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A (in)constitucionalidade da jornada 12x36 após a reforma trabalhista: uma análise da ADI 5994 do STF

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4 A MEDIDA PROVISÓRIA nº 808/2017

Ao entrar em vigor imediatamente após sua publicação, em novembro de 2017, a Medida Provisória nº 808 sobreveio com o propósito de afastar, da, até então, nova Lei nº 13.467/2017, que instituiu a reforma trabalhista, toda e qualquer disposição regulamentar que se enquadrasse fora das delimitações estabelecidas pela Constituição Federal e pelas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil. Segundo Henrique Correia, “a nova MP, além de revogar alguns artigos da Lei nº 13.467/2017, alterou 10 pontos da Reforma,”14 o que demonstra a falta de comprometimento do legislador ao elaborar normas.

Dentre os tópicos que demonstraram carência de alteração, mediante a publicação da referida Medida Provisória, inclui-se, por óbvio, a jornada 12x36, que se contrapõe em diversos aspectos, ao texto constitucional. Destarte, manifestada a robusta necessidade de mudança, na busca de favorecer o equilíbrio das relações de emprego, assim se instituiu a nova redação dada ao art. 59-A da CLT, com o advento da MP nº 808/17:

Art. 59-A. Em exceção ao disposto no art. 59 e em leis específicas, é facultado às partes, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.

§1o. A remuneração mensal pactuada pelo horário previsto no caput abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno, quando houver, de que tratam o art. 70 e o § 5o do art. 73.

§2º. É facultado às entidades atuantes no setor de saúde estabelecer, por meio de acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.15

Prima facie, no que tange ao caput do art. 59-A, denota-se agora a desnecessidade de se aplicar o regime 12x36 regulado pela legislação celetista em sobreposição às leis trabalhistas específicas, que dispõem acerca do mesmo tema. Segundo essa lógica de interpretação, Henrique Correia argumenta que “o art. 10 da Lei do Doméstico e o art. 5º da Lei no 11.901/2009 (Bombeiro Civil), que estabelecem regras próprias para a jornada 12x36, devem permanecer aplicados às respectivas relações jurídicas de emprego”16, assegurando, dessa forma, a observância da lei que ostenta mais vantagem ao trabalhador.

Outra importante peculiaridade que foi devidamente transformada para que se alinhasse aos preceitos constitucionais e parâmetros normativos supralegais diz respeito à viabilidade de pactuação da referida jornada, por meio de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, o que reproduz a disposição referendada através do art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal, dando reconhecimento às convenções e acordos coletivos de trabalho, como direito dos trabalhadores, sejam estes rurais ou urbanos.

Agregado a esse reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, insta ressaltar, que foi suprimida também, por meio da publicação da referida MP nº 808, a exequibilidade de pactuação de acordo individual escrito para o afastamento do intervalo intrajornada, ainda que devidamente indenizado, fazendo subsistir somente a possibilidade de se estabelecer tal medida por intermédio de convenção ou acordo.

Em contrapartida, ao contemplarmos a inclusão do parágrafo segundo, verifica-se certa flexibilização normativa quanto ao estabelecimento de acordo individual escrito, por entre a observação da concessão de faculdade às entidades atuantes no setor de saúde, para estabelecer este meio individual de convenção, carregando, também, a possibilidade de aplicação das convenções e acordos coletivos de trabalho sem prejuízos às entidades ou trabalhadores.

Contudo, com base no art. 62, §4º da Constituição Federal, a promulgação de uma medida provisória atende a um determinado prazo de vigência, competindo a tal determinação a durabilidade de 60 (sessenta) dias, sendo passível de prorrogação por igual período. Por essa razão a MP nº 808/2017 dispôs inteiramente do seu período de validade, tendo ainda sua vigência prorrogada em virtude do recesso parlamentar.

Entretanto, ainda que fosse valorosa para equilibrar as relações de emprego no cenário trabalhista, a MP nº 808/2017 não fora transformada em lei, perdendo sua eficácia em abril de 2018. Em consequência desses fatos, somente as relações jurídicas desenvolvidas na decorrência da validade da supradita medida ainda permaneceram sob a égide desta, fazendo com que as novas demandas processuais fossem outra vez administradas sob as diretrizes do texto aprovado anteriormente, voltando este a vigorar de maneira integral.

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Desta maneira, renovaram-se as diversas discussões que argumentavam pela inconstitucionalidade da promulgação do texto originariamente atribuído ao art. 59-A da CLT, fomentadas, principalmente, pelas inseguranças jurídicas resultantes das incongruências ressaltadas em sua redação. Desde então, as divergências interpretativas sustentadas pelos interessados em juízo e os posicionamentos doutrinários antagônicos são indícios da relevância de um debate mais incisivo acerca deste dispositivo, o que motivou a elaboração da pesquisa de campo que será exibida no capítulo seguinte.


5 PESQUISA DE CAMPO SOBRE OS IMPACTOS DA NOVA JORNADA 12X36 NAS RELAÇÕES DE EMPREGO

Ao vislumbrar a importância de reunir relevantes opiniões a respeito da jornada 12x36, o presente capítulo pretende abordar, mesmo que diante de pontos de vista divergentes, os impactos criados pela inclusão do art. 59-A na CLT com a promulgação da Lei nº 13.467/17. A pesquisa de campo elaborou um questionário de perguntas que foi submetido para análise de entrevistados que abrangessem operadores do direito que atuam sob diferentes perspectivas nas em relação ao tema investigado.

No que concerne à jornada de compensação 12x36, ao ser questionado, o Procurador do Ministério Público do Trabalho de São Paulo, Dr. Rodrigo Lestrade Pedroso, entendeu que o legislador ordinário fere a Constituição Federal, pontualmente em seu art. 7º, inc. XIII, admitindo a possibilidade de pactuação de tal jornada por meio de acordos individuais, enfatizando, também, que viola a Convenção 155 da OIT, em seus artigos 5º, alínea “b” e 8º.

Em congruência a essa percepção, o Dr. Leonardo Fazito, advogado do Sindicato dos empregados em estabelecimentos de serviços de saúde (SINDEESS), de Belo Horizonte e região metropolitana, argumentou que a jornada especial seria inconstitucional, explicitando seu descontentamento, não apenas no que diz respeito à expressão “acordo individual escrito”, mas, também, acentuando outros pontos relevantes que são discutidos pela doutrina, como a possibilidade de indenização do intervalo intrajornada, a qual repreendeu.

A terceira entrevistada, a professora, advogada e mestre em Direito do Trabalho, Gabriela Nogueira Xavier Matias, concordou que a Reforma Trabalhista alterou sensivelmente as normas trabalhistas, considerando que muitos dos dispositivos foram bem pensados e trouxeram uma uniformização das normas processuais. No entanto, reiterou que os dispositivos que abordam questões de direito material do trabalho vieram em contramão dos princípios trabalhistas da proteção, da alteridade, da norma mais favorável, dentre outros.

Quanto ao quarto entrevistado, o Sindicato dos Empregados em Edifícios e Condomínios, Empresas de Prestação de Serviços em Asseio, Conservação, Higienização, Desinsetização, Portaria, Vigia e dos Cabineiros (SINDEAC), de Belo Horizonte, na pessoa de sua advogada, Dra. Érika Masin, consentiu com os pontos de vista de outros entrevistados, evidenciando, principalmente, as dificuldades que o sindicato tem enfrentado diante das negociações coletivas travadas com os sindicatos patronais e com os empregadores, para manutenção dos direitos anteriormente resguardados no corpo de seus acordos e convenções.

Os entrevistados, ao argumentarem se as mudanças provenientes da Reforma Trabalhista teriam trazido benefícios ao empregador, de forma unânime, expuseram positivamente, ressaltando as convicções que foram anteriormente expostas, asseverando, contudo, o advogado Leonardo Fazito, que não apenas trouxe benefícios ao empregador, mas, sim, o que chamou de “vantagem indevida”, tendo em vista a estipulação da jornada especial 12x36 para qualquer setor de atividade, sem, ao menos, a participação das entidades sindicais, favorecendo o empregador com reduções de custo, o que está em desacordo com a Constituição da República.

É sabido, conforme elucidado neste trabalho, que foi editada, pelo então Presidente da República, Michel Temer, a Medida provisória nº 808/2017, com o intuito de fazer algumas correções na lei que concebeu a reforma aqui abordada. Esta foi bem recepcionada pelos entrevistados, de um modo geral, pois, em concordância com o aludido pela Dra. Érika Masin, representante do SINDEAC, tal medida favoreceria as negociações coletivas realizadas pelo sindicato, em razão de entender de extrema relevância a intervenção obrigatória deles, para que as relações de trabalho não se tornem precarizadas, no qual os empregados terão a oportunidade de ajuste de melhores condições. Todavia, o representante do SINDEESS, por não ser favorável à jornada de trabalho 12x36, restou convencido de que a medida provisória também não era conveniente, e estava apenas tentando “domesticar um monstro”, conforme exprimiu.

Diante das indagações feitas em relação à saúde do trabalhador que exerce seu labor no regime do qual foi discorrido, os operadores do direito partilharam de uma mesma opinião, ambos concordando que a maioria dos trabalhadores, por terem, teoricamente, 36 horas para o descanso, irão utilizar-se destas para exercerem outra atividade, como exemplificado pelo Procurador, Dr. Rodrigo Lestrade Pedroso, a função de motorista de aplicativo, o que se tem visto com muita frequência nos dias atuais, trazendo malefícios aos trabalhadores como danos irreparáveis à sua saúde, de acordo com o que será solidificado no próximo capítulo.


6 A JORNADA DE 12H DE TRABALHO SOB PERSPECTIVA INTERNACIONAL

Empenhando-se na busca por argumentos que fundamentem um maior entendimento sobre as eventuais lesões que esse regime causa à saúde, em detrimento da adoção da jornada de 12 horas ininterruptas de trabalho, essa seção do artigo se propõe analisar os estudos publicados nos Estados Unidos, França, Portugal, Reino Unido e Arábia Saudita, que serão utilizados como parâmetros de saúde, sono e qualidade de vida do trabalhador em razão das 12 horas empregues em serviço e suas consequências.

Conforme os entendimentos postulados inicialmente pelo autor Salaheddine Bendak, é interessante ressaltar que os estudos em exame compreendem décadas recentes e são pautados por diferentes opiniões, atribuindo a este tipo de jornada efeitos positivos, negativos e mistos, os quais ainda demandam muita investigação, pois somente “nas últimas décadas, desenvolveu-se uma necessidade crescente de operar muitos locais de trabalho e continuamente durante 24 horas”17, que, predominantemente, envolvem as profissões de saúde e de segurança.

Atentando-se para o regime de 12h de trabalho, comumente chamado pela literatura internacional de twelve-hour shift, afirma o mesmo autor que, a depender do design empregado pela jornada, ou seja, o “padrão de rotação de turnos, número de turnos consecutivos trabalhados, regimes de descanso e turno tempos de início e término”18 o trabalhador pode experimentar variados tipos de fadiga, fato que, “consequentemente, altera sua visão e desempenho durante qualquer duração de turno específico”19 podendo prejudicar, de maneira temerária, a execução da atividade laboral.

Em estudo quantitativo relacionado à produtividade dos profissionais de enfermagem que utilizam-se do regime twelve-hour shift, pôde-se constatar que “os horários de trabalho estendidos podem impactar no cuidado e segurança do paciente”20, pois, efetivamente, “enfermeiros trabalhando em turnos de 8 horas também obtiveram pontuações significativamente mais altas nos domínios de prática físico e profissional do que aqueles que trabalham por 12 horas ou mais”21, denotando a indispensabilidade de se estabelecer períodos destinados a pausas para realização de descanso durante os plantões, para que o desempenho profissional não seja prejudicado.

Caminhando neste mesmo sentido, a autora francesa Fanny Vincent, em seu estudo sobre as perspectivas interdisciplinares sobre o trabalho e saúde, argumenta que algumas experiências vividas por profissionais de saúde na condição de cuidadoras (geriatras) são marcadas pelo desgaste físico e emocional e por rotinas sucessivas. Para a área de saúde “a geriatria é, sem dúvida, vista como o serviço mais pesado para a saúde por parte dos cuidadores [...] devido à conhecida falta de meios e ao pesado fardo física e mental”22 sendo resultante “de um trabalho intenso, no ritmo que ele impõe e na disponibilidade que exige”23, no qual não se dispõe de pausa intrajornada.

Destaca-se desta maneira, a necessidade do já mencionado período para realização de pausas para o descanso, pois, na também pesquisa quantitativa relacionada ao desempenho dos profissionais da saúde, foi verificado que em relação à produtividade destes, evidenciou-se um “declínio extremo nas enfermeiras do turno da noite [...] enquanto as enfermeiras do turno diurno mantiveram a eficácia cognitiva prevista ideal durante todo o estudo”24, implicações estas que denotam traços de insuficiência cognitiva, em razão da privação do sono noturno.

Defronte a esta análise, é possível observar que as consequências causadas pela adoção do regime de 12h de trabalho podem trazer eventuais prejuízos à saúde, e são consideradas, segundo os estudos publicados, inviáveis, “pois os resultados negativos do bem-estar podem levar a um aumento das faltas por doença”25, em razão de produzir um “redimensionamento das demandas de trabalho, o que pode levar à deterioração da condição de saúde e bem-estar, bem como da desestabilização da organização da vida fora do contexto de trabalho”26.

Sendo assim, por intermédio do exame das pesquisas e estudos clínicos postulados, caminha-se agora, no sentido de produzir, de maneira interpretativa, uma análise para se a norma evidenciada neste trabalho dirige-se em consonância aos princípios balizados pelos dispositivos normativos constitucionais, supralegais e infraconstitucionais, que serão desenvolvidos no capítulo a seguir.

Sobre os autores
Jorge Victor Martins Chaves

21 anos, estudante de Direito do 9º período, do Centro Universitário Una, Contagem.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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