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Princípio da presentação

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Agenda 26/09/2021 às 12:00

O artigo visita o princípio da presentação, figura jurídica comumente confundida com o instituto da representação.

“Creio que não se pode fazer nada de grande na vida se não se fizer representar o personagem que existe dentro de cada um de nós.” - Charles Chaplin

1. Introdução.

É muito comum ver em instrumentos jurídicos, em especial nos arrazoados judiciais e em instrumentos contratuais a referência de que determinada pessoa jurídica, para a prática do ato, é “representada” por seu(s) sócio(s)-gestor(es), administrador(es), conselho(s), diretoria(s), dentre outros órgãos estatutários/sociais.[1]

Ocorre que tal expressão não reflete, com exatidão, o que se passa no mundo jurídico, haja vista que o termo tecnicamente adequado para tal é presentação, no sentido de tornar-se a pessoa jurídica presente, restringindo-se o uso da expressão representação para aqueles casos legalmente previstos para conferir validade e legitimidade a atos de pessoas naturais que sofrem alguma espécie de restrição na prática do ato, sozinhas[2].

2. Princípio da Presentação. Precisão técnico-jurídica.

A utilização do termo presentação para indicar de que determinada pessoa jurídica atua em ato próprio foi idealizada e propagada por Pontes de Miranda. Consoante o ilustre doutrinador “os atos dos órgãos das pessoas jurídicas são atos das pessoas jurídicas (princípio da presentação - e não representação - da pessoa jurídica pelos órgãos): "Consideram-se praticados pelas sociedades os atos dessa natureza provenientes de seus diretores, gerentes ou liquidantes".”[3]

Ensina o jurista alagoano, quanto à legitimidade na pratica de atos das pessoas jurídicas que “Os estatutos é que traçam o poder do órgão, isto é, aponta os atos que pode praticar. Assembléia, de regra, não pode diminuir tal poder, sem modificação dos estatutos, nem distribuí-los diferentemente. Outrossim, aos estatutos caber dizerem qual a forma, quais os trâmitese quais osrecursos internospara que os atos tenham validade e eficácia”.[4]

Para que determinada pessoa jurídica possa exercer um determinado negócio jurídico mostra-se necessário aferir se as pessoas físicas ou órgãos que a presentam (=a tornam presente para a prática do ato jurídico) possuem autorização legal, estatutária ou contratual para tanto. Assim, a pessoa jurídica --- na cirúrgica observação de Pontes de Miranda --- são presentados, isto é, a sociedade faz-se presente na prática de atos jurídicos pela pessoa ou conjunto de pessoas expressamente indicadas nos atos constitutivos/sociais. Nesse contexto, não há se falar em representação de pessoas jurídicas, eis que às mesmas não são aplicáveis os preceitos de incapacidade, relativa ou absoluta, tal qual as que estão submetidas as pessoas físicas/naturais.

 De forma similar e seguindo o mesmo raciocínio, é nos estatutos/contrato social onde se identifica o principal estabelecimento empresarial, para fins falimentares ou de recuperação empresarial.[5]

As pessoas jurídicas tem autonomia e são inconfundíveis com as pessoas de seus componentes (=sócios, acionistas, controladores, gestores, etc) e apenas em hipóteses específicas é que o ordenamento jurídico possibilita a chamada desconsideração da personalidade jurídica.

Atualmente, a desconsideração da personalidade jurídica encontra previsão no Código Civil[6] (artigo 50, com redação conferida pela Lei de Liberdade Econômica), Consolidação das Leis Trabalhistas, Lei Ambiental, Lei Anticorrupção, Lei de Defesa da Concorrência, Código de Defesa do Consumidor[7], dentre outros diplomas legais.

Visando impedir a utilização abusiva e em detrimento de terceiros, a experiência jurídica criou a denominada desconsideração da personalidade jurídica.

 A Lei 13.874, de 20 de setembro de 2019, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica fez as seguintes alterações no Código Civil:

“Art. 49-A.  A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.”

“Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§ 1º  Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§ 3º  O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§ 4º  A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§ 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.” (NR)

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Nessa senda, antes mesmo da edição do Código de Processo Civil de 2015, que trouxe regramento quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, a jurisprudência do STJ pacificou o entendimento de que a aplicação da teoria da disregard doctrine dispensava a propositura de ação autônoma: REsp 418.385/SP, Relator: Ministro Aldir Passarinho Júnior, j. 19.6.2007; REsp1.034.536/MG, Relator: Ministro Fernando Gonçalves, j. 5.2.2009; AgRgAgravo em Recurso Especial 9.925/MG, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, j. 8.11.2011; REsp 1.096.604/DF, Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, j. 2.8.2012; AgRgREsp 1.182.385/RS, Relator: Ministro Luís Felipe Salomão, j. 6.11.2014.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, sendo que sua instauração suspende o processo. Por expressa disposição legal contida no artigo 1.062 do Código de Processo Civil, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica aplicar-se-á ao processo de competência dos juizados especiais.

A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) aprovou o Enunciado 53 em que expressa o entendimento de ser inaplicável o incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais --- "redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica previsto no art. 133 do CPC/2015" --- entendimento que vem sendo adotada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

Conquanto inaplicável o incidente de desconsideração da personalidade jurídica em sede de execução fiscal, em razão de sua incompatibilidade com o sistema de cobranças de créditos públicos, não pode ser olvidado que “Em linhas gerais, o incidente de desconsideração da personalidade jurídica passa a ser um procedimento obrigatório para inclusão do terceiro no polo passivo de uma execução, não significando a necessidade da abertura de uma ação autônoma, mas sim um procedimento incidente. O pedido pode vir na própria petição inicial, situação em que o sócio ou a sociedade serão concomitantemente citados e incluídos como réus no processo. Mas também será possível – que acredita ser o mais comum – haver um pedido incidental para instauração do incidente do art. 133 e seguintes do CPC.” LUSTOZA, Helton Kramer. Inaplicabilidade do Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica na Execução Fiscal. RPGDF 42, Número 1, jan/jun-2019, p. 140.

Como bem leciona o empresarialista Fábio Ulhoa Coelho: "A pessoa jurídica não se confunde com as pessoas que a compõem. Este princípio, de suma importância para o regime dos entes morais, também se aplica à sociedade empresária. Tem ela personalidade jurídica distinta da de seus sócios; são pessoas inconfundíveis, independentemente entre si [...]. A personalização das sociedades empresariais gera três consequências bastante precisas, a saber: a) Titularização negocial - quando a sociedade empresarial realiza negócios jurídicos (compra matéria-prima, celebra contrato de trabalho, aceita um duplicata, etc), embora ela o faça necessariamente pelas mãos de seu representante legal (Pontes de Miranda diria "presentante legal", por não ser a sociedade incapaz), é ela, pessoa jurídica, como sujeito de direito autônomo, personalizado, que assume um dos pólos da relação negocial. O eventual sócio que representou não é parte do negócio jurídico, mas sim a sociedade, b) Titularidade processual - a pessoa jurídica pode demandar e ser demandada em juízo; tem capacidade para ser parte processual. A ação referente a negociação da sociedade deve ser endereçada contra a pessoa jurídica e não o seus sócios ou seu representante legal. Quem outorga mandato judicial, recebe citação, recorre, é ela como sujeito de direito autônomo, c) Responsabilidade patrimonial – em consequência, ainda, de sua personalização, a sociedade terá patrimônio próprio, seu, inconfundível e incomunicável com o patrimônio individual de cada um de seus sócios. Sujeito de direito personalizado autônomo, a pessoa jurídica responderá com o seu patrimônio pelas obrigações que assumiu. Os sócios, em regra, não responderão pelas obrigações da sociedade. Somente em hipóteses excepcionais, que serão examinadas a seu tempo, poderá ser responsabilizado o sócio pelas obrigações da sociedade”.[8]

O civilista J. M. Carvalho Santos ensina que a prática do ato será legítima: “quando contida nos termos que expressamente são fixados como lei” e como asseverado “ordinariamente a própria lei particular de constituição, contrato ou estatuto, define a natureza e a extensão das atribuições conferidas” e que “aí são indicadas as suas funções e os limites do poder de representação (Espínola, Sistema, pág. 445; Chironie Abello, obr. Cit., página 161)”.[9]

Na precisão técnico-jurídica, a pessoa jurídica, portanto, praticará os atos jurídicos na consonância do que prevê seus atos constitutivos e quem os pratica torna presente a pessoa jurídica, daí falar-se em presentante e não representante. Assim, o ato para revestir-se de legitimidade deverá ser praticado por presidente, gestor/administrador, comitê, de forma conjunta ou separadamente, tudo a depender da previsão legal ou constitutiva.

Assim, inconfundíveis são as figuras jurídicas denominadas representação[10] e presentação.

Há também outra hipótese na qual se prestigia mais o terceiro de boa-fé do que os rigores previstos nos instrumentos jurídicos estatutários ou contratuais das pessoas jurídicas, que é o caso da aplicação da teoria da aparência.

3. Jurisprudência.

Sobre o princípio da presentação, conforme asseverado acima, a jurisprudência se manifesta da seguinte maneira:

DIREITO DO CONSUMIDOR. AGRAVOS RETIDOS RATIFICADOS. PRODUÇÃO DE PROVAS. DESNECESSIDADE. APELAÇÃO CÍVEL. ILEGITIMIDADE ATIVA DA PESSOA FÍSICA QUE PRESENTA A PESSOA JURÍDICA. ALTERAÇÕES NAS CARACTERÍSTICAS DE FÁBRICA. PERDA DA GARANTIA. DIREITOS DE PERSONALIDADE E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. NÃO VIOLAÇÃO. DANOS MORAIS AFASTADOS. 1. Ao juiz, sendo o destinatário da prova, incumbe verificar a necessidade de sua realização. Não sendo o caso, poderá proceder ao julgamento antecipado da lide sem incorrer em cerceamento de defesa. 2. Há ilegitimidade ativa da pessoa física para a reparação por danos materiais e morais ocorridos com pessoa jurídica sendo aquela apenas presentante desta. 3. Diante das alterações realizadas nas configurações de fábrica do veículo, perde-se o direito à garantia. 4. Ainda que a parte seja beneficiária da assistência judiciária haverá a necessidade de se proceder à condenação referente às verbas de sucumbência, sendo certo que a única consequência dessa condição é a suspensão da respectiva exigência, conforme previsão contida no art. 12 da Lei nº 1.060/50. 5. Afasta-se a verba indenizatória a título de dano moral em razão da ausência de ofensa aos direitos de personalidade e à dignidade da pessoa humana. 6. Recursos de agravo retido não providos. Preliminar de legitimidade ativa rejeitada. Recurso de apelação parcialmente provido.” TJDFT, 3ª Turma Cível, Apelação Cível 20090111950925, Acórdão: 639742, Relator: Desembargador Mário-Zam Belmiro, Revisor: Desembargador Rômulo de Araújo Mendes, DJE 10/12/2012.

"AGRAVO DE INSTRUMENTO - PEDIDO DE FALÊNCIA - CITAÇÃO - ALEGAÇÃO DE CERCEIO DE DEFESA - LIQUIDEZ DO TÍTULO. 01. Se o sócio administrador é aquele que exterioriza as vontades da sociedade e que, perante terceiros, representa (ou presenta, na linguagem de Pontes de Miranda) a sociedade, deve ele ser citado para apresentar "Embargos" ao Pedido de Falência e, querendo, fazer o "depósito elisivo". 02.Se, no momento oportuno, não exerceu sua faculdade de elidir a falência não pode, agora, pretender a citação da terceira sócia, alegando violação às garantias do contraditório e da ampla defesa, notadamente porque os mencionados princípios foram devidamente observados ao conceder o prazo inicial para apresentação de Embargos e Depósito Elisivo. 03.O art. 585, inciso IV do CPC considera título executivo extrajudicial, podendo ser cobrado pela via executiva, a renda certa decorrente de contrato de locação.04.Recurso desprovido. Unânime.” TJDFT, 5ª Turma Cível, Processo 20050020040121, Acórdão: 226671, Relator: Desembargador Romeu Gonzaga Neiva, Julgamento: 15/8/2005, DJU SEÇÃO 3 de 13/10/2005, p. 70.

“A citação do réu, em se tratando de pessoa jurídica, há de se fazer perante o órgão que a "presenta", segundo a regra do art-215, do CPC. Compete ao autor fornecer com precisão os dados necessários a que o oficial de justiça cumpra a contendo o mandato citatório.” TJDFT, 2ª Turma Cível, Apelação Cível 1240384, Acórdão: 31513, Relator: Desembargador Luiz Cláudio Abreu, Julgamento: 12/09/1984, DJU SEÇÃO 2 de 08/10/1984, p. 16.

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIMES DE SONEGAÇÃO FISCAL E APROPRIAÇÃO INDÉBITA TRIBUTÁRIA (LEI N. 8.137/1990, ART. 1º, INC. I, E ART. 2º, INC. II). INÉPCIA DA INICIAL ACUSATÓRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP. DENÚNCIA GENÉRICA NÃO EVIDENCIADA. DEMONSTRADA A MÍNIMA CORRELAÇÃO DOS FATOS DELITUOSOS COM A ATIVIDADE DO ACUSADO. JUSTA CAUSA. LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO EVIDENCIADO. PROCESSO CRIMINAL INSTRUÍDO COM BASE EM DADOS DECORRENTES COMPARTILHAMENTO DE DADOS FINANCEIROS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS COM A AUTORIDADE FISCAL. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. RECURSO DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Cumpre esclarecer que a jurisprudência dos tribunais superiores admite o trancamento do inquérito policial ou de ação penal, excepcionalmente, nas hipóteses em que se constata, sem o revolvimento de matéria fático-probatória, a ausência de indícios de autoria e de prova da materialidade, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, o que não se observa neste caso. Precedentes. 2. A conduta de inadimplir o crédito tributário, de per si, pode não constitui crime. Caso o sujeito passivo declare todos os fatos geradores à Administração Tributária, conforme periodicidade exigida em lei, cumpra as obrigações tributárias acessórias e mantenha a escrituração contábil regular, não há falar em sonegação fiscal (Lei n. 8137/1990, art. 1º), mas mero inadimplemento, passível de execução fiscal. Os crimes contra a ordem tributária, exceto o de apropriação indébita tributária e previdenciária, além do inadimplemento, pressupõe a ocorrência de alguma forma de fraude, que poderá ser consubstanciada em omissão de declaração, falsificação material ou ideológica, a utilização de documentos material ou ideologicamente falsos, simulação, entre outros meios. 3. A alegação de inépcia da denúncia deve ser analisada de acordo com os requisitos exigidos pelos arts. 41 do CPP e 5º, LV, da CF/1988. Portanto, a peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias, de maneira a individualizar o quanto possível a conduta imputada, bem como sua tipificação, com vistas a viabilizar a persecução penal e o contraditório pelo réu. Precedentes. 4. In concreto, a inicial acusatória preenche os requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve detalhadamente os elementos essenciais da conduta do réu, ora recorrente, nos termos do art. 1º, inciso I, e do art. 2º, inciso II, ambos da Lei n. 8.137/1990. O dominus litis subsume as condutas do réu aos tipos em tela, indicando tanto o inadimplemento do crédito tributário, como a fraude, para caracterizar a sonegação fiscal. Nos termos da exordial acusatória, na condição de único administrador, teria recorrente suprimido tributos federais, mediante a apresentação de declaração de imposto de renda da pessoa jurídica - DIPJ 2008, referente ao ano-calendário de 2007, com os valores relativos à receita bruta zerados, tendo, ainda, omitido-se no ano-calendário de 2008, deixando de apresentar as diversas declarações fiscais acessórias. 5. Pontue-se a necessária distinção conceitual entre denúncia geral e genérica, essencial para aferir a regularidade da peça acusatória no âmbito das infrações de autoria coletiva, em especial nos crimes societários (ou de gabinete), que são aqueles cometidos por presentantes (administradores, diretores ou quaisquer outros membros integrantes de órgão diretivo, sejam sócios ou não) da pessoa jurídica, em concurso de pessoas. A denúncia genérica caracteriza-se pela imputação de vários fatos típicos, genericamente, a integrantes da pessoa jurídica, sem delimitar, minimamente, qual dos denunciados teria agido de tal ou qual maneira. Patente, pois, que a criptoimputação da denúncia genérica vulnera os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, bem como a norma extraída do art. 8º, 2, "b" e "c", da Convenção Americana de Direitos Humanos e do art. 41 do CPP, haja vista a indevida obstaculização do direito conferido ao acusado de preparar dignamente sua defesa. 6. Imprescindível explicitar o liame do fato descrito com a pessoa do denunciado, malgrado a desnecessidade da pormenorização das condutas, até pelas comuns limitações de elementos de informações angariados nos crimes societários, por ocasião do oferecimento da denúncia, sob pena de inviabilizar a persecução penal nesses crimes. A acusação deve correlacionar com o mínimo de concretude os fatos delituosos com a atividade do acusado, não sendo suficiente a condição de sócio da sociedade, sob pena de responsabilização objetiva. 7. Nos termos da denúncia, o Parquet não se limitou a transcrever trechos dos tipos penais imputados e indicar simplesmente a condição de administrador do recorrente, tendo efetivamente descrito os atos fraudulentos utilizados para a realização da evasão fiscal, bem como a retenção indevida do IRPF descontado dos trabalhadores. Outrossim, vinculou concretamente, com verossimilhança, as condutas descritas às funções ordinariamente exercidas por um administrador, a fortiori, diante da conclusão do dominus litis no sentido de ser o recorrente único administrador de fato e de direito da sociedade empresária Crown Processamento de Dados Ltda., posteriormente transformada em sociedade anônima, sob a denominação Crown Processamento de Dados S/A, tendo sido o recorrente eleito diretor presidente. 8. A denúncia foi instruída com elementos de informação capazes de provar a materialidade dos crimes tributários em questão, tendo apontado inícios suficientes de autoria ao réu, ora recorrente. A Representação Fiscal para fins Penais (e-STJ, fls. 378/392) aponta a materialidade de sonegação fiscal, e não mero inadimplemento. Consta que o recorrente não atendeu sistematicamente às intimações da Receita Federal, embaraçando a fiscalização de possíveis omissões de receitas tributáveis, razão pela qual foram solicitadas informações às instituições financeiras para instruir o competente procedimento administrativo fiscal. Apurou-se o débito tributário de R$ 8.203.914,42 (oito milhões, duzentos e três mil, novecentos e quatorze reais e quarenta e dois centavos). A partir das informações decorrentes do compartilhamento do sigilo bancário (e-STJ, fls. 501-1749), diversos documentos apontam a existência de grande volume de movimentações de recursos financeiros nos anos de 2007 e de 2008, período em que houve, em tese, fornecimento incorreto de receita (receita zero), e ausência de declarações de rendas tributáveis da pessoa jurídica. 9. No que toca aos indícios de autoria, a 6ª alteração contratual (e-STJ, fls. 81-85), em especial os itens 5.2 a 5.4 (e-STJ, fl. 83), aponta expressamente ser o recorrente o único administrador, cabendo exclusivamente a ele presentar ativa e passivamente a sociedade, bem como utilizar a denominação social. Outrossim, a sócia Crown Holding e aquisições Ltda., cujo presentante era o recorrente, detinha 99% (noventa e nove por cento) do capital social da sociedade Crown Processamento de Dados Ltda.; por outro lado, o sócio minoritário, Aluísio Mol de Freitas, detinha simbólicos 1% (um por cento) do capital social, artifício comumente utilizado pelos efetivos empresários individuais simularem a existência de uma sociedade, com o fim de gozar da limitação de responsabilidade conferida às sociedades empresárias. Mais do que isso, os depoimentos de Saul Vaz da Silva Nato e Aluísio Mol de Freitas (e-STJ, fls. 72-79) confirmam que o recorrente era efetivamente o único administrador da sociedade. 10. Diante das circunstâncias narradas, não se pode vislumbrar conclusão diversa senão a existência, ao menos, de indícios de que o recorrente teria efetivamente sonegado pagamento de tributos. Ressalte-se que os indícios de autoria imputados não implicam sua condenação antecipada, o que indicaria inarredável ilegalidade. Muito pelo contrário, o órgão ministerial, diante da materialidade do crime e dos indícios de autoria, ao promover a denúncia, mostrou-se cumpridor do desiderato da obrigatoriedade da ação penal pública incondicionada. 11. A Lei Complementar 105/01 regulamenta a intimidade e vida privada relativas às informações bancárias dos indivíduos, reafirmando ser o sigilo bancário a regra a ser seguida pelas instituições financeiras, consoante afirma art. 1º da referida Lei. Entrementes, quando indispensáveis ao êxito do lançamento tributário, o art. 6º possibilita o acesso de dados bancários do sujeito passivo tributário pelo Fisco, por meio de requisição de informação de movimentação financeira (RMF), para identificação por meio de legítima atividade fiscalizatória, do patrimônio, dos rendimentos e das atividades econômicas, vedando-se, contudo, a divulgação dessas informações, com o fim de resguardar a intimidade e a vida íntima do correntista. Trata-se, pois, de verdadeiro compartilhamento sigiloso de informações bancárias de instituições financeiras para à Administração Tributária, motivo pelo qual não há falar em quebra de sigilo, mas mera transferência desse sigilo, cuja violação acarreta sanção penal ao responsável (LC 105/01, art. 10). 12. Malgrado esta Corte admita o intercâmbio de informações entre as instituições financeiras e a autoridade fiscal para fins de constituição do crédito tributário, isso não significa que o dominus litis possa utilizar-se de tais dados para que seja deflagrada ação penal, porquanto representa verdadeira quebra de sigilo constitucional, inserida em reserva de jurisdição, e não mero compartilhamento de informações. Como cediço, o sigilo bancário, garantido no art. 5º da Constituição da República, somente pode ser suprimido por ordem judicial devidamente fundamentada, nos termos do artigo 93, inciso IX, da Constituição. Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal, que firmou o entendimento que é imprescindível prévia autorização judicial da representação fiscal para fins penais, caso contenha dados bancários sigilosos, devidamente compartilhados com a autoridade fiscal para consecução do lançamento fiscal. 13. Verifica-se que a representação fiscal para fins penais que subsidiou a denúncia policial baseou-se, entre outros dados, na análise das movimentações financeiras da sociedade empresária Crown Processamento de Dados S/A, obtidas por RMF pela autoridade fiscal, o que, como visto, não é admitido pelo ordenamento jurídico pátrio. Trata-se, pois, de evidente prova ilícita produzida em desfavor do réu, o que revela o constrangimento ilegal a que está submetido. 14. O reconhecimento da ilegalidade da quebra do sigilo bancário sem prévia autorização judicial para fins penais, entrementes, não enseja, de per si, o trancamento da persecução penal, porquanto as peças processuais acostadas aos autos não permitem aferir se haveria ou não outras provas hábeis a justificar a instauração do procedimento inquisitorial, ou mesmo o oferecimento de denúncia. 15. Recurso desprovido. Ordem concedida de ofício, apenas para determinar o desentranhamento dos autos do processo criminal todas as provas decorrentes da quebra do sigilo bancário do recorrente sem autorização judicial.” STJ, 5ª Turma, RHC 72.074/MG, Relator: Ministro Ribeiro Dantas, julgado em 6/10/2016, DJe 19/10/2016.

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO MINISTERIAL PÚBLICO. PRAZO RECURSAL QUE COMEÇA A FLUIR DA CIÊNCIA INEQUÍVOCA DA DECISÃO PELO PRESENTANTE DO PARQUET. Inexistente a comprovação de ingresso dos autos em setor administrativo do Ministério Público, prevalece a data em que o cartório judicial expediu certidão de ciência do presentante do Parquet. Apelação intempestiva. Precedente: HC 83.915. Recurso provido.” STF, 1ª Turma, RHC 88110, Relator: Ministro Carlos Britto, julgado em 29/6/2006, DJ 17/11/2006.

PRISÃO CIVIL. Depósito judicial. Depositário infiel. Infidelidade. Não caracterização. Estoques de álcool (15 milhões de litros). Bens pertencentes à empresa empregadora. Sequestro. Depósito em mãos de empregada. Impossibilidade factual e jurídica de custódia dos bens. Desvio negocial de parte do volume depositado. Ato imputável aos presentantes da empresa. Decreto da prisão da paciente por um ano. Desproporcionalidade. Medida cautelar que, ademais, caducou. Constrangimento ilegal tipificado. Ofensa ao art. 5º, LIV, da CF. HC concedido. Votos vencidos. Não se caracteriza, para efeito de prisão civil, infidelidade da empregada que, recebendo, em medida cautelar de seqüestro, o encargo de depositária judicial de obra de quinze milhões de litros de álcool, pertencentes à empresa empregadora, não tinha possibilidade factual nem jurídica de custodiar tais bens, em parte desviados mediante negócios da proprietária mesma.” STF, 1ª Turma, HC 83416, Relator:Ministro Carlos Britto, Relator p/ Acórdão:Ministro Cezar Peluso, julgado em 14/10/2003, DJ 12/8/2005.

4. Conclusões

O princípio da presentação, expressão cunhada por Pontes de Miranda significa que a pessoa jurídica torna-se presente para a prática de atos jurídicos conforme as diretrizes traçadas nos respectivos atos constitutivos/sociais. Na precisão da linguagem técnico-jurídica, a pessoa jurídica praticará os atos jurídicos na consonância do que prevê seus atos constitutivos/sociais e quem os pratica torna presente a pessoa jurídica, daí falar-se em presentante e não representante. Assim, o ato jurídico para revestir-se de legitimidade deverá ser praticado por presidente, gestor/administrador, comitê, de forma conjunta ou separadamente, tudo a depender da previsão legal ou constitutiva/social respectiva, sob pena de invalidade.

Sobre o autor
Horácio Eduardo Gomes Vale

Advogado Público em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALE, Horácio Eduardo Gomes. Princípio da presentação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6661, 26 set. 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/93475. Acesso em: 22 dez. 2024.

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