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A prisão preventiva e a garantia da duração razoável do processo

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Agenda 30/07/2022 às 08:45

Examina-se a necessidade de previsão legislativa sobre o prazo de duração da prisão preventiva.

Introdução.

O trabalho ora proposto enfoca analisar se a ausência de limites temporais máximos da prisão preventiva viola a garantia da duração razoável do processo.

A prisão preventiva é uma modalidade de prisão cautelar imposta ao suposto autor do crime. Sua aplicação só é permitida quando as outras medidas cautelares não se mostrarem suficientes e adequadas, ou seja, a prisão preventiva só deve ser aplicada como medida excepcional e não como regra.

No entanto, atualmente, segundo dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), no ano de 2019, a população carcerária do Brasil somava o total de 748.009 (setecentos e quarenta e oito mil, e nove) presos, sendo que 222.558 (duzentos e vinte e dois mil, quinhentos e cinquenta e oito) deles eram presos provisórios[1]. Isto é, mais de 29% de todas as pessoas presas no país não foram condenadas definitivamente.

Nesse sentido, os altos índices de presos provisórios no sistema brasileiro evidenciam, ainda mais, que a prisão está sendo utilizada como regra. Assim é notável o desrespeito as garantias da duração razoável do processo, dignidade da pessoa humana, estado de inocência e devido processo legal, conforme será explanado no trabalho.

Discorrer sobre esse assunto se mostra urgente e extremamente importante, tendo em vista que a Carta Constitucional é nitidamente garantista.

O primeiro tópico do trabalho, intitulado a garantia da duração razoável do processo que decorre do princípio de mesmo nome, destinou-se a averiguar as origens históricas da garantia, bem como o que ela representa, além disso, foi abordado os parâmetros utilizados pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos para efetivação da duração razoável do processo.

Em seguida, o segundo tópico, denominado a prisão preventiva no ordenamento jurídico pátrio, tratou de analisar a sistemática da prisão preventiva no sistema brasileiro, isto é, conceitos, requisitos, cabimento, revisão e a ausência de prazo de duração da prisão preventiva no Código de Processo Penal e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Por fim, o terceiro tópico tratou especificamente da necessidade de previsão legislativa sobre o prazo de duração da prisão preventiva, buscou-se aferir que a falta de prazo viola inúmeras garantias previstas na Constituição Federal e Convenção Americana Sobre Direitos Humanos e, portanto, se mostra extremamente danosa.

Para a instrumentalização do presente trabalho, optou-se pela utilização do método de pesquisa essencialmente bibliográfico, por meio de análise conjunta e exaustiva de livros, doutrinas, artigos relacionados à temática das prisões cautelares, como o propósito de levantar reflexões sobre o tema.

Por fim, o estudo passou pela Constituição Federal, Código de Processo Penal e Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além de alguns julgados do Supremo Tribunal Federal.

2. A garantia da duração razoável do processo que decorre do princípio de mesmo nome

Cabe, inicialmente, tecer breves considerações acerca das origens da duração razoável do processo.

O primeiro documento considerado como o provável nascimento do direito à duração razoável do processo foi a Magna Charta Libertatum, na Inglaterra, do rei João Sem-Terra, o monarca fez o compromisso de diminuir o poder soberano, o que serviu de parâmetro para o moderno constitucionalismo[2].

Embora, incorporado de forma um pouco acanhada, o direito à duração razoável encontrava-se previsto no artigo 40 do referido texto, sendo que assegurava que o acesso à justiça em nenhuma hipótese poderia ser atrasado [3]: To no one will we sell, to one will we refuse or delay, right or justice[4].

No século XVII, com o surgimento do Iluminismo o direito penal passou por algumas reformas, por meio dos ideais preconizados por Cesare Beccaria [5]. O autor sempre defendeu que as penas devem ser proporcionais aos crimes, e que sejam garantidos ao acusado tempo e meios para que ele apresente sua defesa, ainda assim, argumentou que o processo não deveria ser excessivamente estendido para não gerar um sofrimento ao acusado [6].

No mesmo período, e com grande inspiração do movimento iluminista foi elaborada a Declaração dos Direitos da Virgínia, o documento trouxe a garantia ainda bastante agarrado ao devido processo legal[7], na section 8, localizava-se a garantia a um speedy trial, traduzido como julgamento rápido [8].

Não obstante, apenas no século XX, após as monstruosas atrocidades observadas na II Guerra Mundial, teve início uma real e efetiva internacionalização dos direitos humanos[9], ocorrendo, com isso, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e aprovação e promulgação em 1948 da Declaração Universal dos Direitos Humanos[10]. Embora, não tenha trazido a garantia em seu texto de forma expressa, ela foi utilizada com fonte direta para a Convenção Europeia dos Direitos do Homem[11].

Nesse cenário, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos conhecida como Convenção de Roma, firmada em 04 de novembro de 1950, foi o primeiro documento que regulou expressamente à garantia da duração razoável do processo[12].

O documento foi considerado como original e inovador para sua época, em virtude disso, serviu como influência para a Convenção Americana sobre Direitos Humanos[13] e Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque[14].

A Convenção Europeia fez menção expressa em seu texto, dispondo que o processo tenha uma duração razoável, incluindo os processos de natureza civil e penal, especialmente para os acusados presos. Não obstante, em nenhum momento o texto traz quais seriam os marcos temporais para averiguar eventuais dilações indevidas[15].

A ausência de limites temporais é chamada de doutrina do não prazo[16], por Gustavo Henrique Righi Badaró e Aury Lopes Júnior. Assim, Ireu Cabral Barreto, ressalta que a delimitação do prazo razoável dependerá de cada caso em si, portanto, devendo ser analisado no caso concreto se esse foi desrespeitado[17].

2.1 Parâmetros do Tribunal Europeu de Direitos Humanos

Ainda no âmbito europeu, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos elencou três parâmetros que devem ser observados no caso concreto para aferir se o direito à duração razoável do processo foi respeitado, são eles : a) complexidade do caso; b) comportamento da parte; e c) comportamento das autoridades judiciárias[18].

O primeiro parâmetro é a complexidade do caso, tal critério deverá ser aferido em cada caso concreto, sendo que em alguns casos uma prisão com duração de 5 (cinco) anos pode ser razoável e outra com duração de 2 (dois) irrazoável, em razão disso, deverá ser examinado no caso em análise[19].

Em relação ao comportamento da parte, o Tribunal detém um cuidado maior, pois não deseja que isso traga um entrave para o exercício do seu direito de defesa, é importante levar em consideração o respeito ao princípio de não produzir provas contra si mesmo[20]. No entanto, torna-se complexo estabelecer quais seriam os critérios objetivos para estabelecer se a atuação do acusado estaria criando embaraço para o desenvolvimento regular do processo, embora á defesa sempre manifeste resistência contra à atuação estatal, ela deve pleitear sempre que o processo corra sem atrasos indevidos[21].

No tocante ao comportamento das autoridades, o Estado possui a incumbência de garantir a eficácia dos órgãos judiciários, incumbindo ao Juiz zelar que o processo se desenvolva em sua normalidade, tendo um especial cuidado aos casos em que o acusado estiver em cumprimento de prisão preventiva[22]. Contudo, a autoridade nunca poderá, em nenhuma hipótese, deixar de respeitar a ampla defesa e as garantias processuais[23].

2.2 Duração razoável do processo no Brasil

A Emenda Constitucional 45/2004 denominada reforma do judiciário, incluiu expressamente no texto da Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso LXXVIII [24], a garantia da duração razoável do processo dentro do rol de direitos e garantias fundamentais.

No entanto, a garantia da duração razoável do processo já se encontrava presente no ordenamento nacional desde 1992, quando ocorreu a ratificação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[25]. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, assinada no dia 22 de novembro de 1969, em São José da Costa Rica, traz expressamente à garantia da duração razoável do processo em seu artigo 8º, 1[26].

Nesse sentido Rogério Lauria Tucci salienta, que a garantia da duração razoável do processo provém da previsão expressa da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conforme dispõe:

(...) a determinante da fixação de prazo razoável de duração do processo penal está contida no § 2º do artigo 5º, cuja parte final determina a consideração de garantias decorrentes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, isto é, in casu, o estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.[27]

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Assim, antes mesmo da referida emenda constitucional, alguns doutrinadores, entre eles Gilson Bonato sustentavam que: a Constituição brasileira assegurava expressamente o devido processo legal e dela decorre efetivamente a necessidade de uma resposta jurisdicional num prazo razoável[28].

Aury Lopes Jr, leciona que à garantia da duração razoável do processo deriva-se de outras garantias constitucionais elencadas no artigo 5º da Carta Magna, como o devido processo legal (inciso LIV), ampla defesa e o contraditório (inciso LV), à tutela efetiva (inciso XXXV), e a vedação à tortura e ao tratamento desumano ou degradante (inciso III)[29].

Uma consequência da referida garantia consiste na observância da dignidade do investigado, sendo garantido que à atuação estatal não seja exageradamente prolongada, tendo em vista o elevado custo social encarado pelo indivíduo sujeito a uma investigação criminal ou um processo criminal [30].

Embora, seja notável a iniciativa do legislador de incluir o direito à duração razoável do processo no rol de direitos e garantias fundamentais, Nakaharada elucida que:

Por tratar-se de norma programática que não possui um instrumentalidade efetiva, esta acabou por se tornar inócua, eis que carente de uma regulamentação pelo legislador ordinário, pois não há uma definição legal do que viria a ser razoável, em se tratando de prazo de duração do processo, o que deixa larga margem de interpretação em cada caso concreto, afligindo principalmente a situação daqueles que se encontram respondendo a processo presos[31].

Mostra-se importante destacar, por oportuno, que, a garantia da duração razoável do processo também deverá ser observada quando se tratar de um acusado que responde ao processo penal em liberdade, embora essa análise não seja o enfoque do presente trabalho, esse possui o direito de ser processado em um prazo razoável.

3. A prisão preventiva no ordenamento jurídico pátrio

A prisão preventiva é uma das modalidades de medida cautelar, constitui restrição da liberdade de locomoção de um indiciado ou réu, por motivos necessários observados os limites estabelecidos em lei [32].

No mesmo sentido leciona Renato Brasileiro, conceituando a prisão preventiva como uma espécie de prisão cautelar, que deverá ser decretada pelo juiz, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, querelante, ou assistente, em qualquer momento da investigação ou processo penal, sempre que os requisitos legais estiverem presentes[33].

A prisão preventiva encontra-se disciplinada nos artigos 311 a 316 do Código de Processo Penal. A Lei n.13.964/19, denominada pacote anticrime, fez uma alteração no artigo 311 do CPP, a nova sistemática retirou a possibilidade de decretação da prisão preventiva de ofício pelo Juiz.

A novidade legislativa garante mais respeito ao sistema acusatório, bem como a imparcialidade do magistrado[34].

Nesse mesmo sentido, leciona Aury Jr., que a decretação da prisão preventiva pelo juiz de ofício compromete a imparcialidade, pois, ele estaria assumindo uma postura ativa e inquisitória, sendo um real contraste com a inércia que deve qualificar o julgador[35].

Para que seja possível a decretação da prisão preventiva se faz necessário a presença de alguns requisitos fundamentais, sendo eles o fumus comissi delicti e o pericullum libertatis [36].

O fumus commissi delicti encontra-se previsto no artigo 312 [37], o dispositivo prevê que existam prova da existência do crime e indícios suficientes de autoria, podendo ser entendido assim:

Verdadeira certeza questionável da tipicidade penal da conduta, ou seja, a conduta imputada ao sujeito deve estar necessariamente enquadrada como criminosa no ordenamento jurídico. E mais, além da aparente tipicidade da conduta deve o agente ser provavelmente (juízo de probabilidade) o autor da respectiva ação humana que lhe é imputada[38].

Aury Jr., leciona que é necessário que o pedido venha acompanhado de um mínimo de provas mas suficientes para demonstrar a autoria e a materialidade do delito e que a decisão judicial seja fundamentada[39]. Isto é, constitui um juízo de probabilidade da ocorrência do fato criminoso e suposição da autoria.

Por outro lado, o pericullum libertatis constitui o perigo que vai decorrer do estado de liberdade do sujeito, o perigo não pode ser passado ou futuro devendo ser contemporâneo e atual. Os fundamentos estão previstos no art. 312 caput do Código de Processo Penal, sendo eles: garantia da ordem pública, garantia da ordem econômica, conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal[40].

A garantia da ordem pública é um conceito amplo, indeterminado e extremamente vago, para fins de decretação da prisão preventiva. Alguns, tentam encontrar significados para a garantia da ordem pública, por exemplo, defendem que crimes graves geram clamor público, pois, afetam a tranquilidade da comunidade, portanto, entrariam nesse fundamento. Todavia, é extremamente frágil tal colocação[41].

Em razão dessa imprecisão da lei, o fundamento para garantir a ordem pública, torna a decretação da prisão preventiva com esse fundamento nitidamente inconstitucional, conforme acentua Renato Souza:

Seja por não possuir a sobredita medida de natureza cautelar (representando, assim, um juízo antecipado de culpabilidade), seja por se fundar ela em conceito extremamente vago e impreciso, violando o princípio da legalidade (que impõe, no processo penal, a taxatividade das medidas cautelares pessoais), o que dificulta a defesa do acusado[42].

A garantia da ordem econômica tem relação direta com os crimes praticados contra o sistema financeiro ou contra a ordem econômica, tais crimes são cometidos mediante fraude contra as ordens econômicas, tributárias e financeiras, são popularmente conhecidos como crimes do colarinho branco[43].

A conveniência da instrução será empregada quando o estado de liberdade do acusado gerar riscos ao desenvolvimento regular e eficiente do processo ou a realização de provas, podendo ocorrer, por exemplo, nos casos de destruição de documentos ou alterações no local do crime, ou quando às vítimas, testemunhas ou peritos estiverem sendo perseguidas, ou ameaçadas pelo acusado[44].

Assegurar a aplicação da lei penal procura evitar que o acusado fuja, ficando o provimento final condenatório sem efeito, tendo em vista seu impedimento de aplicação da pena. Importante ressaltar, que deve existir circunstâncias concretas em relação ao risco de fuga, sendo vedado que a suspeita seja presumida[45].

Por expressa previsão legislativa, pode ser decretada a prisão preventiva em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares, diante disso:

(...) em caso de descumprimento de alguma das condições decorrentes da medida cautelar diversa, é fundamental o juiz atentar para a proporcionalidade no momento da modificação/revogação, pois, dependendo do caso, a situação pode ser igualmente tutelada sem que se recorra a prisão preventiva. Daí por que deve sempre preferir a cumulação de medidas ou adoção de outra mais grave, reservando a prisão preventiva como ultima ratio do sistema [46].

Portando, independente do fundamento da prisão preventiva é indispensável a verificação de prova razoável do alegado periculum libertatis, isto é, o perigo causado pelo estado de liberdade do indivíduo que deverá ser real, e com base fática e probatória que, por si só, tem legitimidade para ser aplicada a prisão, tendo em vista seu caráter excepcional.[47].

Ademais, o art.313 do CPP regula as hipóteses de cabimento da prisão preventiva, que são os seguintes: só poderá ser decretada prisão preventiva nos crimes dolosos com pena privativa de liberdade máximo superior a 4 (quatro) anos; quando o acusado for reincidente em crime doloso; nas hipóteses de violência doméstica e familiar contra vulneráveis e quando houver dúvidas em relação à identidade civil do acusado[48].

Presentes o fumus commissi delicti e periculum libertatis, deve o magistrado respeitar os limites de incidência da prisão preventiva, que encontram previstos no art.313 do CPP[49], mencionado no parágrafo anterior.

A Lei n. 13.964/2019 consolidou entendimento jurisprudencial dominante, no sentido de que a prisão preventiva não poderá ser utilizada como antecipação da pena. Além disso, não pode ser imediatamente decretada em consequência de investigação ou caso de recebimento da denúncia. Sendo imprescindível à verificação do fumus commissi delicti e periculum libertatis[50].

Outra novidade foi a nova redação do art.315 [51] trazida pela reforma processual, impondo ao juiz o dever de motivar e fundamentar a decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva, conforme leciona Aury Jr.:

Trata-se de um conjunto de exigências, da maior relevância, em relação à qualidade da fundamentação necessária para decretação de uma prisão cautelar. Um grande avanço ao exigir uma fundamentação concreta, individualizada e com uma sanção, na medida em que estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão. Então, todas essas vedações, que exigem qualidade da decisão, ao não admitir que ela se limite a indicar artigos da lei ou precedentes, enunciados, sem fazer a adequação ao caso concreto; que empregue conceitos jurídicos vagos e indeterminados, sem relacionar com o fato concreto; a invocar motivos formulários, padronizados, que servem para qualquer decisão; que não enfrente os argumentos trazidos pelas partes e que se relacionem com a linha decisória adotada; ou ainda, que deixe de seguir súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte e que diga respeito ao caso em discussão, sem fazer o necessário distinguishing [52].

Além disso, a prisão preventiva será revogada de ofício pelo juiz ou a pedido das partes, nos termos do art.316, assim, pode ser novamente decretada, se subsistirem razões para tal.[53].

3.1 Duração e revisão da prisão preventiva no Código de Processo Penal

A prisão preventiva não possui nenhum limite temporal máximo definido na legislação, ficando a incumbência de avaliar a permanência ou revogação da medida ao julgador.

Um dos princípios norteadores da prisão cautelar é a provisoriedade, e essa tem ligação direta com o tempo, portanto, a prisão cautelar deve(ria) possuir breve duração, tendo em vista que não se trata de uma pena antecipada[54].

A ausência de definição sobre o prazo de duração da prisão cautelar gera total indeterminação, levando em consideração que a prisão poderá ter duração até o momento em que o julgador entender perdurar o periculum libertatis[55].

A omissão legislativa fez com que a jurisprudência tentasse definir limites para a duração da prisão preventiva, assim, foi concebido o critério de 81 dias. Conforme explicado por Badaró e Lopes Jr. Os 81 dias decorrem da soma do prazo de todos os atos da persecução penal, desde o início do inquérito policial ou da segregação do acusado, até a prolação da sentença, no procedimento comum ordinário[56].

Segundo o critério, atingidos os 81 dias de duração da preventiva, ocorreria a configuração de prisão ilegal. Contudo, não havia nenhuma certeza de que o acusado seria colocado em liberdade, após o atingimento do prazo. A refutação só teria validade para ser utilizada em eventual pedido de revogação da preventiva. No entanto, seriam utilizados outros critérios, tais como a complexidade do caso, comportamento das partes e comportamento das autoridades[57].

Assim, seria averiguado no caso concreto se houve violação ao prazo razoável, é o que se convencionou chamar de teoria do não prazo, eis que não há sanção processual prevista em lei para o excesso temporal da prisão preventiva[58].

Não obstante, a Lei n.11.719 de 2008 realizou uma uniformização dos prazos em relação aos atos processuais do CPP, de maneira que o prazo de 81 dias, tornou-se superado[59].

Outrossim, a jurisprudência realizou algumas distorções em relação ao tema, como na inteligência da súmula 52 do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[60], dispondo que o prazo de 81 dias só tem validade até o final da instrução, excluindo-se a fase recursal.

A súmula gera um encurtamento do termo final, ou seja, a adoção de um termo a quo anterior ao julgamento em primeiro grau, é incompatível com o direito ao processo penal em prazo razoável, assegurado pelo art.5º inciso LXXVII, da Constituição[61]. Portanto, o direito à razoável duração do processo não pode ser reduzido ao direito à razoável duração da instrução[62].

Alguns projetos de leis já foram formulados, com o intuito de trazer um prazo máximo para a prisão preventiva. Entre tantos, o Projeto de Lei 4208/2001, redigiu o artigo 315-A, que previa à duração máxima da prisão preventiva em 180 dias, em cada grau de jurisdição, excetuando-se os casos em que o acusado deu causa a demora[63]. No entanto, o texto final que deu origem a Lei n.12.403/2011, vetou o art.315-A.

Infelizmente, foi perdida uma grande oportunidade de regular expressamente em lei o prazo de duração máximo da prisão preventiva, conforme salienta Aury Jr. O limite aos excessos somente ocorrerá quando houver prazo com sanção. Do contrário, os abusos continuarão[64].

Por último, a Lei n. 13.964/2019, trouxe uma importante novidade no art.316, parágrafo único[65], a obrigação de revisão da prisão preventiva a cada 90 dias, devendo ser feita de ofício, com devida fundamentação, sob pena de tornar a prisão ilegal.

Enfim, foi regulamentado em lei o dever de revisão da medida, bem como o prazo com devida sanção, sendo que em caso de não observação do prazo e a nova análise, a prisão será ilegal[66].

3.2 Duração da prisão preventiva na Convenção Americana sobre Direitos Humanos

A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), foi assinada em 1969, mas teve sua vigência iniciada apenas em 1978, no contexto americano é considerada como um dos documentos que trazem maior proteção aos Direitos Humanos.

A Convenção regulou o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, ele é integrado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, bem como pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, tendo a incumbência de acompanhar e fiscalizar a efetivação de tais direitos[67].

No Brasil, conforme já mencionada, a CADH entrou em vigor em 25/09/1992, mediante o Decreto n. 678 [68]. Em sede de um recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal definiu que a CADH tem natureza jurídica de norma supra legal, isto é, está acima das leis ordinárias, porém, abaixo da Constituição Federal [69].

A Convenção não regula em seu texto a indicação de prazo máximo de duração da prisão preventiva, assim é possível concluir que ela faz adoção da doutrina do não prazo, isto é, a incumbência para definir tais limites temporais, ou não, é dos Estados-membros. A doutrina do não prazo, conforme já comentada anteriormente afere no caso concreto se houve algum desrespeito ao prazo razoável [70].

O Sistema Interamericano de Direitos Humanos adota a teoria dos três critérios, desenvolvida pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, consoante já explanada no primeiro tópico do trabalho[71], que são eles complexidade do caso, comportamento da parte e comportamento das autoridades[72].

Embora a CADH não tenha estipulado limites temporais máximos para a duração da prisão preventiva, isso não isenta os Estados-membros de adotarem no âmbito de seus ordenamentos prazos adequados[73].

Ocorre que, quando o Brasil fez a ratificação da CADH, ele reconheceu e aceitou o encargo de cumprir em todo seu território, todas às medidas necessárias para a efetivação dos direitos e liberdades, contidos no texto da Convenção[74].

Assim, analisa Nakaharada:

O processo penal em um Estado Democrático de Direito deve se pautado pela estrita legalidade, e a manutenção da pessoa em cárcere não pode ficar a critério da subjetividade do aplicador do direito, até mesmo porque a garantia da presunção da inocência demanda que o indivíduo deve ser tratado como inocente durante toda a persecução penal. Daí a necessidade de imposição legislativa de limites legais para a atividade do Estado no exercício de sua pretensão punitiva, principalmente no que se refere à restrição de direitos fundamentais[75].

Nesse sentido, serão aferidos no próximo tópico quais garantias são violadas com à ausência de prazo máximo de duração da prisão preventiva.

4. Necessidade de previsão legislativa sobre prazo de duração da prisão preventiva

Conforme já mencionado anteriormente, a legislação brasileira não determina de forma expressa os marcos efetivos de duração da prisão preventiva.

A ausência de prazo máximo de duração da prisão preventiva constitui um dos maiores problemas do sistema cautelar brasileiro, o réu ou investigado presos preventivamente vivem uma absoluta indeterminação, sendo que sua prisão pode durar enquanto o juiz ou tribunal entender que existe efetivamente o periculum libertatis[76].

Além disso, a ausência de limites temporais da prisão preventiva infringe inúmeras garantias fundamentais, dentre elas a dignidade da pessoa humana, o estado de inocência e a duração razoável do processo, conforme analisaremos a seguir.

A dignidade da pessoa humana constitui um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme preceitua expressamente a Constituição Federal [77]. No âmbito do processo penal, o princípio da dignidade da pessoa humana produz importantes efeitos, de maneira que o acusado deve ser tratado como sujeito de direitos, e não mero objeto [78].

A prisão preventiva é resultado de um sistema processual penal com origens nitidamente inquisitoriais, indo em oposição com o princípio da dignidade humana, pois, o CPP anteriormente trazia aprisão cautelar como regra, gerando uma verdadeira antecipação da pena, além do que trata o acusado como culpado e mero objeto e não inocente (até que se prove o contrário) e sujeito de direitos [79].

O processo penal, por si só, já é um grande criador de estigmas ao acusado, e o prolongamento do processo, bem como a situação de cárcere agravam esse infortúnio[80]. A estigmatização traz reflexos no bem-estar, essencialmente ao seu estado psíquico, vida social, pessoal, profissional e por fim sua dignidade[81].

Aury Lopes e Gustavo Badaró, lecionam que a ausência de prazo para a prisão preventiva provoca inúmeras incertezas na vida do indivíduo, levando qualquer pessoa a níveis de estresse jamais imaginados. Não raros serão os transtornos psicológicos graves, como depressão exógena[82].

Sarlet discorre sobre a falta de observância da dignidade do indivíduo:

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças[83].

Outra garantia violada é o estado de inocência, prevista expressamente no artigo 5º, inciso LVII[84], da Constituição Federal. O termo estado de inocência ao contrário de presunção de inocência é o mais adequado, segundo Nereu José Giacomolli, pois, se origina da perspectiva de essência do ser, com características induvidosas, diferentemente de presunção, a qual não passa de uma hipótese, permanecendo até a sentença final[85].

Afinal, todos os seres humanos nascem inocentes e assim se mantém, até que o estado prove através de um processo penal a mudança desse estado natural[86]. Portanto, a prisão preventiva, uma vez que não se trata de pena, segundo Badaró e Lopes JR., não pode sujeitar o acusado a sua liberdade pessoal a um esforço maior do que aquele que se pode exigir de quem se presume inocente[87].

O princípio da provisoriedade encontra-se vinculado diretamente com a prisão de natureza cautelar, portanto, o tempo da prisão deveria ser temporário, sucinto, breve, sintético e principalmente determinado a sua duração[88].

A liberdade é a regra no sistema processual brasileiro, portanto, qualquer restrição a essa garantia fundamental deve estar prevista em lei, especificando previamente quais serão às formas e os meios que irão ocorrer tais restrições à liberdade de uma pessoa, para evitar abusos estatais[89].

A garantia da duração razoável do processo, já analisada anteriormente no presente trabalho, encontra-se no grupo de garantias violadas pela falta de limites temporais da prisão preventiva. Nesse sentido, adverte Nereu José Giacomolli que em se tratando de suspeito ou acusado preso, o constrangimento ilegal determinante da liberdade é a primeira consequência da razoabilidade temporal[90].

Ademais, o alongamento do processo penal, principalmente se acusado estiver em cumprimento de medidas cautelares, gera um efetivo aumento do estigma trazido pelo processo penal[91].

O Estado deve buscar o equilíbrio entre a segurança jurídica do tempo razoável de duração do processo, bem como a real e efetiva prestação da tutela jurisdicional para que a decisão não se prolongue demasiadamente no tempo[92].

Além disso, com a efetivação do direito à duração razoável do processo quando um acusado que estiver em cumprimento de prisão preventiva, surge, então, o direito de o seu caso ser analisado de forma rápida e sem atrasos, ou de ser colocado em liberdade imediatamente [93].

Por fim, conforme aferido a falta de limites temporais do prazo máximo de duração da prisão preventiva viola inúmeros princípios e garantias, tais como, a dignidade da pessoa humana, o estado de inocência e a duração razoável do processo.

5. Considerações finais.

O presente trabalho teve como intuito averiguar os marcos temporais da prisão preventiva no ordenamento jurídico brasileiro, que na atualidade não possui prazo máximo de duração definido em lei, bem como aferir se tal omissão legislativa violaria a garantia da duração razoável do processo, prevista expressamente no art.5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, incluída pela Emenda Constitucional 45/2004.

A garantia da duração razoável do processo, contudo, já se encontrava prevista no ordenamento jurídico brasileiro implicitamente, e em decorrência de outras garantias como o devido processo legal, dignidade da pessoa humana e estado de inocência. Além disso, o Brasil já havia ratificado a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), que já disciplinava a garantia da duração razoável do processo.

A prisão preventiva está prevista no Código de Processo Penal, e rege-se pelos princípios da excepcionalidade e provisoriedade, porém os altos números de presos provisórios no sistema prisional brasileiro, evidenciam, ainda mais, que a prisão preventiva está sendo usada como regra.

Assim sendo, a prisão preventiva é a medida cautelar mais onerosa do sistema para o acusado, em razão disso, deve constar em lei todos os seus requisitos, hipóteses, pressupostos, procedimentos, bem como a definição precisa do prazo máximo de sua duração[94].

Nesse sentido, os indivíduos processados criminalmente, essencialmente os que estão em presos, devem possuir o direito de saber antecipadamente e com efetiva certeza o período máximo de duração do processo, bem como da sua situação de encarceramento [95].

Às últimas grandes reformas no Código de Processo Penal, não enfrentaram a falta de prazo máximo da prisão preventiva, o legislador mais uma vez foi leniente, demonstrando que disciplinar efetivamente em lei tal assunto nunca foi importante.

Portanto, às próximas reformas do processo penal, devem pautar-se pela garantia da duração razoável do processo, tendo em vista que o legislador tem a incumbência de fornecer os instrumentos necessários para a efetivação da garantia da razoável duração no processo penal[96].

Além disso, o legislador deverá estar atento não só para a adoção de prazos para a duração da prisão preventiva, deverá também, adotar sanções pela demora processual, bem como que o réu seja automaticamente solto, em caso de mora estatal[97].

Por fim, enquanto não houver lei disciplinando expressamente os limites temporais máximos da prisão preventiva, a garantia da razoável duração do processo continuará sendo violentamente desrespeitada.

Sobre a autora
Izamara da Silva Gomes

Advogada, pós-graduada em Ciências Criminais pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Izamara Silva. A prisão preventiva e a garantia da duração razoável do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6968, 30 jul. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99303. Acesso em: 21 nov. 2024.

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