” pela locução limitação administrativa, terminologia tecnicamente mais apropriada para as atividades estatais abrangidas pelo poder de polícia”. In Manual de Direito Administrativo. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2016. P 356.

[3] O Município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e Estado no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art. 24, VI, c/c 30, I e II, da CRFB) (STF – RE 586.224, Rel. Min. Luiz Fux, DJE 08/05/2015, tema 145)

[4] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 486.

[5] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 15ª Ed. Rio de Janeiro: Saraiva. 2009. p.419

[6] CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. Parte Geral, Intervenção do Estado na Propriedade e Estrutura da Administração. Ed. Salvador: Juspodvim. 2008. p. 961.

[7] Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.

[8] A limitação administrativa não atinge atividades de natureza pública conforme uma das características da Federação, qual seja, a repartição de competências, a significar que um ente político não poderá condicionar/restringir a atuação de outro ente político nas atividades de natureza pública que lhe foram atribuídas a partir da própria Constituição Federal. Como exemplo, a lei municipal que vede a construção acima de determinada altura atinge a propriedade de bens públicos ou privados que estejam em seu campo de abrangência. Lado outro, não poderia a lei estadual condicionar a prestação de serviços de transporte urbanos visto ser da competência do Município regulamentar e prestar esse serviço.

[9] Conforme consignado, a jurisprudência pacífica da CORTE é no sentido de que lei municipal que fixa distância mínima para as instalações de novos postos de combustíveis, por motivo de segurança, não ofende os princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência (RE 199101, Relator Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, DJ 30/9/2005; RE 204.187, Relatora Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJ 2/4/2004). Por esse motivo, não há estrita aderência entre o ato impugnado e a SV 49. (STF - Rcl 30.986 AgR, voto do rel. min. Alexandre de Moraes, 1ª T, j. 21-9-2018, DJE 205 de 27-9-2018)

[10] GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 13ª Ed. São Paulo: Saraiva. 2008. p. 797.

[11] Op. Cit. p. 419.

[12] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 19ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2003. p. 708/709.

[13] ALEXANDRINO, Marcelo e PAULO, Vicente. Direito Administrativo Descomplicado. 14ª Ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2007. p. 628.

[14] Art. 37... § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

[15] Op. Cit. 2008, p. 1035.

[16] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 33ª Ed. São Paulo: Atlas. 2019. p. 929/934.

[17] É indevido o direito à indenização se o imóvel for adquirido após o implemento da limitação administrativa, porque se supõe que as restrições de uso e gozo da propriedade já foram consideradas na fixação do preço. (STJ - REsp 920.170/PR, Min. Rel. Mauro Campbell Marques, DJe 18/08/2011)

[18] Direito de construir. Limitação administrativa. O direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade: CF, art. 5º, XXII e XXIII. Inocorrência de direito adquirido: no caso, quando foi requerido o alvará de construção, já existia a lei que impedia o tipo de imóvel no local. Inocorrência de ofensa aos §1º e §2º do art. 182, CF. (STF – RE 178.836, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T. DJ 20/08/1999)

[19] Como exemplo, imagine a situação de um comerciante que adquiriu um terreno para a construção de um posto de combustíveis em um Município, protocolou a documentação necessária junto ao Município para a construção e funcionamento do estabelecimento, no entanto, após iniciada a construção sobrevém lei municipal estabelecendo distância mínima entre esse tipo de estabelecimento e, por tal razão, referido comerciante é notificado quanto à revisão, por parte do Município, do licenciamento que já havia sido concedido.

[20] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29 ed. Rio de Janeiro: Forense. 2016. p. 806.

[21] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 25ª Ed. São Paulo: Malheiros. 2000, p. 580.

[22] STJ. AgRg nos EDcl no AREsp 382.944/MG. Rel. Min. Humberto Martins. 2ª T. DJ 18/03/2014.

[23] O parágrafo único do art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/41 assim estabelece: Extingue-se em cinco anos o direito de propor ação que vise à indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.183-56, de 2001)

[24] MOREIRA, João Batista Gomes. Direito Administrativo: Da Rigidez Autoritária à Flexibilidade Democrática. Belo Horizonte: Fórum. 2016. p. 388/389.

Sobre o autor
Fabiano Batista Correa

Advogado, Professor de Direito Administrativo, Gestão Pública, Direito Constitucional e Direito Tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORREA, Fabiano Batista. O instituto da limitação administrativa na perspectiva da responsabilidade civil estatal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6226, 18 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83768. Acesso em: 22 dez. 2024.

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