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O trabalho escravo contemporâneo na Amazônia e a precarização das relações de trabalho

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Agenda 14/07/2021 às 14:20

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O combate ao trabalho análogo à escravidão é um dos principais desafios sociais da atualidade. Apesar do esforço do Estado brasileiro em ter políticas públicas destinadas a combater essa modalidade de trabalho, essas têm se mostrado insuficientes, na prática, pois ainda há um longo caminho a ser percorrido pelo Brasil até conseguir erradicar o trabalho escravo de seu território.

Muitas são as consequências desta prática exploratória. Infelizmente ainda persiste a incompreensão substancial da dimensão do problema. Sabe-se que não se pode fazer uma interpretação dissociada das questões sociais, econômicas e históricas para se procurar compreender um fenômeno tão complexo. É importante também levar em consideração a negação histórica do Brasil a esse problema.

A escassez de políticas agrárias, a centralização de renda e terra, a ausência do exercício da função social da propriedade, a falta de alternativas de renda para as pessoas, e a vulnerabilidade social dos trabalhadores em razão da pobreza e da baixa escolaridade são fatores que contribuem para a persistência da precarização do trabalho.

Nesse sentido, é imprescindível a criação de mecanismos que possam garantir a dignidade daqueles que são submetidos a essa forma de trabalho, bem como mecanismos capazes de assegurar os seus direitos trabalhistas básicos.

É lamentável que, mesmo com todo o aparato jurídico nacional e internacional de proibição dessas práticas exploratórias, ainda seja frequente a violação dos direitos básicos do trabalhador pelos tomadores de serviço, os quais visam retirar direitos dos trabalhadores com objetivo de obter mais lucros, uma vez que na ótica destes empresários é mais lucrativa a utilização desta mão de obra.

É importante frisar a necessidade de uma atuação mais ativa do Estado para combater essa forma de exploração, através de fiscalização e responsabilização daqueles que cometem este ilícito.

Embora custe reconhecer, a escravidão, a exploração do trabalhador, a violação a direitos humanos e fundamentais e o desrespeito à dignidade humana ainda são problemas atuais a serem superados pelo Brasil e pelo mundo, e cabe a todos nós, seres humanos, agentes capazes de transformar a realidade, lutar para combater, reduzir e eliminar essas mazelas sociais.


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1 https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2013/09/fiscais-flagram-111-operarios-de-cumbica-em-situacao-de escravidao.html

2 REIS, Thiago. Nº de libertados em trabalho análogo ao de escravo é menor desde 2000. globo.com/G1. São Paulo/SP, jan. 2016. Disponível em: . Acesso em 01.03.2017

3 No mesmo sentido essa declaração de Noberto Bobbio: “Quais são os limites dessa possível (e cada vez mais certa no futuro) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem — que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens — ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor” (BOBBIO, 2004: 8).

4 Foi o que aconteceu com o Brasil, em relação ao caso José Pereira, levado a Organização dos Estados Americanos -OEA, abordado no capítulo 2.

5 O Grupo Móvel, formado por Fiscais do Trabalho, Policiais Federais e Procuradores do Trabalho, coordenado pela própria Secretaria de Inspeção em Brasília, passou a atuar de maneira independente, atendendo às denúncias da CPT vindas de todos os lugares, principalmente no Sul do Pará, Norte de Mato Grosso, Maranhão, Tocantins e Bahia. Apesar do esforço individual daqueles agentes do Estado envolvidos na repressão ao problema e das milhares de pessoas que começaram a ser encontradas e resgatadas das perversas condições de aprisionamento por dívida e ameaças, nem sempre ao longo dos anos, essa estrutura oficial teve o suporte logístico, técnico e principalmente político. (AUDI, 2006:76)

6 Franco Filho conceitua o mecanismo do aviamento como uma relação trilateral: de um lado, o mercado regional vende bens ao aviador, que é o dono do barracão (aviamento fixo) ou do regatão (aviamento itinerante), que os avia ao pequeno produtor, o aviado, sem qualquer formalidade ou solenidade, e as vezes, no caso do barracão, adianta-lhe algum dinheiro. O pequeno produtor pagará as mercadorias e o eventual adiantamento ao fim da safra, com os produtos que colher. No entanto, a realidade a conta jamais é encerrada, transformando o pequeno produtor ou trabalhador do interior da Amazônia em devedor eterno do comerciante, o que significa, então, uma espécie de trabalho forçado, na medida em que o aviado é obrigado a trabalhar para, produzindo, transferir a totalidade do obtido ao seu credor. O aviador recebe os produtos colhidos e os repassa ao mercado regional. (FRANCO FILHO, apud CHAVES, 2006:89)

7 Conforme os trabalhos realizados por PEREIRA (2015), HÉBBET (2004) e MARTINS (2009).

8 No mesmo sentido BECKER (2001) “O Estado tomou a si a iniciativa de um novo e ordenado ciclo de devassamento amazônico, num projeto geopolítico para a modernidade acelerada da sociedade e do território nacionais. Nesse projeto, a ocupação da Amazônia assumiu prioridade por varias razões. Foi percebida como solução para as tensões sociais internas decorrentes da expulsão de pequenos produtores do Nordeste e do Sudeste pela modernização da agricultura. Sua ocupação também foi percebida como prioritária, em face da possibilidade de nela se desenvolverem focos revolucionários” (BECKER, 2010:136).

9 OLIVEIRA (1987); HALL (1989); LOUREIRO (1992); SCHMINK (1992); MARTINS (1993).

10 Conhecidos como recrutadores de mão-de-obra escrava, prometem bons salários, boas condições de trabalho, e em algumas situações até adiantam dinheiro à família do trabalhador, iniciando assim o ciclo da escravidão por dívida.

11 O posseiro é aquele trabalhador rural que ocupa terra devolutas, não tem nenhum tipo de documento que o defina como possuidor de suas terras e, embora sendo expulso ou vivendo em constantes ameaças de expulsão, não ocupa uma área que já tenha título de propriedade, um dono anterior a sua posse. O posseiro é visto como aquele que sofre a ação e não a exerce. É aquele trabalhador que reage à ação violenta dos que querem expulsá-lo da terra. As suas lutas surgiram “espontâneas” e defensivamente como resistência à ação. (PEREIRA, 2003: 63)

12 [...] A terra torna-se mercadoria da mesma forma como qualquer outra. De base e expressão maior do poder, numa economia extrativista não-especificamente capitalista, ela passa a ter uma expressão, em certo sentido secundário, numa economia fundamentada no capital industrial-financeiro. Isto ficou patente com os novos latifúndios apropriados pelos grandes bancos como o Bamerindus em Marabá (54.597 ha) ou o Bradesco em Conceição do Araguaia (61.036 ha) ou ainda pelas indústrias multinacionais como a Volkswagen (139.392 ha) em Santana do Araguaia (INCRA, 1980). (EMMI apud LOBATO, 2010:5).

13 Essa opção era também política: por esse meio, o governo assegurava a sobrevivência econômica e política das oligarquias fundiárias, controladoras do poder regional nos estados do Centro-Oeste e do Norte. Assim não ficavam privadas da renda da terra, privação que seria a solução alternativa, por meio de uma reforma agrária que abrisse o território à expansão capitalista. (MARTINS, 2009: 76)

14 Comprometeu-se ainda o Governo Federal em trazer mão-de-obra barata de outros pontos do Brasil (nordestinos que fugiam da seca, em especial), para atuar nas frentes de trabalho (abertura de estradas, desmatamento, construção de portos, aeroportos etc.). Esses milhares de trabalhadores, após concluídas as obras, ficaram na região em busca de terra e das oportunidades de trabalho que, de qualquer forma, lhes pareciam ser – na Amazônia –, mais promissoras do que aquelas que já conheciam e haviam enfrentado em suas terras de origem. A população da Amazônia, que era de 2.601.519 habitantes em 1960, havia ascendido a 4.197.038 em 1970. (LOUREIRO, 2005: 79)

15 É o que justifica o fato de os maiores registros das violências praticadas contra os trabalhadores e militantes das causas humanitárias terem sidos compiladas pela CPT, o Estado era totalmente apático a isso, razão pela qual havia um profundo desinteresse em reconhecer e combater essa prática.

16 Ordenado sacerdote em 1952, chegou ao Brasil, em 1968, e no mesmo ano radicou-se na localidade de Serra Nova, depois município de são Félix do Araguaia, onde seria ordenado bispo em 1971. Em 1975, lidera o movimento de criação da Comissão Pastoral da Terra- CPT. Destacaria na defesa dos povos indígenas, dos camponeses e trabalhadores rurais. Especialmente em Mato Grosso, indígenas e camponeses viviam, então, sob a extrema violência das forças policiais federais e estaduais, sofrendo toda a sorte de agressão, desde a expropriação da terra à exploração selvagem da sua força de trabalho, inclusive em regime de escravidão. Como tão bem registra o parecer produzido por uma Comissão do Conselho Universitário da UNICAMP, que lhe concedeu o título de Doutor Honoris Causa, em 2000. D. Pedro “fez da questão social a causa maior de toda a sua existência”, defendendo de forma pacifica, mas intransigente, os direitos humanos nos países do terceiro mundo e, em particular, no Brasil. (AUDI, 2006:75)

17 “Foi nesse espaço que brotaram as Comunidades Eclesiais de Base (CEB) que se tornaram, durante o período militar, a forma privilegiada de organização de resistência camponesa, reforçada pela atuação da Comissão da Pastoral da Terra (CPT). No Brasil dos anos 70, as CEBs e a CPT representavam para a Igreja Católica pós- Concílio Vaticano II, uma proposta de revisão da concepção da vivencia religiosa pessoal e de mudança na prática social, via engajamento político...” (HÉBETTE, 2002: 210)

18 O projeto permitiu “suprir até 75% das necessidades de capital do projeto amazônico (...) sem ter nunca que devolver o dinheiro dessa renúncia fiscal da nação brasileira (Pinto, 2001, 113). O investimento global foi orçado na época a Cr$ 189.622.156, equivalente a R$ 364.227.271,63, esperando um lucro de Cr$ 18.357.453,00, equivalente a R$ 35.261.095,86 (Sudam, 1974, 3), baseado sobre a produção (BUCLET, 2006: 3)

19 O projeto previa uma série de benefícios aos trabalhadores, conforme o excerto a seguir, extraído dos registros da SUDAM: “Às famílias residentes na fazenda, a Companhia proporcionará assistência médica, odontológica educacional, alimentar, espiritual e recreativa. O espírito comunitário será inicialmente desenvolvido mediante conscientização dos habitantes e posteriormente mantido no mais alto grau, de modo que a sociedade tenda para evolução gradativa, predispondo o homem ao trabalho, na certeza da importância que eles têm para o êxito empresarial, conforme se expõe abaixo:

É, pois para esse homem de trabalho na fazenda, como empreendimento sociológico, que se voltarão também as vistas da Companhia Vale do Rio Cristalino, na certeza de que o homem consciente de seu valor e responsável é a mais importante chave do êxito empresarial [Grifo nosso] (SUDAM apud BUCLET, 2006:4).

Sobre a autora
Heide Patricia Nunes de Castro

Graduação em Direito- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará- UNIFESSPA. Gaduação em Letras- Universidade Federal do Pará- UFPA. Especialista em Gestão Publica- UFPA. Especialista em Direito do Trabalho - Instituto Pro-Minas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Heide Patricia Nunes. O trabalho escravo contemporâneo na Amazônia e a precarização das relações de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6587, 14 jul. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/91859. Acesso em: 23 dez. 2024.

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