No dia 18/06/2020 foi editada a Medida Provisória nº 984/2020, alterando o artigo 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) que versava sobre direitos de transmissão de entidades esportivas.
O art. 42 da Lei Pelé, antes da MP 984/2020, estabelecia que pertence às entidades de práticas desportivas o direito de negociar, proibir e autorizar a fixação, transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem (BRASIL, 2020)
Na prática, com a redação antiga da Lei Pelé, para transmissão de uma partida de futebol, os dois clubes deveriam autorizar a transmissão por uma dada emissora. Caso não houvesse anuência dos dois clubes, o jogo não poderia ser transmitido. Seria necessário um contrato formal e específico dos clubes com a entidade que pretendesse transmitir os jogos.
Por exemplo, em 2016, alguns clubes assinaram com a Turner para os direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro entre 2019 e 2024, na TV fechada. Assim, partidas entre times de diferentes emissoras não poderiam ser transmitidos, conforme a redação anterior da Lei Pelé.
Neste sentido, a menos que houvesse acordo entre todas as partes envolvidas, um time que assinou com a Globo não poderia ter o jogo transmitido quando enfrentasse um time que assinou com a Turner, em TV fechada.
Com a Medida Provisória 984/2020, agora o mandante do jogo detém os direitos de arena, não sendo mais necessária a anuência de todas as partes envolvidas na transmissão da partida. Nesta senda, assim dispõe a nova redação:
“Art. 42. Pertence à entidade de prática desportiva mandante o direito de arena sobre o espetáculo desportivo, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, do espetáculo desportivo (BRASIL, 2020).”
Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, defendeu em rede sociais a importância das mudanças trazidas pela MP:
"Sem a ideal união de 20 clubes (quem sabe um dia), a MP traz um modelo que estimula muito a formação de blocos parciais, consórcios de clubes etc. Pode ser um começo da cultura de união, que até então não estava fortalecida.
Antes da MP, se dez clubes se unissem em bloco, poderiam vender 90 jogos do Brasileirão (do total de 380). Mesmo sendo 50% dos clubes, só detém menos de 25% dos jogos. Os outros jogos desses clubes desaparecem do mercado, viram pó. Clube ganha menos e o torcedor é prejudicado.
Com a MP, esses dez clubes passariam a vender 190 jogos, mais que dobrando a quantidade de jogos a serem comercializados. O produto, portanto, valerá mais, e o torcedor é diretamente beneficiado com isso (ARAGÃO, 2020)
Por outro lado, Avancini (2020) afirma que se a MP for aprovada pelo Congresso e não for alterada por diversas emendas, é possível que os times de médio e pequeno porte sejam prejudicados, já que estes têm menor poderio financeiro, torcidas menores, e, consequentemente, um menor mercado consumidor.
O poder migrou para as mãos do consumidor, algo já percebido tanto pelos players, pela torcida e pelo mercado em geral, que é onde as rubricas do mercado da bola serão definidas. Essa nova dinâmica permite a produção de conteúdo institucional dos clubes, o que pode gerar um enorme ganho de capital às entidades que souberem aproveitar (AVANCINI, 2020).
Importante destacar que as referidas mudanças não se aplicam aos contratos em vigência antes da edição da Medida Provisória 984/2020, constituídos como atos jurídicos perfeitos, já que se firmaram sob a égide da redação anterior da Lei Pelé (9.615/1998).
Segundo Ongaratto (2010), o ato jurídico perfeito consagra o princípio da segurança jurídica, pois preserva as situações devidamente constituídas na vigência da lei anterior, uma vez que a lei nova só projeta seus efeitos para o futuro, como regra.
Os times que souberem aproveitar as oportunidades do momento podem largar na frente, podendo ter reflexos promissores num futuro próximo. Contudo, só podemos falar de maneira definitiva quanto aos efeitos da Medida Provisória 984/2020, caso esta seja convertida em lei pelo Congresso Nacional, que dependerá de articulação política. Mesmo assim, a edição da MP já traz uma discussão fundamental ao mercado, bem como pode sedimentar um novo modelo de negócio no âmbito desportivo.
REFERÊNCIAS
ARAGÃO, Leandro. Após MP, Bellintani projeta criação de blocos de clubes para negociar transmissão de jogos. Bahia Notícias, [S. l.], p. 1, 19 jun. 2020. Disponível em: https://www.bahianoticias.com.br/esportes/bahia/23914-apos-mp-bellintani-projeta-criacao-de-blocos-de-clubes-para-negociar-transmissao-de-jogos.html. Acesso em: 6 jul. 2020.
AVANCINI, Jorge. MP 984/2020: eu era feliz e não sabia. Mktesportivo, [s. l.], 1 jul. 2020. Disponível em: https://www.mktesportivo.com/2020/07/mp-984-2020-eu-era-feliz-e-nao-sabia/. Acesso em: 6 jul. 2020.
BRASIL. Medida Provisória 984 de 18 de junho de 2020. Diário Oficial da União. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/mpv/mpv984.htm. Acesso em 06 jul 2020.
OHATA, Eduardo. Clubes fechados com a Globo até 2020 estendem vínculo por mais quatro anos. Uol Esportes, [S. l.], p. 1, 1 jun. 2016. Disponível em: https://blogdoohata.blogosfera.uol.com.br/2016/06/01/clubes-fechados-com-a-globo-ate-2020-estendem-vinculo-por-mais-quatro-anos/. Acesso em: 6 jul. 2020.
ONGARATTO, Vinicius. Ato jurídico perfeito, coisa julgada e direito adquirido. Âmbito Jurídico, [S. l.], p. 1, 1 out. 2010. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/ato-juridico-perfeito-coisa-julgada-e-direito-adquirido/. Acesso em: 6 jul. 2020.