3. Os decretos de abertura de crédito suplementar preparados pela equipe econômica da Presidente da República: ausência de responsabilidade pessoal do Vice-presidente da República.
Embora uniposicional, a situação jurídica da coposição é de igual modo plurissubjetiva. Estamos diante de dois ou mais sujeitos de direito ocupando a um só tempo a mesma posição jurídica, exercendo legitimamente os mesmos deveres-poderes que lhe são conferidos, razão pela qual, e. g., o Presidente da República assina tratados e acordos internacionais como presidente, enquanto o seu Vice, exercendo a Presidência, assina decretos, portarias e sanciona leis, como Presidente em exercício.
Até onde, porém, serão exercidos pelo Vice os deveres-poderes que a coposição imprópria autoriza é matéria definida pela natureza derivada do seu exercício, que se dá sempre conforme as orientações das políticas públicas e plano de governo adotados pelo titular originário. O Vice poderia agir em desconformidade com essas orientações?; evidentemente que sim, sem embargo de estar, nessa hipótese, rompendo a harmonia que deveria reger o unitopismo plurissubjetivo, quebrando a legitimidade política - não a jurídica, perceba-se! - do seu agir. Se essa quebra da legitimidade política implicaria abuso ou desvio de poder, é a natureza do ato praticado no exercício dos poderes-deveres que o dirá, donde se pode desde logo observar que os sujeitos de direito monotópicamente ocupando a mesma lugaridade funcional são, cada um por si, responsáveis únicos pelos seus próprios atos, salvo quando o copositor derivado atuar mimetizando o agir do copositor originário.
O agir do Vice-presidente, como copositor derivado, é, aí, postsincronizado: trata-se do fazer burocraticamente o que o titular deixou para que fizesse em sua ausência do território nacional. Noutras falas, a vontade que manifesta não é a sua, mas a de outrem. Fôssemos usar uma imagem aproximada, diríamos que o copositor derivado, nessas hipóteses de dizer por outrem, age como o dublador de filmes: fala com voz própria o que é porém expressão, manifestação, do titular, no caso, o copositor originário. A postsincronização do ato administrativo nada mais é do que a atuação expletiva do copositor derivado em manifestar por necessidade burocrática ato próprio do copositor originário. Não se trata de ato autogênico, porém gestado por outrem, o titular, embora realizado pelo copositor derivado.
Em miúdos, o Vice-presidente - ao editar decretos que abrem crédito suplementar - está apenas cumprindo uma função expletiva; o seu ato administrativo aqui é ato do titular tornado seu apenas por necessidade do serviço, não expressando vontade sua autônoma, tampouco executando política própria. É típico exemplo do fenômeno da postsincronização do ato administrativo: o seu dizer o direito é apenas o dizer por outrem.
É de conhecimento corrente, ademais, que o Vice-presidente não teve qualquer participação na formulação da política econômica do governo ou nas decisões centrais de aplicação dos recursos públicos. Quando solicitado pela Presidente República, o Vice-presidente cuidou de realizar a coordenação política para buscar construir o consenso voltado à aprovação pelo Congresso Nacional de medidas havidas por fundamentais para o ajuste fiscal Atuação bem delimitada e com prazo certo, restringida ao cumprimento daquela missão.
Dado que a declaração de vontade que manifesta é a vontade de outrem, verberada pelo Vice-presidente por necessidade imposta pela burocracia, o ato administrativo praticado é apenas em aparência seu; o conteúdo que expressa é produto da política econômica e gerencial da Presidência da República, elaborado pelos seus auxiliares diretos e de confiança. Dá-se o mesmo, grosso modo, com o procurador que se faz presente na cerimônia de matrimônio, diz o "sim" pelo outorgante, manifestando a vontade dele, noivo, não a sua, procurador. A declaração de vontade não é a de quem a manifestou, mas daquele por quem foi ela manifestada.
Resta evidente, destarte, que não se pode atribuir ao Vice-presidente a prática de qualquer ilicitude, não tendo responsabilidade jurídica pela prática de ato gerado por outrem, apenas contendo a sua assinatura por razões burocráticas. O decreto postsincronizado é produto de processo autorizado pela presidente da República, realizado pela sua assessoria e apenas assinado pelo Vice-presidente expletivamente.
4. Resposta à consulta. Conclusão.
Após a análise jurídica realizada, resta sobejamente demonstrado, conforme pensamos e é a nossa convicção, que o Vice-presidente da República, no exercício da Presidência, exercita os poderes-deveres da coposição derivada, agindo no mais da vez expletivamente em relação aos atos da Presidente da República. Assim, quando assinou decretos adrede preparados pela assessoria econômica da Presidência, que cumpria determinações da titular do mandato, o Vice-presidente apenas assinou burocraticamente ato administrativo da Presidência, manifestando a sua, dela, declaração de vontade.
A coposição derivada age, no mais da vez, por postsincronização, mimetizando o ato do real emissor: o titular, copositor originário. Nesse caso, cujos decretos de liberação de créditos suplementares são exemplos evidentes, a responsabilidade do ato é exclusivamente da fonte da vontade manifestada por outrem: a Presidência da República. A responsabilidade jurídica do Vice-presidente é, desse modo, nenhuma!
É o parecer, s.m.j.
Advento do Senhor, Brasília/DF, 28 de dezembro de 2015.
ADRIANO SOARES DA COSTA
Advogado. Presidente da Instituição Brasileira de Direito Público - IBDPub. Conferencista. Parecerista. Ex-juiz de Direito.