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Um caso de prisão domiciliar

Agenda 15/07/2020 às 11:30

O presidente do STJ, João Otávio de Noronha, decidiu colocar em prisão domiciliar – com tornozeleira eletrônica – o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz e a mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar, foragida há mais de 20 dias.

I – O FATO

Segundo o Estadão, em sua edição em 10 de julho do corrente ano, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), João Otávio de Noronha, decidiu ontem colocar em prisão domiciliar – com tornozeleira eletrônica – o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz e a mulher dele, Márcia Oliveira de Aguiar, que está foragida há mais de 20 dias. O habeas corpus, que tramita sob segredo de Justiça, foi analisado pelo ministro Noronha porque ele é o plantonista durante o recesso do tribunal. Seis ministros do STJ e advogados criminalistas ouvidos pelo Estadão disseram que é incomum foragidos da Justiça receberem esse tipo de benefício.

Queiroz foi preso em 18 de junho na casa de Frederick Wassef, então advogado do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), em Atibaia (SP). O ex-assessor parlamentar é apontado como operador de um suposto esquema de “rachadinhas” – apropriação de salários de funcionários – no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj). O nome de Queiroz veio à tona em dezembro de 2018, quando o Estadão revelou movimentações financeiras atípicas de integrantes do gabinete de Flávio na Alerj.


II – A PRISÃO DOMICILIAR

Discute-se com relação à possibilidade de concessão de benefício de prisão domiciliar.

A prisão domiciliar é uma forma alternativa de cumprimento da prisão preventiva; em lugar de manter o preso em cárcere fechado é inserido em recolhimento ocorrido em seu domicílio, durante 24 horas.

Cuida-se de uma faculdade do juiz, atendendo às peculiaridades do caso concreto, desde que respeitados algum dos seguintes requisitos: a) ser o agente maior de 80 anos; b) estar o agente extremamente debilitado por motivo de doença grave; c) ser o agente imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos ou com deficiência; d) ser gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.

A prisão domiciliada não pode ser banalizada, estendendo-se a outros presos, diversos do que estão elencados, expressamente nos incisos I a IV do artigo 318 do CPP.

 A precariedade do estado de saúde do preso, na situação prisional a que se acha submetida, quer parecer que há violação à norma constitucional que determina, ao estado e a seus agentes, o respeito efetivo à integridade física da pessoa sujeita à custódia do Poder Público (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

Ademais, o art. 40, da LEP, exige de todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e dos presos provisórios; sendo que o direito à saúde vem reafirmado no art. 41, VII, do mesmo Diploma. E mais: atualmente, o próprio Código de Processo Penal veio a disciplinar a prisão domiciliar para presos, sejam provisórios ou condenados. O ministro Luis Roberto Barroso, no passado, se manifestou a favor da prisão domiciliar monitorada para criminosos não violentos. Defendeu essa posição, na conferência de encerramento da Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, realizada em Curitiba, em 24 de novembro de 2011. Foram as seguintes as suas palavras: “No sistema penitenciário, é preciso não apenas dar condições mínimas de dignidade às unidades prisionais, como também pensar soluções mais baratas e civilizatórias. Como, por exemplo, a utilização ampla de prisões domiciliares monitoradas, em lugar do encarceramento. Quem fugir ou violar as regras, aí, sim, vai para o sistema. Para funcionar, tem de haver fiscalização e seriedade. Não desconheço as complexidades dessa fórmula, a começar pela circunstância de que muita gente sequer tem domicílio. Mas em muitos casos ela seria viável”.

Afirmou Paulo Rangel (Direito processual penal, 20ª edição, pág. 880) que "a prisão domiciliar processual não se confunde com a medida cautelar de recolhimento domiciliar em período noturno. Aqui (artigo 317), o indivíduo está preso processualmente, isto é, existe um mandado de prisão em seu desfavor, mas que será cumprido em sua residência por preencher os requisitos na lei. No recolhimento domiciliar (artigo 319, V), há uma medida também cautelar, mas que limita o ius libertatis do indivíduo apenas durante o repouso noturno e nos dias de folga, desde que tenha residência e trabalhos fixos.

Nessa linha de pensar, Guilherme de Souza Nucci (Prisão e liberdade, São Paulo, ed. RT, pág. 77) lembra que o acolhimento de doença grave, previsto no artigo 117 da Lei de Execuções Penais, tornou-se, com a Lei 12.403/11, que disciplina a matéria, no artigo 318, II, do Código de Processo Penal, extrema debilidade por motivo de doença grave. Portanto, não basta a presença de grave enfermidade, sendo igualmente necessário que o apenado esteja por ela bastante debilitado.

O Superior Tribunal de Justiça, porém, tem entendimento, do que se vê do julgamento do HC 246.419 –SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe de 28 de maio de 2013, de que se pode conceder ao condenado em regime fechado ou semiaberto o benefício de prisão domiciliar, quando resta demonstrado que o recluso é portador de doença grave e que não é possível a prestação da devida assistência medica no estabelecimento penal em que esteja recolhido, fundamento esse reiterado ainda no julgamento do HC 271.060 –SP e no julgamento do HC 152.252 –MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.

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Será que o estabelecimento em que estava detido Queiroz era incapaz de fornecer cuidados médicos para a doença que diz ter? O estabelecimento prisional apontado não seria capaz de cuidar de um preso por conta das consequências da covid-19?


III – CONCLUSÕES

A decisão acima historiada foge dos parâmetros aqui apresentados. E mais: permite que uma pessoa foragida da justiça consiga retornar ao convívio do marido sob o pretexto de exercer deveres do casamento, como o tratamento ao cônjuge.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça), que concedeu prisão domiciliar para Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, por causa da Covid-19, já negou o mesmo benefício para o preso acusado de furtar dois xampus, de R$ 10 cada.

A decisão contrária ao jovem foi do ministro Felix Fischer. Em seu despacho, ele citou decisão de outro ministro do STJ, Rogerio Schietti Cruz.

Segundo o Estadão, o ministro Noronha negou um pedido da Defensoria Pública do Ceará para tirar da cadeia presos de grupos de risco, como idosos e gestantes, em virtude da pandemia do novo coronavírus. A pandemia e o estado de saúde de Queiroz foram argumentos usados pela defesa do ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) para tirá-lo do presídio de Bangu.

Em fevereiro de 2020, o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, negou pedido de liminar para que uma mulher acusada de tráfico de drogas, mãe de três filhos menores de 12 anos, pudesse cumprir a prisão preventiva em regime domiciliar.

Noronha considerou hipótese de situação excepcional e negou prisão domiciliar a mãe de menores

Para o ministro, as circunstâncias do caso podem caracterizar situação excepcional que impediria o benefício da prisão domiciliar, previsto nos artigos 318 e 318-A do Código de Processo Penal (CPP).

Lembro que, no julgamento do HC 337183, a  Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, enquanto eventual ilegalidade da ordem de prisão preventiva não for reconhecida pelo próprio Poder Judiciário, o réu não pode alegar um suposto direito à fuga para pretender que sua condição de foragido seja desconsiderada como fundamento do decreto prisional.

De acordo com o ministro Schietti, se a autoridade judiciária competente decreta a preventiva com fundamento na fuga do réu, ou se essa condição de foragido passa a ser considerada posteriormente para sustentar a ordem, justifica-se a manutenção do decreto prisional como meio de assegurar a aplicação da lei penal, com base no artigo 312 do CPP.

“Se pretende continuar foragido, a prolongar, portanto, o motivo principal para o decreto preventivo, é uma escolha que lhe trará os ônus processuais correspondentes, não podendo o Judiciário ceder a tal opção do acusado”, concluiu o ministro ao negar o habeas corpus.

Destaco, ao final, trecho daquele voto:

“Logo, e trazendo o discurso para o caso concreto, se a autoridade judiciária competente decreta, fundamentadamente, uma prisão preventiva porque o réu está foragido ou porque tal condição passou a ser sopesada em decisão posterior à original, justifica-se, em tese, a manutenção da cautela extrema, na forma do art. 312 c/c 282 do CPP, para assegurar eventual aplicação da lei penal. E, enquanto essa ordem não for invalidada pelo próprio Poder Judiciário, não lhe poderá opor o sujeito passivo da medida um suposto "direito à fuga" como motivo para pretender que seu status de foragido seja desconsiderado como fundamento da prisão provisória.”

Caberá ao órgão do Ministério Público Federal, que atua perante o STJ, ajuizar recurso de agravo regimental objetivando desconstituir a decisão historiada acima, que poderá criar graves precedentes.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso de prisão domiciliar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6223, 15 jul. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83883. Acesso em: 23 nov. 2024.

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