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Coletivos universitários denunciam AfroConveniência em possíveis fraudes de cotas

Agenda 09/05/2016 às 09:56

Precisamos falar sobre cotas. Mas também precisamos falar sobre AfroConveniência.

Quer você seja a favor ou não, a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, é clara: garante a reserva de 50% das matrículas por curso e turno nas 59 universidades federais e 38 institutos federais de educação, ciência e tecnologia, que serão destinadas a estudantes de ensino público, oriundos de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e a autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), o critério de raça é autodeclaratório, "como ocorre no censo demográfico e em toda política de afirmação no Brasil. Já a renda familiar per capita terá de ser comprovada por documentação, com regras estabelecidas pela instituição e recomendação de documentos mínimos pelo MEC."

Ou seja, não há medidas que fiscalizem ou acompanhem a autodeclaração. O uso de bancas examinadoras, por exemplo, causou polêmicas no passado e foi abolido pelas instituições.

Diante desse contexto, coletivos negros de universidades brasileiras perceberam casos de oportunismo, ou ingenuidade, na utilização da autodeclaração e começaram a denunciar as #FraudesNasCotas e a #AfroConveniência. As hashtags e campanhas nas redes sociais ganharam fôlego após coletivos da UFES e da UFRB se posicionarem sobre o tema.

Entenda o caso

Mirts Sants é integrante do coletivo capixaba Negrada. Em entrevista ao HuffPost Brasil ela conta que a organização surgiu em 2012 devido as dificuldades de permanência dos estudantes negros na UFES. Em março, a entidade coletou cerca de 40 denúncias de possíveis cotistas fraudulentos e entregou os documentos ao MPF-ES, que arquivou o caso no âmbito criminal.

"As fraudes foram percebidas na UFES no ano passado, quando recebemos denúncias de pessoas que fraudaram nas cotas raciais e sociais. As denúncias foram recebidas, por escrito e pessoalmente, por estudantes negros e, principalmente, por brancos, que observaram que não-negros estavam ocupando as vagas não devidas."

As denúncias foram feitas com base nos perfis dos aprovados nas redes sociais. De acordo com os representantes do coletivo, os nomes listados não atendiam aos critérios necessários para se beneficiar das cotas no processo seletivo da UFES. Em entrevista ao jornal Gazeta, João Victor dos Santos reafirmou o argumento da denúncia:

“As fotos do Facebook deixam claro que eles não têm características de negros ou pardos, mas se declararam como tais. Muitos deles nós conhecemos pessoalmente e sabemos que não se incluem nas cotas."

No entanto, apesar do movimento iniciado pelo coletivo, o Ministério Público do ES arquivou, em âmbito criminal, o pedido de denúncia, segundo informações do G1.

De acordo com o MPF-ES, na lei que regula a política de cotas para ingresso nas universidades federais e no edital do Vestibular da UFES, consta apenas a autoidentificação como critério para que o candidato possa usufruir do sistema de cota racial e, segundo a decisão, não estão previstos, nem na lei, nem no edital,"quaisquer critérios fenotípicos, genotípicos e de qualquer outra natureza, para a identificação de pardos, negros ou índios (PPI)."Logo, para o orgão, é impossível falar na prática de falsidade ideológica.

Mirts Sants contesta a decisão do MP. Para ela, é papel das instituições criar mecanismo que impeçam a banalização da autodeclaração.

"Dois candidatos reconheceram e desistiram de continuar ocupando a vaga, porém, a maioria criticou a inexistência de mecanismo de controle e viram na autodeclaração abertura para continuar a fraude. O MP e as universidades devem coibir que a autodeclaração seja banalizada. Se está ocorrendo fraudes eles precisam apurar e criar mecanismos de controle. As fraudes na autodeclaração são conscientes e com a intenção de burlar uma lei. A Justiça tem que levar em conta o objetivo da lei, que é a inclusão de pretos, partos e indígenas, e advindo da escola pública no ensino superior. Se a autodeclaração falsa está inviabilizando a lei de reserva de vagas, temos um grande problema aí. O MP tem o dever de proteger o cumprimento da lei e não justificar a prática de crimes para benefícios individuais com o argumento de que há uma brecha na lei."

O coletivo Negrada conta com apoio jurídico da Comissão de Igualdade Racial da OAB-ES. Em nota oficial, a presidente da comissão Patrícia Santos da Silveira argumenta que só com a modificação da lei é que poderia existir a possibilidade de uma responsabilização por parte criminal e, inclusive, cível.

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“A vantagem é que com este arquivamento na área criminal temos a chance de seguir para um órgão colegiado e é o que vamos tentar agora junto com o Coletivo Negrada, dando todo o suporte jurídico para que esse recurso seja feito.

Se existe um artigo dizendo que declaração falsa incorre em falsidade ideológica, como é possível ignorarmos isso? Tem um procedimento onde demonstra que algumas fotos não são de pessoas negras, então onde não existe fraude? Não posso me declarar branca, porque no primeiro momento qualquer pessoa dirá que sou negra, então qual é a diferenciação de olhar para alguém que é branco e dizer que é pardo? Isso não existe. A sensação é de que querem driblar a lei."

Na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, uma estudante do curso de Medicina contabilizou dez casos suspeitos de pessoas que se beneficiaram do sistema de cotas, segundo a Folha de São Paulo.

Em entrevista ao jornal, a estudante disse que a fraude é foco do coletivo NegreX, do qual faz parte. Com cerca de 200 estudantes negros de medicina de várias universidades do país, o grupo organizado denuncia o que intitularam de "afroconveniência": pessoas que "se valem da subjetividade da autodeclaração para obter vantagens", como explica a universitária.

O que fazer?

A estudante e militante negra Maria* (preferiu não ser identificada) vê com cautela a proposta de revisão da lei de cotas, sugerida por alguns coletivos negros.

"Eu acho que é difícil falar em revisar a lei, pois poderíamos cair em um"julgamento colorista", embebido no racismo que embraquece os pretos. Ninguém seria preto. Para você ter uma ideia do poder desse embraquecimento, minha tia afirma de pé junto que eu sou branca e não negra - mas OLHA A MINHA MELANINA! Acho que o que deveria ocorrer é ter especialistas em colorismo para avaliar esses casos encaminhados ao MP. É evidente que há casos em que a pessoa não é negra, então a lei até poderia ser revista nesse sentindo: focar nos traços negroides da pessoa e não somente na autodeclaração.

Além disso, faz-se necessário o cumprimento da Lei 10.639-03 que obriga o ensino e valorização da cultura negra na escolas. A discussão sobre racismo em sala de aula pode ajudar todo mundo, seja brancos ou negros a ser conscientes sobre a questão. Negros teriam mais base e força para se declarar negros e 'sinhôzinho sem noção' poderiam, talvez, criar um respeito maior pela nossa luta e história."

Pensando em possíveis soluções para o problema, o coletivo Negrex publicou uma carta em sua página do Facebook em que destaca 6 medidas que podem ser adotadas para combater às fraudes:

- Criação de uma instância permanente de apuração das denúncias de maneira ampla e rápida, principalmente nos casos das vagas raciais, em que caso se constate pessoa branca a se passar por negra ou indígena, seja automaticamente eliminada da concorrência dessas vagas e dê tempo hábil para aqueles que se enquadrem no perfil realmente possam concorrer entre seus iguais;

- A busca por servidores internos formados e capacitados na discussão das cotas e etnia-raça, para a averiguação de fraude nas cotas sócio-raciais;

- Publicização no Portal da UFRB da lista de todos (as) estudantes do PPQ-UFRB, organizados por centro de ensino, para a ciência de quem recebe o benefício e assim se tornar mais fácil a solicitação de verificação daqueles suspeitos de estarem fora do perfil e que possam estar fraudando;

- Judicializar todos os casos apurados e comprovados de fraude, com a cobrança da devolução imediata de todo o recurso recebido de maneira ilícita do PPQ e saída do programa;

- Da perda das vagas (jubilamento) dos que estão fora do perfil exigido das cotas sócio-raciais;

- Imediata apuração dos (as) candidatos (as) para as vagas raciais das terminalidades do BIS, em especial Medicina, onde se concentram os casos mais gritantes de fraude.

"Meu avô é branco. Logo, eu sou branco. Estranhou? #AfroConveniência."

Sobre o autor
Lopes Cavalcanti

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