O Governador do Estado do Rio de Janeiro, eleito em 2018, Wilson Witzel (PSC), foi afastado do cargo pelo Superior Tribunal de Justiça, monocraticamente, pelo desembargador Benedito Gonçalves. O Witzel está sendo investigado no âmbito da Operação Tris in Idem, que “trata de irregularidades na contratação de hospitais de campanha, compra de respiradores e medicamentos no contexto do combate à Covid-19”.[1]
Segundo o desembargador, há elementos que comprovam a materialidade e há indícios suficientes de autoria dos crimes de corrupção ativa e passiva, participação em organização criminosa e lavagem de dinheiro.
O nome da operação é uma analogia ao termo jurídico “bis in idem” que indica a repetição de algo ou de alguma atividade (“duas vezes do mesmo” em latim), entretanto, a expressão utilizada na operação que envolve o governador afastado se refere aos três últimos Governadores do Rio de Janeiro; Sérgio Cabral (MDB), Luiz Fernando Pezão (MDB) e, o próprio Witzel, envolvidos no sistema de corrupção na área da saúde.
Wilson Witzel acumula polêmicas pelas declarações à imprensa e comportamentos que abrem margem a duvidar da sua idoneidade, tanto quando era Juiz Federal, quanto Governador do Estado.
Uma das declarações que gerou polêmica no âmbito jurídico e na sociedade foi a sua posição ao defender que um juiz pode retornar ao cargo, ou seja, retornar aos tribunais, mesmo depois de se filiar a um partido político, concorrer às eleições e, assumir cargos no Poder Executivo.
O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais), Fernando Mendes, se posicionaou quanto à posição pública do então Governador Witzel – enquanto ainda estava em exercício, ao defender o retorno de juízes aos tribunais após assumir cargo no Poder Executivo –, contrário à declaração:
“A decisão de sair da magistratura para assumir um cargo no Executivo ou no Parlamento é escolha pessoal de cada um. Mas é uma posição definitiva. Somos contra a ideia de alguns que propõe o retorno ao cargo depois desse tipo de decisão”[2]
É evidente que o princípio da imparcialidade e independência não está sendo observado e protegido; pelo contrário, é o oposto ao princípio da separação dos poderes e, consequentemente, a sua harmonia, além de ser um descalabro e desserviço ao Estado Democrático de Direito.
Sendo assim, é notório que um ex juiz é, e será, um ex magistrado, compelindo-o a incapacidade de retorno aos tribunais, de exercer a atividade jurisdicional, uma vez evidente a sua parcialidade, pois o juiz deve ser desinteressado e obrigatoriamente deve ser desimpedido e insuspeito, o que o torna patente ser imparcial.
Uma pesquisa realizada pela Revista Piauí aponta que diversas sentenças dadas pelo Witzel foram reformadas pelo Tribunal Regional Federal da 2º Região (TRF-2). Segundo a matéria, “Foram índices acima da média do maior Tribunal Federal do país”[3]. De todo modo, não é incomum decisões de juízes de primeira instância – que é o caso do Witzel – serem reformadas. Uma decisão reformada na verdade não quer dizer que juízes estão julgando contra a lei. No entanto, já em sentença anulada, demonstra-se que houve erro no meio do caminho, demonstra a desqualificação do juiz.
Duas sentenças anuladas do ex magistrado se tornaram destaque na mídia. Uma delas por ter sido anulada pelo então juiz titular da 2ª Vara Federal Criminal de Vitória, sentença esta que absolveu sumariamente, antes de ouvir as partes e as testemunhas, livrando o réu antes mesmo da instrução processual. A outra sentença anulada por unanimidade foi quando era titular da 8ª Vara Federal Criminal do Rio, por ter deixado de ouvir o réu, violando a garantia constitucional de ampla defesa.
Quando anulada uma decisão, o processo volta à primeira instância para que seja feito tudo de novo a partir do ato declarado nulo, podendo o crime prescrever.
O fato é que Wilson Witzel responde processo junto ao STJ pelo envolvimento em atos ilícitos frente à Administração Pública, com fraudes identificadas na contratação de organização social para montar e gerir hospitais de campanha, denúncia esta oferecida pela PGR (Procuradoria Geral da República) por organização criminosa.
A decisão de afastar um governador, por um ministro do STJ – monocraticamente – sem sequer ouvir o afastado, não será abordado neste texto. Nem o controverso pedido de prisão pela PGR e seus excessos, tampouco o afastamento cautelar (que é competência da União legislar sobre processo penal), ou, a caracterização de uma performance de Lawfare[4]; não serão objeto de análise.
A Constituição do Rio de Janeiro, no artigo 147, parágrafo 1º, I e II, estabelece que o governador ficará suspenso de suas funções se o STJ receber denúncia ou queixa-crime (em caso de crimes comuns) ou se a Assembleia Legislativa do Rio instaurar processo de impeachment (em caso de crimes de responsabilidade). Ambos estão ocorrendo e a votação pelo pedido de abertura do procedimento está em andamento na ALERJ.
Além do Governador já ter sido afastado do cargo pelo judiciário, poderá ainda ser afastado por mais 180 dias por decisão dos parlamentares e, neste período, ele será investigado pelos crimes, como também será criado um tribunal para analisar a denúncia. É necessário que ao menos dois terços dos parlamentares votem pela aprovação do processo de impeachment. Assim sendo, terá inicio a formação de um tribunal misto, composto por cinco deputados e cinco desembargadores e comandado pelo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
Entretanto, este processo e rito a ser cumprido no impeachment não tem relação com supostos erros cometidos pelo Wilson Witzel quando ainda Juiz Federal, em tese. O “erro do judiciário” pode sim ter existido, contudo será outro procedimento e julgamento.
O Código de Processo Penal, no capítulo que trata de revisão, em seu artigo 630, define a possibilidade de reconhecimento de direito de indenização por prejuízos sofridos em razão da condenação errônea. E, conforme jurisprudência:
Como já demonstrado na decisão ora agravada, o acórdão recorrido encontra-se em consonância com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que se firmou no sentido de que a responsabilidade civil do Estado não se aplica a atos judiciais, salvo no caso de erro judiciário, de prisão além do tempo fixado na sentença e nas hipóteses legalmente previstas. [STF. ARE 1.042.793 AgR, rel. min. Gilmar Mendes, 2ª T, j. 23-3-2018, DJE de 9-4-2018.]
1.O direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido, previsto no art. 5º, LXXV, da Constituição, já era previsto no art. 630 do Código de Processo Penal, com a exceção do caso de ação penal privada e só uma hipótese de exoneração, quando para a condenação tivesse contribuído o próprio réu. 2. A regra constitucional não veio para aditar pressupostos subjetivos à regra geral da responsabilidade fundada no risco administrativo, conforme o art. 37, § 6º, da Lei Fundamental: a partir do entendimento consolidado de que a regra geral é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, estabelece que, naqueles casos, a indenização é uma garantia individual e, manifestamente, não a submete à exigência de dolo ou culpa do magistrado. 3. O art. 5º, LXXV, da Constituição: é uma garantia, um mínimo, que nem impede a lei, nem impede eventuais construções doutrinárias que venham a reconhecer a responsabilidade do Estado em hipóteses que não a de erro judiciário stricto sensu, mas de evidente falta objetiva do serviço público da Justiça. [STF. RE 505.393, rel. min. Sepúlveda Pertence, 1ª T, j. 26-6-2007, DJE de 5-10-2007.]
Em matéria civil, o Código de Processo Civil/2015 demonstra, em seu artigo 143, que: o juiz responderá, civil e regressivamente, por perdas e danos quando: (1) no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude; (2) recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de oficio ou a requerimento da parte.
Já os artigos 56 e 57 da Lei Orgânica da Magistratura (LC 35/1979) dispõe sobre as sanções administrativas de aposentadoria e disponibilidade do magistrado, nos casos de negligência no cumprimento dos deveres do cargo, procedimento incompatível com a dignidade, honra e decoro das funções e escassa ou insuficiente capacidade de trabalho ou proceder funcional incompatível com o bom desempenho das atividades.
Cabe ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) fiscalizar e punir magistrados. Apenas o STF está acima do CNJ. Todos os atos processuais do ex juiz que possam ter irregularidades – despachos, decisão interlocutória e sentenças (Art. 203 CPC) – do Wilson Witzel, quando ainda magistrado – fica a cargo do CNJ e das corregedorias dos tribunais.
Importante ressaltar que os juízes raramente são punidos e é comum a aposentadoria compulsória, como retrata bem este trecho da reportagem da apublica.org:
“A maioria das irregularidades cometidas por juízes no exercício de suas funções é investigada e punida no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o órgão fiscalizador. São processos administrativos, não criminais, e, mesmo quando as denúncias se referem a crimes graves, como a venda de sentenças, a punição máxima que o CNJ pode aplicar é a aposentadoria compulsória.”[5]
Portanto, o processo que hoje o Governador afastado Wilson Witzel responde está relacionado à sua conduta como chefe do Poder Executivo do Estado do Rio de Janeiro. Os julgados por ele enquanto Juiz Federal podem ser questionados e anulados na esfera do Poder Judiciário, seja por embargos de declaração (em conformidade ao §1º do art. 489 do NCPC/2015) ou até chegar aos órgãos supracitados.
Notas
[1] Disponível em: <http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/28082020-STJ-afasta-o-governador-Witzel-do-cargo-e-prende-seis-investigados-por-irregularidades-na-Saude-do-Rio.aspx> Último acesso: 16.09.2020.
[2] Disponível em: <https://www.osul.com.br/saiu-da-magistratura-nao-volta-mais-disse-o-presidente-da-associacao-dos-juizes-ao-abordar-a-ida-de-sergio-moro-para-o-governo/> Ultimo acesso: 16.09.2020.
[3] Disponível em: < https://piaui.folha.uol.com.br/as-sentencas-anuladas-do-juiz-witzel/> Ultimo acesso: 16.09.2020.
[4] Segundo Cristiano Zanin Martins “Lawfare é uma palavra inglesa que representa o uso indevido dos recursos jurídicos para fins de perseguição política”, diz. Neste sentido, o advogado argumenta que a lei é utilizada como uma espécie de “arma de guerra”, o que permite o uso de um instrumento jurídico com afeição política. Disponível em: < http://www.justificando.com/2016/11/17/lawfare-representa-o-uso-indevido-dos-recursos-juridicos-para-fins-de-perseguicao-politica/> Ultimo acesso: 16.09.2020.
[5] Disponível em: <https://apublica.org/2016/09/quem-julga-o-juiz/ > Ultimo acesso: 17.09.2020.