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A responsabilidade do Estado frente aos atos omissivos e comissivos dos notários

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3.   CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal que é o Estado o responsável direto pelos danos causados pelos notários e registradores, há a discussão do impacto dessa decisão na prática, ou seja, a eficácia desse entendimento jurisprudencial.

O primeiro questionamento é em relação à cobrança pela indenização. No caso, pode-se citar como exemplo a existência da possibilidade de Maria (nome fictício) ajuizar uma ação diretamente contra o registrador ou se é necessário que ela deva primeiro acionar o Estado.

O Supremo Tribunal Federal ainda não discutiu expressamente esse tema. No entanto, em se tratando de atos praticados por servidores públicos, vigora, no STF, a teoria da dupla garantia. Sobre essa teoria, entende-se que o terceiro deve apenas pleitear ação contra o Estado (Poder Público). Em caso de condenação, aciona-se o servidor causador do dano (CAVALCANTE, 2020).

Apesar da existência dessa teoria, o STF ainda não a trouxe em fórum de discussão sobre sua aplicabilidade aos titulares das serventias extrajudiciais. Na opinião de Cavalcante (2020) a vítima deve ajuizar ação de indenização contra o notário ou registrador antes mesmo do Estado. Para esse doutrinador, não há de se falar nessa tese, devido ao fato de que os titulares das serventias extrajudiciais não são servidores públicos.

De acordo com o supracitado autor, num esclarecimento sobre essa situação, apresenta-se o quadro abaixo:

Quadro 1 – Ação de indenização proposta por pessoa que sofreu dano em razão de ato de notário ou registrador

Se for proposta contra o Estado:

Se for proposta contra o tabelião ou registrador:

Responsabilidade objetiva.

Prazo prescricional: 5 anos.

Receberá por precatório ou RPV.

Responsabilidade subjetiva

Prazo prescricional: 3 anos

Receberá por execução comum.

Fonte: Cavalcante (2020).

Outra questão decidida que é importante mencionar é a Ação de Regresso. Nesse ponto, ficou entendido que se o Estado for condenado e pagar a indenização à vítima, ele tem o dever de cobrar de volta do tabelião ou registrador o valor que pagou (STF, 2019).

De outro modo, após o pagamento do valor indenizatório, o Estado deve, obrigatoriamente, pleitear ação de regresso em desfavor daquele causador do dano. Caso contrário, os agentes públicos responsáveis por isso (exs: Governador, Procurador-Geral do Estado, Secretário de Fazenda, etc.) poderão responder por ato de improbidade administrativa (CAVALCANTE, 2020).

Menciona-se ainda que na ação de regresso, o Estado para ser indenizado tem de comprovar que o tabelião ou registrador atuou de forma dolosa ou culposa. Sendo assim, a responsabilidade civil dos notários e registradores é agora subjetiva.

Corroborando com a decisão tomada, Velasques (2019, p. 02) defende que há vantagens na adoção da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, pois preservaria os direitos do cidadão, “que fica dispensado de demonstrar a culpa, bastando a comprovação do dano, da atuação estatal e do nexo causal para declarar a obrigação do Estado em indenizar”.

Para Loureiro (2018, p. 23) esse entendimento evitaria que “o agente público delegado responda com seu patrimônio pessoal por atos praticados no desempenho de suas funções públicas”. Nesse mesmo caminho, Sardinha (2019, p. 139) aduz que “seria uma forma de evitar o temor de virem a produzir danos e serem responsabilizados pessoalmente por sua atuação, sem que o interesse público deixe de ser resguardado, considerando que, se houver culpa ou dolo do agente, caberá ação regressiva”.

Por fim, com base na decisão já explanada, houve outro efeito, principalmente no campo processual. Pelo julgamento do Recurso Extraordinário n° 842.846 ficou estabelecido que as indenizações são de total responsabilidade do Estado, retirando dos cofres públicos tais valores a serem pagos pela fazenda pública.

O texto constitucional que prevê os pagamentos de compensações pela fazenda pública é feitos através de precatórios que tem seu rito e exigências estabelecidos também na Constituição, mais precisamente em seu artigo 100.

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Como já dito, a Fazenda Pública tem a obrigação de pagar essas dívidas, incluindo-as na LOA (Lei Orçamentária Anual) do próximo exercício fiscal. Com isso, é possível fazer o levantamento de todos os valores necessários para arcar com as despesas da administração pública do próximo ano e fazer uma estimativa de gastos e de quanto é preciso arrecadar e economizar na gestão do município, Estado ou do Governo Federal (EPB, 2020).

O caminho para receber um precatório no Brasil é complicado e demanda bastante tempo. Tanto tempo que muitas vezes pode ser até mais longo e desgastante que a própria ação judicial que fez nascer o direito ao crédito.

O Brasil segue com uma fila extensa de precatórios a serem cumpridos, estima-se cerca de 5 a 10 anos para que o pagamento de precatórios seja realizado, tornando a tutela satisfativa demorada.

Ainda que haja um prazo de pagamento pré-determinado no texto constitucional, na prática diversos governos não vêm cumprindo com as suas obrigações financeiras de pagamento. O resultado desse atraso é o surgimento de enormes filas. A título de exemplo, alguns Estados ainda estão pagando os precatórios expedidos no começo da década passada (DUARTE, 2019).

Na medida em que essas dívidas judiciais crescem, na mesma proporção cresce as dificuldades dos Governos para quitá-las. Essa situação faz com que o pagamento de precatórios no Brasil se torne um problema de ordem pública.

Diante desse cenário, com a decisão proferida pelo STF traria um acúmulo de precatórios ao Estado, por conta dos erros cometidos pelos notários. Com o aumento de precatório, também traria mais despesas aos orçamentos federais.

Nesse sentido, um ponto negativo dessa nova decisão é justamente no que se refere ao pagamento da indenização à terceiro em caso de erro de notários. Com a responsabilidade do Estado agora é objetiva, cabe a ele o pagamento inicial. Portanto, gerará um aumento nas despesas públicas.

A crítica que esse estudo faz é justamente em relação a esse momento. Uma vez que o erro ocorrido em um cartório é praticado por um notário, por exemplo, a responsabilidade pelo dano causado é primeiramente o Estado. Desse modo, o Estado estaria ‘pagando’ pelo erro de um terceiro. Isso traria ainda mais despesas aos cofres públicos. Além disso, o prejudicado demoraria anos para poder ser ressarcido, mostrando que essa decisão, nesse ponto específico, não tem o efeito desejado. 

Diante disso, esse estudo caminha juntamente com o entendimento firmado pela Corte maior no sentido de que a responsabilidade por danos causados por notários e registrados é objetivamente do Estado. Cabe salientar que não se defende a ideia de que o notário, por exemplo, fuja de sua responsabilidade ao dano, mas que de forma sumária o Estado assuma essa responsabilidade, devendo em ação de regresso penalizar o profissional causador direto do dano.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As serventias extrajudiciais são uma alternativa para a efetivação do direito de acesso à justiça. Inúmeras ações e procedimentos migraram da seara judicial para os ofícios notariais e registrais, especialmente quando não houver litígio, como é o caso de separações, divórcios, inventários, alterações de nome, celebração de acordos, mediação, conciliação e uma infinidade de outros atos relevantes. Desse modo é evidente que há uma importância social nessas funções.

A discussão que recaiu esse estudo se deu em relação à responsabilidade civil dos agentes notários e registrados nos danos que causar à terceiros. Com base na Lei nº 13.286/2016 essa responsabilidade recairia objetivamente a esses profissionais.

Contudo, como mostrado nesse estudo, a Corte Suprema reafirmou sua jurisprudência quanto ao tema, ao aplicar a teoria da responsabilidade civil objetiva  em relação ao Estado e considerar que os notários e registradores somente responderão se tiverem agido com dolo ou culpa, em ação de regresso.

Essa decisão se mostrou acertada e bastante significativa, pois sana quaisquer dúvidas sobre essa matéria. Assim, fixada a tese, notários e registradores deverão responder por eventuais danos que vierem a causar, no exercício de suas atividades, em ação regressiva, considerada compulsória, sob pena de improbidade administrativa do representante judicial do Estado que não a propuser.

Reafirmando, a decisão tomada pelo STF é válida, porque ao mesmo tempo em que coloca o Estado como responsável pelos danos a terceiros, também o faz ao penalizar os notários e registrados, prevendo a ação de regresso. Ou seja, ambas as partes (Estados e servidores) não irão ficar sem responsabilidade pelos danos provocados, mantendo assim o equilíbrio social e jurídico.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CAVALCANTE, Márcio André Lopes. O Estado responde, objetivamente, pelos danos causados por notários e registradores. Vade Mecum de Jurisprudência – Dizer o Direito. 9ª edição revista, atualizada e ampliada. Ed. Juspodivm, 2020.

DEL GUÉRCIO NETO, Arthur; DEL GUÉRCIO, Lucas Barelli. O direito notarial e registral em artigos. 1.ed, São Paulo: YK Editora, 2016.

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Notas

[1] Resp 1.377.074/RJ. Primeira Turma do STJ. Relatoria: Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em 16.02.2016.

[2] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340792309&ext=.pdf. Acesso em: 12 set. 2020.


Abstract: Notarial activities aim to ensure publicity, authenticity, security and effectiveness of legal acts in a preventive manner, thereby avoiding the accumulation of lawsuits in the judiciary and acting as a means of social pacification. In recent years, however, there has been a significant increase in lawsuits to the detriment of notaries for errors in the exercise of their functions. Thus, the present study has as its central objective to discuss the State's responsibility in the face of omissive and commissive acts by notaries. The present study seeks to analyze the judgment of the Supreme Federal Court on extraordinary Appeal (RE) nº. 842.846/SC, which in general repercussion decided that the State is the civil responsible for the damages caused by public agents (notaries). We will see, therefore, that although the aforementioned decision confirmed the understanding that the responsibility of the States, it also ended up showing itself as a legal setback, since the indemnities to be paid by the State are made through precatory measures. To carry out this study, bibliographic research is based on methodology, based on books, scientific articles and Brazilian legislation, and especially on the aforementioned judgment.

Keywords: Responsibility. Notaries. State. Indemnity. Precatory.

Sobre os autores
Thalles Teles Dias

Acadêmico do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.

Welson Rosário Santos Dantas

Profº. Me. no curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Thalles Teles; DANTAS, Welson Rosário Santos. A responsabilidade do Estado frente aos atos omissivos e comissivos dos notários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6352, 21 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86329. Acesso em: 26 dez. 2024.

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