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Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa

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O ingresso da ação de improbidade administrativa não pode ser lastreado no “ouviu dizer” ou embasado em depoimento ou confissão, objeto de delação premiada.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Vivemos um período de amplo combate à corrupção, onde várias operações policiais são deflagradas em prol do interesse público e da repressão aos desvios de recursos do erário promovidas por organizações criminosas.

Nesse viés, visando dar efetividade e publicidade às operações policiais, além de a imprensa participar ativamente, produzindo matérias jornalísticas em tempo real sobre os fatos, geralmente é requerida pelo Ministério Público a prisão temporária ou provisória dos acusados.

Com o aumento expressivo de prisões e de investigações criminais contra organizações criminosas, a Lei nº 12.850/2013, que definiu tal conceito, dispõe sobre a colaboração premiada no Brasil, a qual passou a ser permitida em qualquer fase da persecução penal (art. 3º, inc. I).

O próprio artigo 3º, inciso I, da Lei nº 12.850/2013, ao permitir a celebração do acordo de colaboração premiada antes do trânsito em julgado da persecução penal, reconhece que ela é meio de busca de prova, mas não é a prova.

Sendo definida a colaboração premiada no artigo 4º, da Lei nº 12.850/2013, da seguinte forma:

“Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:        

I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III - a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV - a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V - a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

§ 1º Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta a personalidade do colaborador, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do fato criminoso e a eficácia da colaboração.

§ 2º Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público, a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).

§ 3º O prazo para oferecimento de denúncia ou o processo, relativos ao colaborador, poderá ser suspenso por até 6 (seis) meses, prorrogáveis por igual período, até que sejam cumpridas as medidas de colaboração, suspendendo-se o respectivo prazo prescricional.

4º Nas mesmas hipóteses do caput deste artigo, o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração referir-se a infração de cuja existência não tenha prévio conhecimento e o colaborador:     

I - não for o líder da organização criminosa;

II - for o primeiro a prestar efetiva colaboração nos termos deste artigo.

§ 4º-A. Considera-se existente o conhecimento prévio da infração quando o Ministério Público ou a autoridade policial competente tenha instaurado inquérito ou procedimento investigatório para apuração dos fatos apresentados pelo colaborador.     

§ 5º Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.

§ 6º O juiz não participará das negociações realizadas entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá entre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investigado ou acusado e seu defensor.

§ 7º Realizado o acordo na forma do § 6º deste artigo, serão remetidos ao juiz, para análise, o respectivo termo, as declarações do colaborador e cópia da investigação, devendo o juiz ouvir sigilosamente o colaborador, acompanhado de seu defensor, oportunidade em que analisará os seguintes aspectos na homologação:     

I - regularidade e legalidade;      

II - adequação dos benefícios pactuados àqueles previstos no caput e nos §§ 4º e 5º deste artigo, sendo nulas as cláusulas que violem o critério de definição do regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), as regras de cada um dos regimes previstos no Código Penal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal) e os requisitos de progressão de regime não abrangidos pelo § 5º deste artigo;       

III - adequação dos resultados da colaboração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput deste artigo;      

IV - voluntariedade da manifestação de vontade, especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas cautelares.    

§ 7º-A O juiz ou o tribunal deve proceder à análise fundamentada do mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da pena, nos termos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) e do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), antes de conceder os benefícios pactuados, exceto quando o acordo prever o não oferecimento da denúncia na forma dos §§ 4º e 4º-A deste artigo ou já tiver sido proferida sentença.      

§ 7º-B. São nulas de pleno direito as previsões de renúncia ao direito de impugnar a decisão homologatória.    

§ 8º O juiz poderá recusar a homologação da proposta que não atender aos requisitos legais, devolvendo-a às partes para as adequações necessárias.    

§ 9º Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas investigações.

§ 10. As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoincriminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusivamente em seu desfavor.

§ 10-A Em todas as fases do processo, deve-se garantir ao réu delatado a oportunidade de manifestar-se após o decurso do prazo concedido ao réu que o delatou.    

§ 11. A sentença apreciará os termos do acordo homologado e sua eficácia.

§ 12. Ainda que beneficiado por perdão judicial ou não denunciado, o colaborador poderá ser ouvido em juízo a requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial.

§ 13. O registro das tratativas e dos atos de colaboração deverá ser feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de cópia do material ao colaborador.  

§ 14. Nos depoimentos que prestar, o colaborador renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao compromisso legal de dizer a verdade.

§ 15. Em todos os atos de negociação, confirmação e execução da colaboração, o colaborador deverá estar assistido por defensor.

§ 16. Nenhuma das seguintes medidas será decretada ou proferida com fundamento apenas nas declarações do colaborador:     

I - medidas cautelares reais ou pessoais;     

II - recebimento de denúncia ou queixa-crime;     

III - sentença condenatória.     

§ 17. O acordo homologado poderá ser rescindido em caso de omissão dolosa sobre os fatos objeto da colaboração.   

§ 18. O acordo de colaboração premiada pressupõe que o colaborador cesse o envolvimento em conduta ilícita relacionada ao objeto da colaboração, sob pena de rescisão.   

E, o colaborador, possui os seguintes direitos (artigo 5º, da Lei n.º 12.850/2013):

- ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservadas;

- ser conduzido, em juízo, separadamente dos demais coautores e partícipes;

- participar das audiências sem contato visual com os outros acusados;

- não ter a sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem a sua prévia autorização por escrito;

- cumprir pena ou prisão cautelar em estabelecimento penal diverso dos demais corréus ou condenados.

O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito, contendo o seu relato e seus possíveis resultados; a declaração de aceitação do colaborador e de seu defensor; as assinaturas do representante do Ministério Público ou do Delegado de Polícia, do colaborador e de seu advogado, e a especificação das medidas de proteção ao colaborador e à sua família, quando necessário.

Como visto, o instituto da delação premiada ocorre, portanto, quando o acusado/indiciado imputa a autoria do crime a um terceiro, coautor ou partícipe, fornecendo às autoridades informações necessárias e fiéis a respeito das práticas delituosas promovidas por grupo criminoso, permitindo a localização da vítima ou a recuperação do produto do crime.

Com isso, o colaborador visa reduzir a sua pena, ou obter o perdão judicial.

A delação premiada difere da confissão em razão de esta se referir à autoincriminação, enquanto aquela representa a imputação do fato criminoso a terceiros.

Apesar de muito criticada por parte da doutrina, a delação premiada se tornou hoje uma realidade crescente, pois ao ser descoberta a prática de ilícito  o réu ou indiciado em processo penal, para livrar-se das consequências do cárcere, geralmente constrangido por prisões de natureza provisória, acaba por fazer colaboração premiada, por estar subjugado ao órgão acusador, oferecendo sua versão sobre os fatos para obter benefícios penais ou não teria se não optasse por tal caminho jurídico.

A partir desse momento, o colaborador passou a ser disputado pelo próprio Ministério Público, titular da ação penal, visto que ao deflagrar uma operação, se ele obtém a colaboração de alguns dos réus ou dos investigados automaticamente, aumenta-se a probabilidade de deflagração de novas investigações correlatas aos fatos já em curso.

Em sendo assim, o colaborador irá oferecer o seu relato e seus possíveis resultados, no afã de contar a melhor história, com a finalidade de obter a homologação do acordo de colaboração premiada.

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Destarte, incumbe ao próprio colaborador indicar as provas e os elementos de corroboração (art. 3º-C, § 4º, da Lei nº 12.850/2013), visto não ter valor de provar o termo de colaboração.

Não resta dúvida que a colaboração premiada é um meio de busca de prova, não se constituindo como elemento direto ou indireto que ateste a veracidade dos atos relatados.

Por ela, o agente colaborador, visando à obtenção de um dos benefícios elencados na lei, se dispõe a contribuir para a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas, visando revelar a estrutura hierárquica e a divisão de tarefas, para a prevenção de infrações penais e recuperação de ativos desviados.

Na verdade, apesar do órgão acusador dar grande relevância ao termo da colaboração, não poderá ser decretada ou proferida apenas baseadas nas  declarações do colaborador, medidas cautelares reais ou pessoais, recebimento de denúncias ou queixa crime ou sentença condenatória, conforme estatuído no artigo 4º, § 16, incisos I, I, e III, da Lei nº 12.850/2013.

Em sendo assim, não há como se admitir que com base em termos de colaboração premiada, a instauração da persecução administrativa, com o ingresso de ação de improbidade administrativa.

Quando muito, pode incentivar a instauração de inquérito civil público, com a finalidade de busca de provas que identificam os indícios necessários à propositura da ação de improbidade administrativa.

Sobre os autores
Mauro Roberto Gomes de Mattos

Advogado no Rio de Janeiro. Vice- Presidente do Instituto Ibero Americano de Direito Público – IADP. Membro da Sociedade Latino- Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Membro do IFA – Internacional Fiscal Association. Conselheiro efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social. Autor dos livros "O contrato administrativo" (2ª ed., Ed. América Jurídica), "O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da Lei nº 8.429/92" (5ª ed., Ed. América Jurídica) e "Tratado de Direito Administrativo Disciplinar" (2ª ed.), dentre outros.

Anelise Rocha Assumpção

Graduanda em Direito na Universidade Candido Mendes - RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MATTOS, Mauro Roberto Gomes; ASSUMPÇÃO, Anelise Rocha. Colaboração premiada sem prova de corroboração não se presta para justificar o recebimento da ação de improbidade administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6701, 5 nov. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86860. Acesso em: 22 dez. 2024.

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